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A força do movimento está em sua indefinição ou, vamos sonhar novamente?

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

ThiagoPor parte dos manifestantes, após uma quinta feira violenta amplamente divulgada pela mídia (no sugestivo dia 13), a mobilização se alastrou. As imagens de opressão (da polícia diante de apenas alguns milhares de manifestantes que então se ousavam pelas ruas) serviu de combustível para aumentar a fogueira.

Tiago Corbisier Matheus*
Isto porque tantos outros jovens e não jovens, cada qual com seus motivos mais ou menos definidos, enxergaram a possibilidade de levar para as ruas suas insatisfações, em solidariedade àqueles que viveram a injustiça de uma violência policial desproporcional. A falta de lideranças claras e de uma organização a balizar o movimento acabou por abrir as portas para múltiplas insatisfações de jovens e não jovens, na medida em que não havia tradutores ou condutores das insatisfações de cada um, nem novos representantes passíveis de desconfiança.

Crédito: Laura Cantal
Crédito: Laura Cantal

O motivo claro inicial – o direito à circulação social, a partir do passe livre – se tornou um pretexto para tantas outras queixas, entre as quais a corrupção (geral e aquela que a opulência dos equipamentos para a Copa do Mundo sugeriam), a precariedade de serviços básicos como educação e saúde e a própria violência praticada pela polícia desde as periferias até os centros urbanos. Na medida em que a única regra que se impunha era manter o movimento apartidário, a incorporação das múltiplas insatisfações permitia a cada um representar a si mesmo nos gritos de ordem entoados pelas ruas. Assim, a força do movimento se dá por sua própria indefinição. Não há como prever seu movimento, não há com quem negociar diretamente um acordo imediato, bem como a queixa continua aberta e flexível para poder receber sempre novos agregados.
Mas de onde vem esta insatisfação ampla? Há muito o país é chamado de gigante adormecido e, nos últimos anos, cultivou-se a fantasia de que ele teria finalmente acordado. Com a chamada ampliação da classe C, difundiu-se no imaginário social a perspectiva de finalmente fazer valer o tão antigo sonho de ascensão social individual, no qual o esforço de cada um é recompensado pelas possibilidades de acesso ao consumo e reconhecimento de direitos de cidadania (na confusão que hoje existe entre tais noções, entre cidadania e consumo, tal como nossa realidade social propõe). O sonho de um país do futuro, modelo para tantos outros países emergentes, teve seu momento de fama no imaginário brasileiro.
Porém, quando o espetáculo futebolístico internacional elege poucos privilegiados para desfrutá-lo, os preços dos alimentos básicos ameaçam o consumo das famílias desfavorecidas e o reajuste dos preços do transporte anuncia a velha e conhecida roda viva inflacionária que sobrecarrega sempre aqueles que não podem reajustar seus próprios rendimentos, a realidade se impõe como inevitável, anunciando o fim de um sonho. Mas então, o sonho acabou?
Então a rede juvenil entra em cena e a memória da experiência de ocupação (das praças e ruas, em 2012, em função da crise financeira mundial) é resgatada e potencializada. A experiência recente da participação democrática e ativa na cena pública permite a atualização de outro sonho, o sonho do jovem como agente transformador da realidade. Sonho que identifica o jovem de 2013 ao de 2012, das ocupações, mas também aos caras pintadas e aos de maio de 68, encadeando as lutas entre si e mostrando que o exercício democrático é resultante de construção histórica. Portanto, participar das manifestações, hoje, é inscrever esta geração na história do país e na história da juventude, que agora lança mão dos recursos tecnológicos que o desenvolvimento do capitalismo produziu, em favor da construção de uma rede de comunicação horizontal e plural, potente e explosiva.
Não há como negar aos jovens de hoje o papel de protagonistas do debate público e esta é uma das principais conquistas para cada um destes que participaram das manifestações, em sua história pessoal e memória coletiva. Se grupos com interesses escusos podem estar se aproveitando da oportunidade, neste momento, para tentar conduzir o processo a uma reação totalitária, contrária ao exercício democrático e de combate às desigualdades sociais, esse é o risco que a pluralidade horizontal do movimento carrega, risco este que não deve ser descartado como ameaça pungente. Será preciso maturidade política das instituições de poder de nosso país para saber fazer uso desta experiência em favor do processo democrático e do amadurecimento político da nação como um todo.
*psicanalista e professor da GV, colaborador de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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