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A influência dos think-tanks americanos na saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris

Foi propagado o ceticismo ambiental, desafiando as evidências científicas de problemas ambientais e a necessidade de regulamentações
Klei Medeiros e Leonardo Alexandre dos Santos

Tradução:

Uma das temáticas que vem ganhando espaço cada vez maior nas Relações Internacionais a partir do século 20 se refere à discussão ambiental, que envolve o paradigma do desenvolvimento industrial em contraposição à degradação do meio ambiente e a utilização de recursos escassos. Segundo Barros-Platiau, Varella e Schleicher (2004, p.102), houve uma “necessidade de gestão coletiva da crise ambiental, uma vez que os problemas nesta área afetam diversos Estados e vão além das fronteiras nacionais”, caracterizando assim uma relação de interdependência entre os Estados.

O Acordo de Paris – negociado em 2015 na conferência climática COP-21 – caracterizou uma forma de consciência de interdependência entre os Estados, refletindo em uma tentativa das nações de estabelecer um limite máximo de aumento da temperatura global até 2020, sendo esse limite de 1,5º (no máximo 2°) acima dos níveis pré-industriais. Todavia, tal acordo se mostra enfraquecido quando o presidente Donald Trump anuncia a retirada dos Estados Unidos em 2017, dificultando a cooperação internacional em torno da causa.

Neste contexto, como agentes que transcendem os limites fronteiriços estatais, inserem-se os think-tanks: organizações mais ágeis que a ação estatal, que possuem grandes capacidades de influência em processos decisórios. Segundo Mariana Fonseca Lima, os think-tanks “podem desempenhar diversas funções, entre elas elaborar estudos ou artigos de opinião que criem agendas e pautem o debate público” (LIMA, 2015, p.148). Isso associa-se à interdependência do conhecimento, tornando possível assim, segundo Gilpin (1989), “que cidadãos e políticos ‘vissem’ a agregação de micro ações em macro resultados”. 

A ideia de que o aquecimento global é produto final de ações antrópicas não é nova. Um dos principais teóricos a colocar o tema em pauta foi James Hansen, como testemunho ao congresso americano em 1988; todavia, desde que foi posto em debate, recebeu forte oposição de grupos conservadores lobistas como o Global Climate Coalition. Com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climática) – órgão da ONU responsável por divulgar conhecimentos relacionados a mudanças climáticas –, não foi diferente. Posteriormente, o Protocolo de Kyoto – que visava propor aos países uma redução das emissões de carbono –, acabou por sofrer pressões de diversas corporações, em especial aquelas que trabalham com combustíveis fósseis, demonstrando uma alta preocupação com a futura redução de demanda por tais bens (DUNLAP & JACQUES, 2013, p.699-700).

Foi propagado o ceticismo ambiental, desafiando as evidências científicas de problemas ambientais e a necessidade de regulamentações

Instituto FHC
Fundamental nesse processo é o trabalho de intermediários que misturam as receitas ilícitas aos fluxos financeiros e investimentos legítimos

Como estratégia, propagou-se o ceticismo ambiental, desafiando as pesquisas e evidências científicas de problemas ambientais e a necessidade de regulamentações que visam proteger a qualidade ambiental (JACQUES, 2006; JACQUES, DUNLAP & FREEMAN, 2008 apud DUNLAP & JACQUES, 2013, p.700). Atualmente, há a presença de diversos think-tanks conservadores como o CEI (Instituto Empresarial Competitivo), o Heartland Institute, o CATO Institute, o Marshall Institute, dentre outros, que negam o efeito antrópico sobre as mudanças climáticas através do ataque à ciência climática (UNION OF CONCERNED SCIENTISTS, 2012 apud DUNLAP & JACQUES, 2013, p.700-701).

