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"A nova nação que está nascendo terá que enfrentar quatro séculos de desigualdades"

A onda sem precedentes de protestos por justiça racial está levando a opinião pública a debater sobre o racismo estrutural, sistêmico e até institucional nos EUA
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

O sismo social que continua sacudindo os Estados Unidos com centenas de milhares de manifestantes em mais de 2 mil cidades com o grito de “não posso respirar” ao longo das últimas três semanas tem transformado o debate nacional, provocado reformas iniciais e está por inventar seu futuro – e talvez o deste país. 

A cúpula política e seus intelectuais apostam que esses protestos também passarão e oferecem o convite aos manifestantes para que se portem bem e regressem a participar pelos canais institucionais, sobretudo neste ano eleitoral.

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Porém, todos estão assombrados pelas dimensões desse levantamento cívico, que está abordando não apenas a violência do aparato de “segurança pública”, mas também seus vínculos com a violência da injustiça econômica e política neste país. 

A onda sem precedentes de protestos por justiça racial está levando a opinião pública a debater sobre o racismo estrutural, sistêmico e até institucional nos EUA

Twitter / Reprodução
Se constroem ou se reconstroem laços entre os afro-estadunidenses e latinos, e outras minorias por todo o país

Momento único

Isso é perigoso para os administradores e donos deste sistema. É justamente o que levou Martin Luther King, as Panteras Negras, Malcolm X (como seus antecessores ao longo da história estadunidense) serem perseguidos e castigados como “ameaças” à segurança nacional do país. 

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Uma dessas lideranças perseguidas e encarceradas há quase meio século foi Angela Davis. Em uma entrevista recente para Democracy Now a veterana de lutas pelos direitos humanos comentou que este é “um momento extraordinário, nunca experimentei algo com as condições que estamos vendo, a conjuntura com a pandemia da Covid-19 e o reconhecimento do racismo sistêmico… Tenho dito frequentemente que nós nunca sabemos quando as condições podem dar lugar a uma conjuntura como a atual que rapidamente muda a consciência popular e de repente nos permite proceder na direção da mudança radical”.

“A onda sem precedentes de protestos pela justiça racial… está levando de maneira radical a opinião pública a falar sobre a necessidade de abordar a racismo sistêmico… Mas a nova nação que está nascendo em nossas ruas têm que enfrentar quatro séculos de desigualdade sistêmica”, advertem os líderes da Campanha dos Povos Pobres, o reverendo William Barber e a reverenda Liz Theoharis.

Unidade inédita

Muitos veteranos de lutas sociais e os que os estudam assinalam que uma razão pela qual este movimento é diferente de outros é o caráter multirracial, multi-geracional e de diversidade de setores sociais – o que é visível todos os dias nas ruas. 

Por exemplo, na próxima semana o lendário sindicato progressista de estivadores da costa oeste, o ILWU, fechará 29 portos da costa oeste em solidariedade com os manifestantes pela justiça racial. O dirigente do sindicato nacional siderúrgico, os Steelworkers, Tom Conway declarou que a “brutalidade policial e as disparidades econômicas são só dois dos sintomas do racismo sistêmico que se vertem sobre todas as áreas da vida – e é essa opressão que os manifestantes desejam derrocar”.

Enfermeiras e outros trabalhadores da saúde, estudantes e religiosos, jovens e veteranos de lutas se encontram nas ruas. Canções do grande movimento de direitos civis dos anos sessenta são entoadas com novos ritmos, e se misturam com o rock furioso dos noventa e com o hip hop de agora. 

Ao mesmo tempo, se constroem ou se reconstroem laços entre os afro-estadunidenses e latinos, e outras minorias por todo o país. O deputado federal Jesus Chuy Garcia, de Chicago, afirmou que a pandemia e os protestos “tornaram mais evidente que nossas comunidades devem estar unidas para lutar contra a injustiça social, econômica e racial”.  

Assombra e assusta as cúpulas que dois terços (67%) dos estadunidenses expressam apoio para o movimento e ao seu slogan “as vidas negras valem” (pesquisa de Pew Research Center), e que nesse momento é uma expressão horizontal e descentralizada (ou seja, não há forma de tentar submeter sua liderança, porque ela não existe). Por eles respira a esperança neste país.

David Brooks, Correspondente de La Jornada em Nova York

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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