A principal façanha política do campo conservador é fazer a militância de esquerda pensar com a cabeça da direita. Assim, as críticas contra a campanha de Fernando Haddad giram em torno de temas pré-definidos pela própria direita, como a “dependência de Lula”, “corrupção”, “inexperiência”, “extremismo”, “Venezuela”.
A influência é tamanha a ponto de fazer o eleitor progressista ignorar o desprezo e os ataques da direita para endossar críticas de forma descontextualizada e legitimar estereótipos plantados maliciosamente pelos conservadores.
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Ciro Gomes Marina Silva | Fotos: Agência Brasil
Só esse fenômeno, por exemplo, é capaz de fazer a Venezuela se tornar essencial na disputa brasileira. Veja: a Argentina neoliberal quebrou, tem 1/3 de pobres. Mas a direita omite a penúria dos hermanos e manda a esquerda se preocupar com a Venezuela. E os progressistas obedecem.
O PT passou 14 anos no poder e nunca deu sinais antidemocráticos. Mas a direita consegue fazer o eleitorado temer – a despeito da história -uma “venezuelização” (nunca “argentinização”) do país com o partido no governo. Atenta contra o bom senso.
Autocrítica. Nenhum partido – nem mesmo o campeão de corrupção PP, ao qual pertenceu Bolsonaro – fez qualquer tipo de autoanálise. Nenhum, e não são cobrados. O PSDB, atolado nas delações e protegido pela Justiça, deita e rola a falar dos outros. Mas a direita faz o eleitorado criticar o PT por não “admitir erros”.
Alianças. O PT é detonado, até por colegas do campo progressista, por se juntar com personagens conservadores, como Renan Calheiros. Mas a crítica é seletiva. No Rio Grande do Norte, Ciro pediu voto para Agripino Maia (DEM) e, no Ceará, o irmão dele está na chapa de Eunício de Oliveira com os petistas. Não é contraditório? Sim, mas ruim é o PT.
Dependência. Lula é, hoje, o maior estadista vivo do planeta, referendado por líderes e pensadores renomados. Acaba de receber visita e solidariedade de Noam Chomsky, intelectual dos mais prestigiados do mundo. Mas a direita distorce e criminaliza o benefício da influência do ex-presidente e seduz a esquerda a endossar o silêncio e a censura impostos ao petista.
Escrevi dois textos antes sobre como o campo conservador moveria as peças de forma sorrateira para silenciar (bit.ly/2RkaiL7) – literalmente ou através da demonização do discurso – e promover a briga entre os progressistas com objetivo de fortalecer as forças reacionárias (bit.ly/2Qwrgpj). Não deu outra.
Ciro Gomes e Marina Silva desferem ataques incessantes aos petistas enquanto caem nas pesquisas e subsidiam o crescimento da candidatura Bolsonaro, sustentada justamente à base de ódio ao partido. E, em vez de tentar atrair os eleitores do adversário identificados com a questão da autoridade, clamam por voto útil contra o PT.
A sedução conservadora é sutil, eficaz e quase imperceptível. Está no sobe e desce das manchetes, na escolha das palavras nos títulos e, sobretudo, no jogo de destaque e omissões nas matérias.
Salienta-se, por exemplo, o “voto ignorante” em Haddad no Nordeste e esconde-se a predileção por Tiririca no Sudeste para vilanizar a região favorável ao petismo. Minimiza-se a romaria de líderes mundiais à prisão onde está Lula e a importância de movimentos como o #elenão – no dia seguinte à maior manifestação democrática já feita por mulheres no país, a manchete da Folha de SP era um cozidão de denúncias contra o núcleo da campanha de Haddad.
A adesão à fúria anti petista, não raro, impede até a contundência da crítica ao fascismo. O jornalista e professor da UFRJ, Paulo Roberto Pires identificou no fenômeno o “intelectual adversativo”, aquele incapaz de condenar Bolsonaro sem relativizar (glo.bo/2RlUS9x).
“Não é raro que, usando a desonestidade como método, conclua que bolsonaristas e lulistas são faces da mesma moeda. Não são”, diz. “Vivemos cercados de intelectuais e comentaristas adversativos, que arrematam cada frase com um ‘mas’ providencial. A direita hidrófoba é inaceitável, mas a esquerda radical não fica atrás; o governo Temer é uma calamidade, mas foi engendrado pelo PT”, acrescenta.
A esquerda tem candidatos extremamente qualificados na corrida eleitoral. Ciro Gomes pensa e explica o Brasil como poucos e carrega bagagem invejável.
Guilherme Boulos é uma inegável força dos movimentos sociais, com garra e adensamento intelectual impactantes. Marina Silva, embora perdida em divagações direitistas, está no campo da defesa do progressismo.
Mas, enquanto tratarem a coisa pública sob a ótica definida pelo perfil conservador, serão meros agentes da dissolução da esquerda e alimentarão a sanha fascista sedenta de ódio.
O Brasil precisa se livrar, sim, da polarização. Da polarização instituída pela direita. E pensar, definitivamente, fora da caixa. Da caixa criada pela direita.