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O processo de paz na Colômbia, apesar de ter sido amplamente festejado em todo o mundo, está longe de ser concretizado. Tanto é que afirmo aqui que agora se inicia a fase mais difícil. Depois de quase 60 anos de conflito, mais de sete milhões de vítimas e três anos de negociação entre o governo de Santos e as FARC-EP, o acertadíssimo Acordo de Cessar-fogo Bilateral pode ser impedido de ir além do desarme das trincheiras. Falta inda uma angustiante série de etapas que podem dificultar ou impedir o início do fim da guerra
Amauri Chamorro*.
Entre todas essas etapas, a que realmente preocupa é que a aprovação do Acordo Final deverá ser referendada pela população colombiana. A primeira vista pareceria um processo normal, já que Colômbia parece ser um estado de direito e não ha nada mais democrático que o povo decidindo sobre sua história. A verdade é que realmente se apresenta como contraditório que a paz em si tenha que ser votada para que seja aceita. A paz deveria estar acima de qualquer acordo legal, marco jurídico e direito internacional. No caso colombiano, a Corte Constitucional definirá de que maneira será legitimado o acordo entre ambos –quase que ex inimigos-. Realmente, parece-me inumano pensar que a guerra seja uma opção eleitoral. Mais ainda na Colômbia, país que vive uma democracia fictícia, que tem impedido de todas as maneiras que a esquerda possa exercer um mandato constitucional. Basta com só lembrar alguns exemplos: o genocídio contra a União Patriótica nos anos 1980 –mataram a praticamente todos seus sete mil membros-, as inabilitações jurídicas de líderes de esquerda como Piedad Córdoba e Gustavo Petro, os assassinatos de candidatos presidenciais como Jorge Eliécer Gaitán, Carlos Galán e Carlos Pizarro, todos eles com possibilidade de chegar à presidência. Nessa democracia de brinquedo, a Paz deverá vencer.
Em curtas palavras, o retorno à guerra entre o governo e a FARC-EP se transformará em uma opção eleitoral, assim como decidir que será o vereador de uma cidade, ou o senador de um estado. Para quem trabalha com comunicação política e participou de campanhas, sabe que um erro pode fazer com que perca uma eleição e um dos candidatos terá que disputar novamente depois de um longo período. Neste caso, o candidato é a paz. Ou seja, se ela perde, as e os colombianos voltarão à guerra civil. Parece-me impensável que a guerra e a paz disputem uma eleição na Colômbia. E a realidade fica pior se a analisamos a partir das últimas eleições municipais, nas quais o desempenho da esquerda, partidária da paz, foi um completo desastre.
A paz estará a mercê de orçamentos, pesquisas, sondagens, estudos de opinião, estratégias comunicacionais, táticas de campanhas, spots, jingles, layouts e mobilizações nas redes sociais. O conflito armado na Colômbia teve início a partir da recalcitrante direita do país, a mesma que até o presente detêm quase toda a terra produtiva do país. Apenas 0,7% da população é proprietária da metade das terras colombiana. Muitos desses hectares foram roubados às populações mais pobres do país através de massacres. Essa é a gêneses do conflito armado. Agora, depois da firma do Cessar-fogo Bilateral, os pobres, afros, indígenas, camponeses, desalojados e vítimas desse conflito deverão disputar uma eleição contra a máquina eleitoral milionária e triunfante de seus algozes.
A principal preocupação é a fragilidade do sistema eleitoral colombiano. Dados da Contadoria Nacional do Estado Civil, mostram que este país tem o mais alto nível de abstencionismo da América Latina, e isso tem sido uma tendência história que oscila entre o 40% e 60% desde 1978 até o presente. Isso se deve a que o voto é voluntário, porém, mais que esta óbvia razão, ha que mencionar outros fatores que interagem de diferentes formas em função do tipo de cenário, que pode ser local (eleições municipais, estaduais e legislativas) ou nacional (presidente, senadores, deputados). Por exemplo, a idade, a educação, o nível econômico individual, o pertencimento a associações ou sindicatos, o gênero, o emprego formal, o lugar de residência e o fazer parte de grupos minoritários. Todos estes fatores que levam a incentivar ou inibir para votar de acordo com conjunturas específicas. Poder-se-ia pensar que as pessoas dos estamentos mais populares e que não tiveram acesso a uma educação adequada, são mais propensas a eludir seu dever cidadão pelo simples desconhecimento da importância que tem o voto para influir nas decisões políticas. Porém é evidente que em muitos casos se desestima este princípio.
