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A ligação entre Bolsonaro, o colar pra Michelle e o príncipe da Arábia Saudita em 5 pontos

“Ninguém mandaria um presente desses para a Presidência do Brasil, na mochila do assessor de um ministro”, diz ao Estadão Mauro Silva, presidente da ANFIP
Luís Nassif
GGN
São Paulo (SP)

Tradução:

Peça 1 – o episódio do colar

Não há como aceitar outra versão de que o envio do colar da Arábia Saudita foi uma operação clandestina. É impossível que tenha sido um presente oficial. Presentes oficiais passam pelas embaixadas, por formalidades públicas.

A versão do Almirante Bento Albuquerque, então Ministro de Minas e Energia, de que se tratava de um presente oficial, não tem sequer verossimilhança. Segundo seu próprio relato, recebeu duas encomendas fechadas para serem transportadas ao Brasil. E só soube do seu conteúdo após desembarcar no Aeroporto de Guarulhos.

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Desde 1965, seguindo a Convenção de Viena, o governo brasileiro reconhece a mala diplomática como veículo para transporte de documentos oficiais ou presentes de governos. Como explicou o presidente da Unafisco aos jornalistas Adriana Fernandes e André Borges, do Estadão – autores do furo –, “se quisessem trazer um presente ao governo do Brasil, tudo seria bem mais simples (…) Agora, uma pessoa que ocupa um cargo desses no governo certamente tem discernimento suficiente para saber que não pode receber qualquer coisa de uma pessoa, que desconheça o conteúdo, e traga para o Brasil.”

Segundo o Estadão, “com a apreensão das joias, o ministro volta para a área restrita do aeroporto, mesmo após ter passado pela alfândega, o que geralmente não é permitido, e faz a segunda tentativa de entrar com as joias no País. Ele alegou que era um presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro”.

Se, no desembarque, o Ministro tivesse declarado que se tratava de um presente de um governo para outro, as joias seriam tratadas como propriedade do Estado e liberadas. Mas, o Ministro não aceitou.

“Ninguém mandaria um presente desses para a Presidência do Brasil, na mochila do assessor de um ministro”, diz ao Estadão Mauro Silva, presidente da ANFIP

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Quando se mudou para Orlando, Jair Bolsonaro foi em um avião da FAB. Sabe-se lá o que foi transportado na viagem




Peça 2 – os negócios com o príncipe árabe

No início do seu governo, há dois movimentos interligados de Bolsonaro.

O primeiro, a tentativa de transformar Angra dos Reis na Cancun brasileira. Esse anúncio coincidiu com a expansão das milícias da zona oeste do Rio de Janeiro para a região de Angra. 

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Como contei no “Xadrez dos Bolsonaro e da expansão das milícias do Rio de Janeiro para Angra”, os Bolsonaro investiram bastante na ideia. Houve a inauguração, em Angra, de um posto da PRF, com a presença de Flávio Bolsonaro, já tratando os policiais rodoviários como “companheiros”.


Flávio Bolsonaro continuou investindo na ideia.

E o pai, Jair, passou a defender com insistência a redução das áreas de conservação de Angra para viabilizar a “Cancun brasileira”

O caminho para viabilizar o projeto era justamente o dinheiro saudita. E, em sua visita a Riade, em outubro de 2019, Bolsonaro jantou com príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, anunciou um investimento saudita de US$ 10 bilhões, declarou total afinidade com o príncipe (envolvido em assassinato de jornalistas).

“Eu propus ao príncipe herdeiro investimento na baía de Angra para nós a transformarmos numa Cancún. Depois de uma explanação, ele falou que está pronto para investir na baía de Angra. Mas isso passa por um projeto para revogar um decreto ambiental”, disse Bolsonaro.

Não se tem notícias nem dos desdobramentos do projeto nem dos US$ 10 bilhões prometidos. Mas criou-se a afinidade.


Peça 3 – as tentativas de recuperar o jabá

Um levantamento primoroso dos dois repórteres do Estadão mostrou todas as tentativas feitas para conseguir recuperar as joias:

Nela, mostra o envolvimento de vários ministérios na tentativa de recuperar a joia.

Mas, em nenhum momento, duvidou-se da irregularidade da transação. 

“A alegação de que seria um presente para o governo brasileiro não faz sentido nenhum, porque ninguém mandaria um presente desses para a Presidência do Brasil, na mochila do assessor de um ministro”, disse Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita, ao Estadão.

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Alguns pontos chamam a atenção. Inclusive a resistência dos auditores fiscais ao bolsonarismo.

O ex-Secretário da Receita Federal, Júlio César Vieira Gomes, que pressionou os auditores da alfândega, era diretor jurídico do Sindifisco nacional em uma gestão que apoiou Bolsonaro. Em novembro de 2021, o grupo perdeu a direção do sindicato para a atual diretoria, cujo presidente é Isac Falcão. Em novembro de 2021, eles se articularam com Flávio Bolsonaro, derrubaram o então Secretário da Receita José Tostes e colocaram Júlio César em seu lugar.

