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Wilker Cerqueira*
A comissão especial sobre o Estatuto da Família na Câmara dos Deputados, que trata do Projeto de Lei nº 6.583 de 2013, aprovou, no último dia 24, com ampla margem dos votos o texto principal que define como família a união entre homem e mulher, assim como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, excluindo os casais homoafetivos.
O debate alcançou altas proporções por afirmações como as do deputado federal Ronaldo Fonseca (PROS-DF), que disse “faz necessário diferenciar família das relações de mero afeto, convívio e mútua assistência”, continuando com “sejam essas últimas relações entre pessoas de mesmo sexo ou de sexos diferentes, havendo ou não prática sexual entre essas pessoas”. No entanto, diversas são as considerações necessárias, assim como suas contradições sociais e jurídicas, para realmente entender o texto proposto no projeto, já não é apenas a união de indivíduos de mesmo “sexo” que é afetada.
O texto constitucional prevê que a união entre um homem e uma mulher define a entidade familiar, assim como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, sendo concedida a proteção estatal. Dessa maneira, qualquer um dos genitores e seus filhos constituem uma família, mas são excluídos os avós e netos, além de diversas variações ocasionais. Outros casos também estão incluídos no entendimento de núcleo de família, como a adoção por parte de pai ou mãe homossexual, ou transexual, visto que o Estado transfere todos os direitos e deveres para o indivíduo que busca adotar e caracterizando o status de filho para a criança ou adolescente, portanto, estando dentro dos casos narrados na Constituição Federal, mesmo que ausentes os laços biológicos.
Neste mesmo sentindo estão os casos de indivíduos transexuais, o Estado reconhece o gênero correto após a transição, se adequando ao que busca o sujeito, portanto, em um possível casamento entre um homem e uma mulher transexual, também é reconhecido o status de família.
No que concerne exclusivamente aos indivíduos de mesmo gênero, já fora debatido o conceito de família no Supremo Tribunal Federal, através do julgamento que concedeu o mesmo direito de união aos pares homoafetivos, na ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132. A conclusão foi de que uma família é constituída de indivíduos hetero ou homoafetivos, desde que o desejo seja voluntário entre pessoas capazes para tanto, devendo receber proteção jurídica de relação privada. Então, é nítido o tratamento igualitário, concretizando o princípio constitucional da isonomia, afastando práticas discriminatórias e excludentes que foram tão presentes nos últimos anos. Dessa maneira, a proteção estatal concedida pela Constituição Federal foi ampliada às uniões homoafetivas, já que constituem núcleos familiares.
Mesmo com todo o entendimento jurídico da corte constitucional, o deputado federal Anderson Ferreira (PR-PE), que nitidamente é defensor da suposta família tradicional brasileira, busca o conceito arcaico de núcleo familiar, visando conceder a proteção do possível Estatuto da Família apenas para aqueles que estariam dentro do que ele acredita ser correto, ou seja, em conformidade com a noção heteroparental de família.
O ponto principal deste Projeto de Lei é uma verdadeira batalha entre dois campos extremamente distintos, de modo que um deles deixou de lado a manifestação do Supremo, favorecendo a leitura religiosa acerca do tema. Sendo, na prática, uma verdadeira aberração jurídica desde sua natureza. A partir do momento em que fora estendida a proteção do Estado às relações homocentradas e concedido o status de família, não há possibilidade de descaracterizar sua efetividade. E, mesmo que seja aprovado o projeto, será confirmada a sua inconstitucionalidade no momento correto, assim que clamado o Poder Judiciário.
Por outro lado, pelo aspecto social, a justificativa de que haveria ameaça à entidade familiar, e a desconstrução de seu conceito, apenas demonstra o real objetivo da bancada evangélica, que é de proteger os seus “iguais”, perpetuando no ódio infundado contra aqueles que se recusam a seguirem seus modos e regramentos de vida baseados em supostos valores de crença. O mais importante neste momento é afastar o desespero e pânico que o conceito de família no projeto vem causando, não por apenas estar errado, mas sim pelo valor ampliado pelo Supremo Tribunal Federal em outro momento, que se manifestará em uma possível aprovação do estatuto, quando alegarem sua inconstitucionalidade ou proporem emenda à constituição para impossibilitar o tratamento desigual, para não dizer inferior que buscam determinados grupos, sendo que todos são, antes de tudo, humanos.
* Colaborador de Diálogos do Sul – Wilker Cerqueira é ativista de Direitos Humanos, cientista jurídico e político, pesquisador pela Universidade Federal do Amazonas, ativista dos ” Advogados Sem Fronteira” e da Anistia Internacional. Dedica-se ainda às questões LGBT em especial, no que diz respeito ao suporte jurídico destes sujeitos. Escreve também sobre Direitos Humanos, Direito, Política, Sexualidade, Gênero e Teoria Queer.