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A chilena Marta Harnecker e seu firme propósito de tornar possível o impossível

A escritora, cientista política, psicóloga e jornalista foi uma das mais importantes intelectuais latino-americanas e tem um legado que precisa ser conhecido
Juan Cristóbal Cárdenas Castro
Diálogos do Sul Global
Santiago

Tradução:

Apresentação

Orlando Caputo Leiva[ii] 

Imediatamente conhecida a notícia da partida de Marta Harnecker — em 15 de junho de 2019 —, solicitei a jovens pesquisadores, algumas breves notas que relatassem as atividades acadêmicas de Marta — atividades que, de diferentes formas, coincidimos. 

Retomo este documento de Juan Cristóbal Cárdenas, que destaca a participação ativa de Marta no Centro de Estudos Socioeconômicos (CESO) — atividades em que ela posteriormente replicou e aprofundou em diferentes países da América Latina.

Juan Cristóbal Cárdenas (chileno) realizou sua tese de doutorado na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) sobre o CESO, publicando um interessante documento que intitulou: “Ojo con el CESO!”

A escritora, cientista política, psicóloga e jornalista foi uma das mais importantes intelectuais latino-americanas e tem um legado que precisa ser conhecido

Cancillería del Ecuador
Marta lecionou diversos cursos na Escola de Economia e na Escola de Sociologia da Universidade do Chile

Conheci Marta Harnecker ainda nos anos anteriores à sua incorporação oficial ao CESO. Ela se sentiu fortemente identificada com as atividades do CESO e com o grupo sobre a dependência. As relações acadêmicas e de amizade que surgiram no Centro de Estudos Socioeconômicos foram mantidas por Marta durante toda sua vida.

No final de 1970, me incorporei à Comissão de Serviços, como representante do Presidente Salvador Allende, na Corporação Nacional do Cobre, cuja missão era se encarregar das empresas de cobre estadunidenses que foram nacionalizadas. Durante os três anos de governo do Presidente Allende eu fiquei afastado do CESO, justamente nos anos em que Marta desenvolveu suas principais contribuições no CESO e no Chile. 

É muito importante resgatar as atividades acadêmicas, políticas, de educação e divulgação de Marta e do CESO, que precisam ser conhecidas no Chile e na América Latina, através do documento de Juan Cristóbal Cárdenas.

Marta Harnecker no CESO e no “Chile Hoy”

Juan Cristóbal Cárdenas Castro

Em meados de 1968 a psicóloga Marta Harnecker retornava ao Chile depois de passar um período na França. Atrás ficava a agitada Paris, onde conheceu o filósofo marxista Louis Althusser, de quem chegou a ser, com absoluta certeza, sua mais reconhecida herdeira intelectual na América Latina. 

Em abril de 1969, Marta publicou Los conceptos elementales del materialismo histórico (México: Siglo XXI Editores), livro que a tornou conhecida no circuito intelectual latino-americano. Antes, havia traduzido os livros de Althusser Pour Marx, que apareceu em castelhano como La revolución teórica de Marx (México: Siglo XXI, 1967 [1965]); e Lire le Capital, escrito com Etienne Balibar, intitulado Para leer El Capital (México: Siglo XXI, 1968 [1965]).

Em 1970, a pensadora chilena se incorporou como pesquisadora ao Centro de Estudos Socioeconômicos (CESO) na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Chile, que à época tinha como diretor o economista Pío Garcia. 

Uma das primeiras atividades de Marta ao chegar a este Centro foi a organização de um Seminário sobre “O Capital de Marx”, que tinha como finalidade “compreender os principais conceitos que Marx emprega no estudo do modo de produção capitalista”, assim como suas leis fundamentais de funcionamento. Tratava-se de uma “leitura pedagógica” dos três livros da obra. 

Entre suas atividades docentes, Marta lecionou diversos cursos na Escola de Economia e na Escola de Sociologia. Aquele ano também circulou no CESO um documento de trabalho de sua autoria intitulado “Política y clases sociales en Poulantzas (Estudio Critico)” (Santiago: CESO, 1970). 

Depois das eleições presidenciais de setembro, quando Salvador Allende alcançou a vitória, se dedicou, com Gabriela Uribe, à elaboração de uma série de cartilhas de formação política, destinadas a elevar o nível de consciência política dos trabalhadores e a combater a campanha de terror desatada pela direita. Essas cartilhas foram divulgadas como uma contribuição do Comitê de Unidade Popular do CESO, sendo muitas delas reproduzidas em diversas edições da revista Punto Final. Rapidamente essas cartilhas deram lugar aos Cuadernos de Educación Popular, primeiro como curtas histórias e, mais tarde, propriamente como livros, que foram reproduzidos massivamente pela Editora Quimantú. Esses materiais foram discutidos com os trabalhadores em distintas oficinas e seminários.