A isto se soma o fato de que, historicamente, as vítimas do conflito não votam. O fenômeno do deslocamento de refugiados por causa do conflito é um elemento importante para a incidência de um alto nível de abstencionismo. Os milhões de vítimas que tiveram que deixar suas casas por causa do conflito armado, simplesmente têm outras prioridades, como procurar refugio nas zonas urbanas periféricas, procurar fontes de emprego precário, e buscar algo de segurança nesse ambiente hostil. Nesse contexto tão adverso, a participação política tem muito pouca importância. O sistema é perverso. Há que destacar que a partir dessa problemática, o governo colombiano está desenvolvendo, desde 2009, o Plano Nacional de Consolidação Territorial, para garantir um ambiente de paz e segurança nas zonas mais afetadas pelo conflito e assim combater os altos níveis de absenteísmo. Depois de seis anos, este plano apresentou resultados bem modestos, permanecendo portanto a tendência histórica.
Então, quem vota na Colômbia? Vários estudos indicam que as condições socioeconômicas dos cidadãos, o acesso a educação superior, exposição a meios de comunicação (convencionais ou digitais), bem como segmentação étnicas, ideológicas ou religiosas incidem na conduta dos eleitores. Mas nenhuma destas condições são determinantes para explicar o altíssimo nível de volatilidade eleitoral e abstenção.
As pesquisas existentes até o presente sobre a intenção de voto para o referendo são tão contraditórias que deixam dúvidas sobre as diversas interpretações sobre a opinião pública. E isto se deve a que se mescla confusamente o índice de aprovação do presidente Juan Manuel Santos e o índice de aprovação do plebiscito. Pretende-se que ha certa correlação entre quanto maior a aprovação ao presidente Santos maior o apoio ao plebiscito, mas esta é uma afirmação cheia de questionamentos. Por exemplo, a revista Semana difundiu certa auge no otimismo pela paz, em que 56% dos entrevistados pensa que a firma dos acordos é positiva, diante de 38% que pensam que é negativa. Não obstante, apenas 32% dos entrevistados afirmou tem uma opinião favorável ao presidente Santos, enquanto 66% que não aprovam a gestão presidencial.
A rede RCN, por sua vez, em conjunto com outros meios, publicaram a pesquisa “Colômbia opina” em que, se bem o otimismo pela firma da paz apresenta elevado índice, há também posições divindades sobre se as FARC-EP cumprirão ou não o acordo com relação ao desarme e a reinserção na vida política institucional. Nesta pesquisa, o ex presidente Álvaro Uribe, tenaz opositor à iniciativa pela paz, tem uma avaliação positiva de 53%, 21 pontos percentuais a mais que o presidente Santos, o que representa um grave indício para a consecução da paz. Uribe, patrono dos grupos paramilitares, ex integrante da turma de Pablo Escobar e responsável por aberrantes casos de violações aos direitos humanos, como o dos “Falsos Positivos”, obviamente é contrario ao processo de paz.
Quem trabalha com campanha política sabe que é extremamente perigoso quando o principal patrocinador da paz está pessimamente avaliado. A má percepção sobre o trabalho do presidente Santos é resultado da não realização de acordos com o mundo rural, a privatização do sistema elétrico, bem como o mau desempenho econômico e as milhares de crianças mortas por desnutrição em La Guajira. Todos esses elementos são agravantes que podem afetar a intenção de votar pelos Acordo de Paz final. A ultradireita narcoparamilitar de Uribe consegue capitalizar esse caudal gerado pelo mau governo de Santos, antecipando a campanha. A paz novamente está à mercê da conjuntura político-econômica do país, pela influência do parajornalismo das empresas de comunicação e de seus proprietários, que se tornaram multimilionários com a guerra.
Outras variáveis também podem afetar o resultado, como o ainda incipiente processo de negociação do governo com o ELN e o EPL, outros dois grupos insurgentes que oficialmente ainda se encontram submersos em violentos combates. Os resultados deste conflito ainda vigente seguramente influenciarão na opinião pública no momento de depositar seus votos.
Este é um novo campo de batalha. Ele é midiático, do discernimento, o da comunicação, o que disputa os corações e as expectativas das pessoas. Disputar para ganhar exige série de novas táticas de promoção de um país imaginário em que o colombiano nunca viveu. O desconhecido gera timor nas pessoas, o que seguramente joga contra o Sim. A esquerda e o governo de Santos devem trabalhar de maneira conjunta para vencer este referendo. Dele depende a vida de milhões de colombianas e colombianos. Literalmente.
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Quito, Equador.