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A Máfia não desapareceu no Peru

Gustavo Espinoza M.

Tradução:

 

Em meados do ano passado, abordando pela primeira vez o tema das eleições cujo desenlace vimos ontem, dissemos que a tarefa do movimento popular era derrotar a máfia, impedir seu retorno ao poder. E a definimos como a soma de duas força: o fujimorismo e o restolho aliancista da Apra.

Gustavo Espinoza M.*
Gustavo Espinoza M. 03Mais adiante precisamos que o que se pretendia era colocar o eleitorado diante de uma sinistra alternativa: escolher, finalmente, entre Keiko Fujimori e Alan García. Para evitar tal dilema propusemos que era necessário eliminar Garcia no primeiro turno e cerrar filas contra Keiko para derrota-la no segundo. Graças ao instinto do povo, ambos os objetivos foram alcançados.
Diferentes interpretações estão sendo publicadas depois que se conheceu o resultado das eleições de domingo. O campo vitorioso, integrado pela soma das forças que consagrou a derrota da máfia, reage com compreensível alegria e algumas desconfiança. A primeira, pelo triunfo em si, que muitos acreditavam impossível. A segunda pela visão de futuro, pela louvável intenção de olhar pra frente. Vale abordar as duas coisas.
A vitória de Pedro Pablo Kucyznski não foi fácil nem folgada Foi resultado de um processo complexo e contraditório, com incompreensões razoáveis e dificuldades concretas. Porém, ocorreu porque estava inscrita nas urgentes necessidades de um país lacerado pela violência e pelas iniquidades de um convulso período da vida nacional. Há que analisar os fatos e extrair deles as lições que nos compete a todos.
A confluência de forças que somaram para derrotar o bastião fujimorista não foi casual. Nem tampouco produto de um capricho. Nem seguir só de uma vontade política. Foi a imperiosa necessidade de bloquear o narco Estado e abrir passo a um processo de recuperação nacional. Agora, deve-se estar conscientes de que, apesar da vitória, que é um passo de excepcional importância, não se afastou o perigo, está aí a gerar ameaças.
Há os que, por exemplo, aludindo à estreita margem de diferença registrada, aludem à “divisão do país” e aspiram pela “unidade nacional”. Essas vozes se escutam tanto nas hostes keikistas como entre assessores de PPK. Parece que a partir daí se gesta uma “super convivência” que “apague os rancores” e “cicatrize as feridas”. Raúl Vargas personifica essa mensagem.
Os que a propõem sonham com um gabinete de “concertação”  e com um governo que inclua “as duas forças em campo”. Asseguram que, como cada uma das forças tem 50% dos votos, esse governo representaria 100% dos peruanos votantes.
A formulação parte de uma base falsa: o país não está unido nem poderia estar. Não só porque subsistem os abismos sociais inerentes a uma sociedade fundada na exploração humana, como também porque existe uma Máfia empenhada em aviltar a vida nacional. Ainda que essa força não tenha alcançado uma vitória eleitoral, ela se mantem como uma ameaça contra o povo.
Enquanto não se aclarem as acusações contra os personagens questionados em torno da candidata da Fuerza Popular, não cabe qualquer aproximação. Não se pode negociar com narcotraficantes, nem com os que contratam capangas e provocadores para enfrentar os trabalhadores, nem com os que protegem e apoiam às Máfias. Fazê-lo equivaleria a aviltar ainda mais a política.
E tampouco cabe falar em “reconciliação”, enquanto não houver verdade nem justiça. Para que os encarcerados saiam das prisões, seria indispensável, em primeiro lugar, que cumpram suas penas; mas que além disso, que digam a verdade sobre seus crimes. Devem dizer onde estão os desaparecidos, onde foram enterrados os assassinados; quem são  os autores desses horrendos delitos e os que ordenaram sua execução.
Além disse, devem devolver os dinheiros roubados, as contas secretas, os depósitos não registrados, os bens acumulados a revelia da lei. E devem regressar os foragidos da justiça os que se foram para não mostrar a cara.
Adicionalmente, deve-se desmantelar a estrutura mafiosa em todas suas instâncias e extremos: o Grupo Colina e os esquadrões da morte que hoje operam como capangas; as lojas de militares retirados, e identificar as redes do narcotráfico, os facilitadores de armas que agora mesmo servem para a delinquência.
Enquanto subsistam aparatos clandestinos dedicados ao crime e ao sujo negócio da droga; enquanto o poder político se empenhe em “blindar” os truões que se mantém como altos funcionários ou como congressistas; não há lugar para nenhuma reconciliação. O povo não pode estender as mãos para seus verdugos.
A grande imprensa afirma que “um acordo” é indispensável para o governo de PPK. Claro que sim, porém, que tipo de acordo? Com quem? Isso é o que devemos todos perguntar. Acordar uma política comum com a Máfia para proteger seus delitos, preservar seus bens? Pactuar compromissos para consagrar a impunidade? Buscar entendimentos com os que utilizam o poder para desprezar a sociedade e aviltar a vida dos peruanos? Martha Moyano, de Villa El Salvador, acaba de advertir que de se favorecer os crimes cometidos se incrementa a “sensação de insegurança”.
Há que ter plena consciência da realidade. Saber que os que ganharam  uma eleição não derrotaram nem debilitaram a ninguém. Que o inimigo repudiado pelo povo nas memoráveis jornadas de 5 de abril e 31 de maio está mais vivo que nunca e que ainda tem plena capacidade de ação. Se não é assim, está plenamente justificada a soma de forças que derrotou Keiko.
A estratégia da direita mais reacionária é hoje muito simples: conseguir fazer o que não fez na campanha porque preferiu cortejar a Keiko:  encurralar a Kuczynski e apoderar-se dele para convertê-lo em títere. Se a esquerda parte, desde hoje, da ideia de que PPK é um instrumento do neo liberalismo e, portanto, deve ser combatido, estará facilitando o trabalho ao inimigo. Porque, Kuczynski, acossado pelo flanco esquerdo, inevitavelmente se apoiará na Fuerza Popular.
O governo de PPK não será “um governo débil” como diz a direita, por sua própria condição. Será débil si se entregar, si capitular, si se dobrar à Máfia. Porém poderá ser forte se honrar o povo que o elege e se decidir travar a batalha que a realidade exige.
Portanto, há que considerar um fato: Jaime Antezana, o mais qualificado especialista na luta anti droga, alertou que o novo Congresso elegeu 21 parlamentares com processos pendentes na justiça. Pois bem. Há que exigir que, como primeira medida, o congresso não incorpore esses 21 eleitos, e se o fizer, que se lhes retire a imunidade para que sejam investigados como corresponde. Ai se verá sim como os 73 parlamentares fujimoristas vão blindá-los ou não.
Como essas, há que sacar iniciativas constantes, e luta permanente, para colocar sempre a Máfia contra a parede. E que há realizar trabalho intenso de reeducação política em todas as regiões em que o fujimorismo conseguiu votação expressiva. Nessa matéria não se pode dar trégua nem ter descanso.
Em suma, a luta não terminou neste 5 de junho. Começa de novo, só que em novas condições.
 
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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