A partir de 1971, Marta coordenou o Seminário Geral do CESO, que se concentrou na análise da transição socialista na União Soviética. Em outubro desse ano, participou como comentadora no Simpósio CESO-CEREN sobre “Transição ao Socialismo e Experiência Chilena”, que contou com a presença de políticos e intelectuais chilenos e estrangeiros de destaque. É importante ressaltar a produção teórica de nossa intelectual no seu segundo ano no CESO, onde além do Cuaderno Docente intitulado “Nuevas elaboraciones acerca de algunos conceptos del materialismo histórico” (Santiago: CESO, 1971), publicou o livro El Capital: conceptos fundamentales. Lapidus y Ostrovitianov: Manual de economia política (Santiago: Editorial Universitaria, 1971).

Merece uma menção à parte o ativo envolvimento de Marta no processo de Reforma Universitária ocorrido na Universidade do Chile, a partir de maio de 1968, com diversas etapas até 1973. 

Essa participação a levou a ser candidata nas eleições do Conselho Normativo Superior realizadas em junho de 1971, no marco da renovação de autoridades contempladas pelo novo Estatuto Orgânico fruto da Reforma, conformado por 65 conselheiros acadêmicos, 25 estudantes e 10 não acadêmicos. A pesquisadora do CESO foi eleita conselheira pela lista da Unidade Popular, mas em seguida foi acordado a repetição das eleições de Reitor, Secretário Geral e CNS em abril de 1972.

É provável que naquele momento Marta se encontrasse completamente envolvida com a organização do projeto em que se dedicou durante os 15 meses que antecederam o golpe militar. Nos referimos à criação da revista Chile Hoy, semanário que desde o princípio se propôs a “reunir e apresentar todas as opiniões e abordagens daqueles que lutam pela construção do socialismo em nosso país” (CnH, n.1, p. 3, junho de 1972). 

Tratou-se de uma iniciativa plural, que teve como artífices Pío Garcia, Theotonio dos Santos e Ruy Mauro Marini, que propuseram que Marta assumisse a direção desse projeto jornalístico. No total, foram produzidos 65 números da revista, nos quais ela se desenvolveu, além disso, como ativa jornalista e entrevistadora. 

Nas páginas do Chile Hoy ficou um registro das inumeráveis entrevistas que realizou junto a Faride Zerán, José Cayuela, Jorge Modinger, Gustavo González e Victor Caccaro, entre outros. Nas imagens capturadas pelo fotógrafo português Armindo Cardoso, é possível vê-la entrevistando Salvador Allende, Miguel Enríquez, Luis Corvalán, Luis Figueroa, Rolando Calderón, Carlos Prats, Radomiro Tomic ou Renan Fuentealva, ainda que também houvesse entrevistado o próprio Carlos Altamirano, Mireya Baltra, Clodomiro Almeyda, Pedro Vuskovic, Alberto Bachelet e Fernando Castillo Velasco, entre outros. 

Igual ou mais significativas foram as entrevistas realizadas com os trabalhadores dos cordões industriais e dos comandos populares, com dirigentes sindicais, camponeses, operários do salitre, do cobre; assim, se “reunia o que o povo ia sentindo e as críticas que o povo fazia à gestão do governo” (entrevista; M, Manzoni, 1995). 

No Chile Hoy, como ela mesma sustentou, descobriu “o maravilhoso que o jornalismo pode ser na época da revolução” (entrevista; R. Ruiz, 2016). No Chile Hoy cultivou uma nova metodologia que a levou a publicar mais de 80 livros ao longo de sua vida.

Depois do golpe militar, produto da perseguição, Marta se viu obrigada a se asilar na Embaixada Venezuelana. Depois de quatro meses de retiro forçado partiu ao exílio. Nos anos que se seguiram, Cuba se converteu em seu novo lar, lugar a partir do qual contribuiu para a reconstrução da esquerda e ao propósito do tornar possível o impossível. A luta continua…

*Tradução: Fabio Maldonado


[i]  Juan Cristóbal Cárdenas Castro é economista, Doutor em Estudos Latino-americanos, professor da Universidade do Chile e da Universidade de Valparaíso. Na UNAM realizou uma tese sobre o CESO e publicou um importante documento que intitulou “¡Ojo con el CESO!”.

[ii] Orlando Caputo Leiva é economista, participou do governo de Salvador Allende, foi professor em inúmeras universidades, entre as quais a UNAM, e é membro do GT Crisis y Economía Mundial, da CLACSO.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Cristóbal Cárdenas Castro

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