Tais organizações são inspiradas pelo guarda-chuva da NIPCC (Painel Internacional Não Governamental sobre Mudanças Climáticas, liderada por Fred Singer), que visam contrapor os dados elaborados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) quanto ao impacto antropogênico no efeito das mudanças climáticas (NIPCC, 2018). O principal argumento do NIPCC se diz respeito à não-confiabilidade dos dados divulgados pelo IPCC, principalmente por sua característica governamental, que está atrelada à perseguição da agenda estatal. Além disso, alegam que o assunto “clima” é uma matéria interdisciplinar, havendo a necessidade de abarcar uma maior quantidade de experts de diversas áreas (IDSO, CARTER & SINGER, 2015, p.31).

O CATO Institute, em uma nota online, trata o Acordo de Paris como “ruim, baseado em exageros, slogans ruins e premissas desonestas”. Seu principal argumento é de que a comparação da projeção do aquecimento global com ou sem o Acordo não terão mudanças significativas, ou seja, em uma representação gráfica, as linhas iriam se sobrepor. Ademais, a questão de “impor um limite de aquecimento de no máximo 2ºC acima dos níveis pré-industriais” seria baseado em premissas arbitrárias, sem qualquer base científica que possa prover métodos de forma a medir tal temperatura. 

A publicação, além de tratar as questões científicas, trata também das questões político-ideológicas inseridas no Acordo, argumentando que a “equidade de gênero, biodiversidade, erradicação da pobreza, migrantes, pessoas com deficiência, uma ‘transição justa da força de trabalho’ e ‘criação de trabalho decente’” não deveriam estar presentes, já que tais “slogans sociais” só trariam maiores discórdias – o que deixa explícito o conservadorismo presente em tais instituições céticas quanto às políticas ambientais. Como solução, o CATO Institute propõe a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, uma vez que exige altas contribuições para a sua manutenção e seus benefícios são quase nulos – assim como foi a proposta do Protocolo de Kyoto.

Diante da atual tecnologia e das realidades econômicas, há apenas duas opções: não fazer nada e se adaptar a quaisquer mudanças no clima pelo próximo século, ou aceitar ações custosas e fúteis e se adaptar às mudanças no clima pelo próximo século. Nunca houve uma terceira opção hoje envolvendo ações custosas que impeçam a mudança climática (CATO INSTITUTE, 2017, tradução nossa).

O CEI  (Instituto Empresarial Competitivo) demonstrou desde o início da decisão sua insatisfação em relação ao Acordo de Paris, publicando em seu site oficial os futuros benefícios da retirada estadunidense, redigido por um dos presidentes do instituto: Myron Ebell. Em sua publicação, apresenta dois benefícios os quais o presidente Donald Trump deveria considerar: a redução dos custos econômicos e políticos de manter o Acordo (o que tornaria os preços do consumo de energia domesticamente mais baratos) e a diminuição da influência estrangeira em seu território (o que faria com que o país possuísse uma maior autonomia) (CEI, 2017).

Depois de sua publicação como forma de influência ao presidente, o CEI elogia a decisão final da retirada do Acordo, dizendo ser um “passo positivo” a todos os americanos, já que se livrariam de um acordo de “zero benefícios”. Segundo o site, tal decisão seria intrínseca à retomada do crescimento anual de três por cento dos Estados Unidos.

O presidente Trump manteve uma mente aberta, ouviu todos os lados e tomou a decisão apropriada. Sair do Tratado de Paris derruba as ações de Obama em torno do processo convencional da Constituição, salvaguarda a democracia americana de interferências estrangeiras, dissipa a longa sombra do Acordo sobre os setores de energia e manufatura dos EUA, filtra os esquemas de bem-estar corporativo que enriquecem interesses especiais às custas dos contribuintes e expandem o acesso à energia acessível em todo o mundo, ajudando a erradicar a pobreza tanto domesticamente quanto no exterior (CEI, 2017, tradução nossa).

