Meus amigos, minhas amigas, minhas leitoras, meus leitores, companheiras, companheiros: numa segunda-feira em que eu teria todos os motivos para escrever os versos mais tristes (como, aliás, tem sido a experiência de todos democratas do Brasil sob o atual governo fascista), eis que recebo a notícia da entrevista de Peter Lownds a Eric A. Gordon, no People’s World.
Esclareço desde já: o tradutor Peter Lownds é escritor, poeta, ator (trabalhou em Kramer versus Kramer, por exemplo), amigo de juventude de Jack Kerouac. E uma pessoa de simpatia a toda prova, até de mim. Eric A. Gordon é escritor, editor, militante e camarada, tradutor de nove livros de ficção de Álvaro Cunhal, que publicava romances sob o pseudônimo de Manuel Tiago. E como se não bastassem tais referências, Eric A. Gordon foi a pessoa que tornou possível a publicação do meu romance na International Publishers.
Na entrevista que ele faz com Peter Lownds, recorto os trechos que falam direto de “A mais longa duração da juventude”. A seguir.
A International Publishers acaba de lançar Never-Ending Youth, um recente romance do escritor nordestino Urariano Mota, na tradução de Peter Lownds.
People’s World sentou-se com Peter Lownds para explorar como e por que ele se envolveu com este projeto.
Peter: Urariano Mota escreve sobre a ditadura em Never-Ending Youth. Uma das coisas que me atrai para o romance é que o autor fala de suas raízes, da perda de sua mãe na infância, de sua bebida, de sua ascendência mestiça, de sua sobrevivência em um trabalho humilhante, ajudando camaradas que corriam perigo, que dependiam dele para comer e abrigo.
Urariano, como muitas pessoas do Nordeste do Brasil, é uma fascinante mistura de dureza e ternura. Essa mistura permeia sua prosa. A fome, os tempos difíceis, mas acima de tudo, a aceitação dos caprichos e paixões de outras pessoas como expressão de sua humanidade, particularmente sob pressão. A Camaradagem foi além da política de lealdade partidária em Pernambuco, durante os anos de guerra civil não declarada, mas real, e de luta clandestina sobre a qual Urariano Mota escreve. Em nenhum lugar isso foi mais evidente do que nos mocambos, nas favelas que cercam o Recife e Olinda. Essa foi a minha introdução biográfica à violência da vida cotidiana no Brasil.
As pessoas que comprarem o Never-Ending Youth terão uma noção da serendipidade, a descoberta inesperada e feliz de nossa colaboração, em teu ensaio prefácio, Eric, na tua capacidade como meu editor do People’s World, e como revisor deste livro, e também do ensaio de José Carlos Ruy e meu prefácio. O autor, Urariano Mota, me enviou um PDF de seu romance em um momento em que a COVID-19 mundial “abrigava”, tinha entrado em vigor e as vacinas ainda não estavam disponíveis. Tinha quase 300 páginas e pensei para mim mesmo: “Esta será uma boa maneira de passar as horas”.
Mas havia outra atração, ainda mais forte – o mundo que ele estava descrevendo era um mundo de que eu me lembrava e com o qual me importava. Minha visita do Corpo da Paz no Recife e Olinda terminou em 1968, e eu voltei para visitar as cidades em 1969, ano em que o romance começa com o encontro de dois amigos em frente a um ponto de referência do Recife que eu frequentava, o Cinema São Luiz, especialmente pelas manhãs dos sábados, quando eram exibidos filmes franceses da Nouvelle Vague e italianos. Como isso acabou, o mesmo aconteceu com Urariano. Essa foi apenas uma da série de circunstâncias que me atraíram para o Never-Ending Youth. Outras eram o fato de que o autor era um homem mais velho olhando para sua vida, um poeta e fã de jazz que tinha tido uma infância traumática. Todas essas coisas que compartilhamos, apesar do fato de nunca termos nos conhecido nem ouvido falar um do outro. Você vê o que quero dizer com serendipidade.
Foto: Jorge Vismara, no site People´s World
Tradutor Peter Lownds e a versão em inglês Never-Ending Youth
Eu ainda não conheci Urariano. Nunca conversamos por telefone ou mesmo com o Skype. Mantemo-nos em contato por e-mail. Enviei-lhe capítulos do meu trabalho em andamento e ele parecia geralmente satisfeito com eles. O trabalho de um tradutor varia de livro para livro. Com o Never-Ending Youth, eu na verdade aprendi muito com você, Eric, pois você revisou várias provas do livro.
Eric: Fiquei feliz em ajudar você e a International Publishers, neste livro. A propósito, só para ser claro, também peço ajuda para o meu trabalho. É sempre bom ter outros olhos em seu trabalho para torná-lo mais forte.
Peter: Os personagens de Urariano são comunistas jovens. São membros de grupos de estudantes que se encontram e formam células clandestinas onde são doutrinados com resumos mimeografados das teorias de Marx, Lênin e Mao Tsé-Tung. Alguns deles foram ou estão em perigo de serem “expulsos” da vida como terroristas urbanos. É o caso do novo amigo do narrador, Luiz do Carmo, e outro militante, Vargas, que tem uma esposa grávida e parece pronto para o martírio pela causa.
Vargas foge de um famigerado agente duplo e sucumbe à caça às bruxas. O mesmo se aplica a Soledad Barrett, uma beleza paraguaia de ascendência anarquista que treinou guerrilha no tempo de Fidel e Che em Cuba, e vem ao Recife para ser surpreendida e conhecer o seu terrível destino. O romance está cheio de agitação e incidentes. Os jovens entram e saem do amor, obcecados por sexo, percebem que são sonhadores sem armas ou uma ideologia convincente e cuidar de suas vidas. Eles ficam deprimidos, famintos por comida e reconhecimento, vão ao cinema, leem livros, discutem sobre música e escrevem poesia. Eu conheci pessoas assim no Recife.
Eric: Isso parece tão semelhante às minhas próprias experiências no movimento estudantil antiguerra, antisserviço militar obrigatório nos Estados Unidos, ao mesmo tempo, sob o regime de Nixon. Acredite, no livro eu me reconheci a mim mesmo e ao meu próprio círculo de camaradas e amigos na inexperiência e confusão; e na deriva ideológica daqueles anos.
Peter: As mesmas coisas estavam acontecendo em muitos lugares ao redor do mundo naquela época. Em 1969-70, dei aulas na Escola Americana do Rio, e as coisas tinham mudado. Ninguém fora da comunidade americana falava comigo porque eu tinha toda aparência de um agente da CIA – “branco, masculino e Yale!”. Traduzir Never-Ending Youth me deu a oportunidade de conhecer e me envolver com meus semelhantes revolucionários todos esses anos mais tarde. Eu tive o prazer dessa experiência, mais do que posso realmente expressar em palavras. Eu creio que os leitores do livro sentirão o mesmo, e muitos por suas próprias razões subjetivas.
Eric: Obrigado, Peter. Acredito que os leitores terão uma ideia muito melhor do que esperam, quando envolverem com suas mãos este novo lançamento da International Publishers.
Urariano Mota | Portal Vermelho
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