A aposta do grupo é que eles iriam recuperar espaço no Sindifisco e dar a volta por cima se conseguissem convencer o Bolsonaro à regulamentar a lei que instituiu o bônus de eficiência para os Fiscais em 2017, e está pendente de um decreto do presidente.  Ocorre que o bônus de eficiência tinha oposição do empresariado ligado a Bolsonaro e acabou não saindo. Durante um ano Bolsonaro manobrou a questão exigindo entregas de Júlio.

Uma das entregas foi o caso do chefe de inteligência, Ricardo Feitosa, que passou a investigar adversários de Bolsonaro – e, atualmente, está sendo investigado pela corregedoria. Outra entrega foi colocar na corregedoria alguém de confiança dos Bolsonaro, no caso João José Tafner.

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Depois, pressionar Tafner para arquivar a sindicância de Feitosa. Na última hora, vendo a gravidade dos crimes cometidos, Tafner recuou e não arquivou o caso. Agora, está na mesa do Ministro da Fazenda Fernando Haddad a proposta de demissão de Feitosa.

O último feito de Júlio César foi pressionar a alfândega de Guarulhos para liberar as joias. Segundo o Estadão, o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira foi em avião da FAB até Guarulhos e tentou convencer o auditor Marco Antonio Lopes Santana e ouvir, pelo celular, o Secretário Júlio César. Santana não aceitou.


Peça 4 – os suspeitos

Há várias hipóteses para a tentativa de suborno saudita.

Ex-Ministro de Minas e Energia, o Almirante Bento Albuquerque teve uma carreira brilhante na Marinha. Foi da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha e Diretor-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha do Brasil. Depois, teve papel central no Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) e comandou a Força de Submarinos.

Imaginava-se que, com tal currículo, tivesse noção clara sobre segurança nacional e a defendesse das negociatas que passaram a controlar o governo desde a chegada de Michel Temer.

Até agora, é o personagem com maior número de evidências contra ele. Ou foi intermediário da joia que era para os Bolsonaro, ou ele mesmo seria o beneficiário do presente.

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Na véspera da viagem de volta ao Brasil, o ex-Ministro manteve reunião com governo e empresários da Arábia Saudita. As dúvidas que permanecem:

1. O presente foi do governo ou de algum empresário saudita? Até gora não houve manifestação do governo da Arábia Saudita.

2. Bolsonaro sustenta não ter mandado nenhum emissário a Guarulhos em avião da FAB. O militar incumbido do trabalho era da Marinha, área de influência de Bento Albuquerque, não do Exército. Mas, no aeroporto, insistia para que o auditor conversasse com o “coronel”.  E o Portal da Transparência registrou que a ida a Guarulhos foi por ordem de Jair Bolsonaro.

3. A comitiva de Bento transportou dois pacotes: o que ficou na alfândega e um segundo, que só foi devolvido um ano depois. A alegação de Bento era que “esqueceu-se” do pacote.

4. Soltou versões conflitantes. A primeira foi a de que recebeu pacotes fechados e não sabia o que havia dentro deles. A segunda, é que, parado na alfândega, declarou que eram presentes para a primeira dama.

5. Bolsonaro afirma não saber nada do episódio mas, ao mesmo tempo, admite que era presente do governo da Arábia Saudita e que seriam incorporados ao patrimônio público da Presidência. A Receita Federal desmentiu a versão, mostrando que em nenhum momento houve tentativa de enquadrar o presente nessa modalidade.

De qualquer modo é curioso que Flávio Bolsonaro tenha levantado o álibi de que, se quisesse cometer alguma irregularidade, bastaria ao Almirante Bento ter solicitado um avião da FAB, que não haveria a necessidade de passar pela alfândega.

Quando se mudou para Orlando, Jair Bolsonaro foi em um avião da FAB. Sabe-se lá o que foi transportado na viagem.


Peça 5 – a viagem de Eduardo Bolsonaro

No dia 15 de junho de 2022, o deputado federal Eduardo Bolsonaro apresentou um Relatório de Viagem à Samara de Deputados, referente a uma missão comercial aos países árabes e leste europeu entre 18 de maio e 6 de junho. A viagem foi em missão da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

No dia 1º de junho, Eduardo encontrou-se com o Ministro de Investimentos da Arábia Saudita, Khalid AlFalih. Segundo o relatório,

“Conversaram sobre o Encontro MBS G-20, food security (Embrapa), privatização da Petrobras, diesel e gás, sustentabilidade, entre outros assuntos (…) Durante almoço com o Ministro de Investimentos, Khalid AlFalih, o Deputado Eduardo Bolsonaro fez uma ligação de viva voz para tratar da questão do Diesel. O Almirante Rocha conectou os atores técnicos”.

Almirante Rocha tem estreita ligação com o Almirante Bento Albuquerque, e é figura central no projeto do Prosub.

Luis Nassif | Editor do Jornal GGN


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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