Pode-se dizer que o Heartland Institute foi mais incisivo em suas recomendações, argumentando que mesmo alguns membros da equipe de Trump pensando em considerar uma reestruturação do Acordo,  não haveria como “passar batom em um porco muito feio”, já que o presidente Obama não poderia ter negociado um acordo pior para a economia do país, sendo obrigados a fazer cortes que custam trilhões de dólares ao longo do ano. Dessa forma, pelo Acordo de Paris ter um vigor de 3 anos (o que impossibilitaria Trump de quebrar com o acordo até 2019),  recomendam quebrar com o regime através da saída da UNFCCC por completo. Ao final da publicação, chamam a atenção do presidente: “Sr. Presidente, seja qual for o caminho que você escolher, por favor, mantenha sua promessa e retire os Estados Unidos do Acordo de Paris, colocando-o firmemente na lata de lixo da história – onde ele pertence” (HEARTLAND INSTITUTE, 2017, tradução nossa).

Através de seus recursos financeiros, esses think-tanks conseguem realizar a prática do lobby contra a legislação, sendo exímias suas participações nas decisões finais do poder público, conseguindo determinar a credibilidade da ciência climática (DUNLAP & JACQUES, 2013, p.701) e se mostrando impactantes na formulação da política estadunidense (STEFANIC & DELGADO, 1996 apud DUNLAP & JACQUES, 2013, p.701).

Elas empregam pessoas tanto internamente como comissionados para produzir uma grande variedade de material impresso (desde materiais opositores, resumos de políticas, artigos de revistas até livros), além de fazerem aparições na mídia, prestar testemunho ao Congresso, dar discursos e assim por diante, para promover posições conservadoras em uma ampla gama de questões políticas, incluindo as que se referem a proteção ambiental (MCCRIGHT & DUNLAP, 2000, 2003 apud DUNLAP & JACQUES, 2013, p.701, tradução nossa).

Entretanto, para que os think-tanks consigam agir e sustentar seus custos, é necessário que hajam fundos, geralmente providos por fundações conservadoras e indústrias energéticas, as quais contribuem para a institucionalização do ceticismo em relação às mudanças climáticas. Em uma pesquisa feita por Brulée (2014), diante de um leque diverso de fundações e receptores (os próprios think-tanks), é possível perceber a interação entre eles. Enquanto a Fundação dos irmãos Koch, que, entre o período de 2003 até 2010, financiaram 26,3 milhões de dólares para os receptores, a Fundação ExxonMobil (empresa multinacional de petróleo estadunidense) teve um gasto de 7,2 milhões de dólares – totalizando 6% da quantia de amostra selecionada pelo autor. Já se tratando dos receptores, a CATO institute (fundada pelos irmãos Koch) recebeu entre o período de 2003 a 2010 um quantia de 30,6 milhões de dólares, o Heartland Institute 16,7 milhões e o CEI 12,5 milhões – totalizando 10% da quantia de amostra selecionada pelo autor (BRULÉE, 2014, p.4-9).

Segundo a ONG Greenpeace, em uma publicação de 2015, as Fundações Koch, ExxonMobil, American Petroleum Institute e a Southern Institute (sendo as três últimas voltadas à indústria energética), junto de outras, doaram cerca de 1 milhão de dólar ao pesquisador Dr.Willie Soon (engenheiro espacial na Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics), que promove a negação das mudanças climáticas no congresso americano através de suas pesquisas, falhando com a ética do pesquisador por estar atrelado aos interesses das fundações mencionadas (GREENPEACE, 2015). Com isso, fica visível o funcionamento da prática do lobby e sua inflûencia sobre o congresso americano.

Além de exercerem influências no congresso, pode-se dizer que os think-tanks conseguem alcançar também a população como um todo, contribuindo para com a legitimação da incerteza do consenso científico em relação às mudanças climáticas. Em uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center em 2012, com 1511 adultos (tanto partidários republicanos e democratas, quanto independentes), tendo como pergunta “os cientistas concordam que a Terra está ficando mais quente por causa da atividade humana?”, 43% responderam “não”, enquanto 45% responderam “sim” e 12% não sabiam responder (PEW RESEARCH CENTER, 2012).

