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A morte de um lago e de uma cultura milenar

João Baptista Pimentel Neto

Tradução:

Lago Poopó em LlapallapaniMudanças climáticas e o uso inadequado dos recursos matam um lago e destrói cultura milenar na Bolívia

Valter Tesch*

 

  • O Lago Poopó em Llapallapani esta à 3.700 metros de altitude  no altiplano boliviano. Ele morreu e suprimiu a base da identidade do povo Uro-Murato que ali vivia a milênios. Os Uros já tinham passado por mudanças ao mudar das ilhas de junco para a orla. Resistiram com sua identidade ao Império Inca, se adaptaram ao espanhol, mas foram derrotados por um tipo de organização social e econômica coadjuvada pelos efeitos do clima- secas, assoreamento e a evaporação pelo aumento do calor em 0,23ºC a cada década desde 1985 – e o uso inadequado dos recursos naturais terminou por desarticular um nicho ecológico cultural.

 

  • Esta desarticulação social, econômica e cultural provocou um trauma coletivo sócio-cultural evidente. Os Uros viram milhares de peixes e outros animais ligados da sua cadeia existencial sofrer uma catástrofe ecológica no curto espaço de tempo. O Povo do Lago como eram conhecidos, perdeu suas referencias sociais e de identidade incrementando o numero de refugiados climáticos. Foram buscar meios de subsistência com biscates, nas minas de carvão, chumbo e salinas. Em Llapallapani ficaram seus 636 parentes. Muitos Uros adotaram o nome de um peixe do lago, o Mauri, se identificavam com o nome de Mauri ou Mauricio, agora se esquecerão das raízes do próprio nome.

 

  • O Lago ditava o ritmo da vida, com chegada dos espanhóis e do catolicismo adotaram como padroeiro São Pedro, o santo pescador. Em setembro de cada ano faziam a festa do padroeiro junto ao Lago, com oferendas de peixe, que farão agora sem Lago e sem peixe?Todos os anos a pesca do Karach (uma espécie de sardinha de mais de meio metro) estava rodeada de rituais, geralmente o pescador, mulher e filhos ficavam morando nos barcos por vários dias. Toda temporada começava com o ritual denominado “recordação”, dezenas de pescadores passavam a noite tomando aguardente e mascando coca, ali pediam segurança, pouco vento e pouca chuva. Ao raiar do dia embarcavam oferecendo doces ao Lago e partiam para a pesca.

 

  • Esta cadeia de eventos era o eixo da vida, parte da cultura que soldava a coesão psíquica, sócio cultural daquela comunidade. Desde criança os Uros aprendiam como viver no ecossistema do lago. Ao ver os pássaros pretos aparecerem sabia que lá estavam os peixes, conheciam os três tipos de ventos que assolava o altiplano e o Lago, os que prejudicavam ou agradavam. O temido Sacauri um vento que vinha do norte era perigo a vista, provocava ondas que podiam afundar os barcos. Usavam as algas Huirahuirá para aliviar a tosse. Os Flamingos eram sua “farmácia”, com a gordura rosada aliviavam o reumatismo, com as penas queimadas e inaladas combatiam a febre. O ritmo da vida era pautado pelo Lago, era em abril a festa da captura dos Flamingos quando perdiam as penas e não podiam mais voar. Agora não existem mais Flamingos.

 

  • Os Uros sempre escutaram que o Lago. A 3.700 metros, com poucas contribuições e glaciais com menos neve a cada inverno tenderia a desaparecer, pensavam que isto seria em séculos e não em uma catástrofe imediata. Claro! Ficaram tinham percebido os sinais quando a  Quinua se tornou produto de exportação e para sua produção desviaram fontes de água que alimentavam o Poopó, também viram que sedimentos de mineração provocava assoreamento, sabiam que a temperatura no altiplano tinha aumentado 0.9º C de 1995 a 2005. Mas a catástrofe veio no verão de 2004 quandosentiramno ar um fedor insuportável se espalhando era do podre de milhares de toneladas de peixes mortos. O Poopó bastante assoreado tinha baixado nível, um vento Saucari soprou forte do norte remexendo os sedimentos do lago e os peixes asfixiados não conseguiram sobreviver. A morte dos peixes foi o primeiro evento da cadeia de desastres, a seca aumentou, a fana e os Flamingos morreram, os patos não voltaram. Hoje os Uros-Muratos sofrem uma diáspora climática, contam recordações e choram. Alguns “vendem suas memorias” nas feiras na forma de artesanatos, chapéus, cestos, pulseiras e barquinhos que não voltarão nunca mais a navegar no Lago Poopó. O Sapiens não vive só, a catástrofe do Poopó é lição sobre nossa vulnerabilidade.

 
NOTA: Vários lagos como o Poopó estão desaparecendo, entre eles, o Mar Aral destruído pela política agrícola da antiga União Soviética, o Mono e o Mar de Salton estão encolhendo na Califórnia, quase todos com boa contribuição da nossa egoísta espécie Sapiens Esta nota esta baseada no artigo de Nicholas Casey publicada no NYT em 23/07/2016.
*Colaborador de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

João Baptista Pimentel Neto Jornalista e editor da Diálogos Do Sul.

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