Nas escolas, segundo uma pesquisa publicada pelo The Guardian em 2016, apenas 38% de crianças estudantes estadunidenses acreditam que que as mudanças climáticas estejam atreladas à queima de combustíveis fósseis, além de que apenas 30% de professores do ensino médio e 45% de universidades acreditam que a ação humana está ligada às mudanças climáticas (THE GUARDIAN, 2016). Não obstante, segundo o jornal americano The Washington Post, o think-tank Heartland Institute teria enviado um livro intitulado “porque cientistas discordam do aquecimento global?” para cerca de 25 mil professores de ciência como tentativa de levar à reconsideração das ciências climáticas. Segundo Anne Reid, diretora do NSCE (Centro Nacional de Educação Científica), o conteúdo do livro “não é ciência, mas está vestido para parecer ciência, sua intenção é claramente confundir os professores” (THE WASHINGTON POST, 2017, tradução nossa).

Contudo, os think-tanks atuam não só no meio político norte-americano como também na sociedade como postuladores de uma nova instituição através de suas ações de ataque à ciência ambiental. Como agentes, pode-se conceber os think-tanks e suas interações através do lobby e da publicação midiática, formando assim uma instituição – ou estrutura – cética em relação à necessidade de uma preservação ambiental, resultando na influência sobre o processo de decisão do presidente. As consequências de tais medidas podem fazer com que se acentue o cenário do chamado Antropoceno: período de incisão dos efeitos antrópicos sobre a Terra, fazendo com que haja uma maior desestabilização dos ciclos biogeoquímicos e atmosféricos, o que não ocorria durante o período estável do Holoceno. (VIOLA & FRANCHINI, 2012, p.471). Levando em consideração que já estamos em um cenário antropoceno, nove limites planetários quantificados por Rockstrom (2009) podem ser agravados com a decisão do presidente Donald Trump: a mudança climática, acidificação dos oceanos, o ozônio estratosférico, o ciclo biogeoquímico do nitrogênio e do fósforo, o uso mundial de água doce, mudanças na terra, perda na diversidade biológica, poluição química e concentração de aerossóis na atmosfera (ROCKSTROM et al, 2009, p.1).

Dessa forma, a passagem do holoceno para o antropoceno (junto do papel do homem), pode ser interpretado também no que o filósofo Ulrich Beck denomina como “sociedade de risco”, que surge diante de uma alta modernização que se torna possível graças ao fenômeno da globalização. Tal sociedade de risco carrega consigo uma característica contraditória, podendo ser resumida pela ideia do ser humano sendo vítima de seu próprio desenvolvimento. O meio ambiente é um dos elementos centrais da sociedade de risco. Diante da alta modernização, junto de suas consequências – riscos ecológicos, químicos, dentre outros –,desconhecidas a longo prazo, acabam sendo irreversíveis quando descobertas, não havendo quaisquer técnicas capazes de reverter seus efeitos (GUIVANT, 2002, p.95-97). 

Como conclusão, vale destacar que as mudanças no antropoceno só se aceleram com o advento do capitalismo e da sociedade industrial, associando o dilema do desenvolvimento econômico em relação às desigualdades sociais à própria lógica mais ampla da rede de sustentação dos recursos finitos – elemento central ao capitalismo. Sendo assim, faz parte do capitalismo produzir a degradação de recursos naturais e ambientais, pois o lucro advém da escassez. A inovação tecnológica do capitalismo, entretanto, não consegue se desvencilhar do elemento integrativo dos fenômenos sociais biológicos, gerando uma competição entre Estados na própria gestão das consequências da degradação. Alguns países que se beneficiam claramente do modelo atual de desenvolvimento terão menos chance de contribuir para a mudança do paradigma de produção, deixando os custos para países emergentes. Entretanto, essa lógica parece ser conflitiva no longo prazo, visto que, se todos dependem da adaptação dos países desenvolvidos, haverá pressões internacionais e mais conflitos poderão existir.

Referências Bibliográficas

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Klei Medeiros e Leonardo Alexandre dos Santos

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