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A paz se constrói com transformações sociais

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

congreso-para-los-pueblosO Congresso para a Paz, na Colômbia, aprovou programa para solução da guerra civil em que o país está mergulhado há quase meio século. O Encontro Internacional para a Paz – Congresso dos Povos, transcorreu em Bogotá de 18 a 22 de abril, com presença de mais de 20 mil pessoas representando organizações e movimentos sociais e delegações internacionais. Convocado para encontrar caminhos que levam a solução definitiva do conflito social armado, aprovou no final uma declaração e uma agenda social de paz como programa de ação. Por sua importância reproduzimos o documento. 

Continuamos afirmando que a paz não consiste unicamente no silenciar dos fuzis. Em nosso entendimento, uma sociedade não poderá consolidar a paz sem transformações necessárias que ataquem de maneira decidida as raízes do conflito e sem reverter as ações do Estado que vulneram os direitos dos povos. Os graves problemas em que vivem a maioria do povo colombiano são fatores que agravam o conflito, por essa razão avançamos em delinear uma agenda social de paz colocada na perspectiva de superar as condições de pobreza, desigualdade, marginalidade, impunidade e exclusão política que tem caracterizado o regime político imperante, através da luta organizada. Essa agenda social de paz é a expressão dos anelos das comunidades, povos e organizações sociais que buscam uma sociedade com uma paz genuína fundada na plena garantia dos direitos humanos e a construção de um país mais equitativo.

Consideramos que não poderá construir-se a paz sem a participação dos setores sociais populares que têm padecido a guerra. Insistimos em que a saída ao conflito armado não compete somente ao governo nacional e aos insurgentes, pois os setores populares também em temos muito que contribuir na construção da paz. Se o fim do conflito armado requer consolidação de uma sociedade democrática, é necessário começar por democratizar a busca da paz.

Saudamos a mesa de diálogo entre o governo e as FARC-EP. É um espaço importante no caminho para a paz, sabemos que esta é restrita porque não ha participação do movimento popular, a agenda e limitada e não estão todas as organizações insurgentes. O movimento popular é um sujeito real e suas opiniões têm que formar parte das propostas de saída para o conflito e de um acordo nacional. A paz não é uma prerrogativa exclusiva dos (movimentos) armados, deve ser um propósito nacional que vincule a diversos setores da sociedade colombiana. Fazemos um chamado para que seja instituído caminhos similares com o ELN e o EPL para que avancem em novos cenários de diálogos.

Para nós a paz tem que ver com transformações estruturais, por isso nossa agenda contem um programa que persegue o fim do conflito, a construção de políticas que gerem justiça social, a defesa dos territórios, a superação da crise humanitária, a democratização do regime político e da riqueza, a luta contra a impunidade e a plena garantia dos direitos humanos. Nessa ordem nossa proposta de paz passa por:

Um novo modelo econômico que redistribua os ingressos e a riqueza, que democratize os meios de produção e as fontes de riqueza, cujo principal objetivo não seja a acumulação  do capital e sim o bem-estar da população. Um modelo que não agrida os territórios e os ecossistemas, mas que parta de sua proteção, o respeito a natureza e a firmação da diversidade social, cultural e ambiental. Em suma uma nova concepção da economia que desmonte o neoliberalismo, a dependência, a privatização, a mercantilização, a financeirização, o despojo e o autoritarismo.

A reinvenção da política. Propor novas formas de governabilidade, bem como novas maneiras de defesa do público, para conceber um novo modelo de sociedade e de Estado. Portanto, reivindicamos construir política a partir dos territórios para construir um novo Estado e uma nova forma de governar.

É necessária uma transformação estrutural do modelo de justiça imperante em nosso país, caracterizado por legitimar um conjunto de medidas desenhadas para garantir a ordem social e política imposta. Como rechaço a este modelo de justiça hegemônico, repressor e elitista, os povos que reivindicamos paz para a vida digna concebemos como urgente a construção de um novo modelo de justiça que tenha como objetivo central a garantia integral dos direitos dos povos, partindo dos mecanismos comunitários e populares que existem e tem existido, e projetando-se às grandes decisões judiciais que se tomam no país; um novo modelo de justiça que fortaleça o tecido social das comunidades e responda às necessidades concretas do povo colombiano expressadas na agenda legislativa do país que propomos como alternativa de vida digna e justiça social. Assim sim, podemos falar de paz.

Continuaremos lutando por saúde e educação públicas, universais, gratuitas, sem discriminação de nenhum tipo, a partir de um enfoque de direitos que substitua a mercantilização da vida. A lei 100 de 1993 e as propostas de reforma da educação são  fatores de guerra contra a sociedade, especialmente contra os setores populares. Trabalho digno e sem distinção de gênero, economia que parta do regional, socialização da riqueza e dos meios que permitem a produção, economia própria e soberania, uma educação ampla, gratuita e de qualidade. O reconhecimento da diversidade de povos que habitamos este território que passa por reconhecer a autonomia e tornar possível a existência de povos que tem sido condenados ao extermínio.

Consideramos que para chegar ao fim do conflito é necessário solucionar o problema histórico da terra e do território. É impostergável a formulação de figura jurídica e política que garanta o território e a territorialidade para o campesinato como base para uma genuína política de reforma agrária integral. É crucial uma reforma tributária que grave com impostos altos aos grandes proprietários de terra. Consideramos que as Zonas de Reserva Camponesa constituem vitória do movimento camponês colombiano, consideramos fundamental defende-las como instrumento da luta das comunidades rurais. Também acreditamos que é necessário gerar outras figuras que solucionem os problemas do campo abarcando todo o território nacional e atacando a grande propriedade fundiária para buscar uma genuína redistribuição da terra e a sobrevivência do território. Pelo anterior, não compartimos a diminuição de Zonas de Reserva Florestal para instaurar Zonas de Reserva Camponesa. É necessário seguir buscando o reconhecimento, ampliação e saneamento de reservas indígenas e territórios coletivos afro.

Seguiremos lutando pela suspensão das concessões de territórios a empresas transnacionais. Seguiremos expulsando a essas companhias de nossas regiões. Buscarmos derrogar as normas que legalizam o despojo e que ameaçam a vida e a permanência nos territórios. A mineração a céu aberto deve ser erradicada em sua totalidade. Somos contra a toda forma de estrangeirização  da terra e a concessão das áreas desabitadas para grandes investidores. Rechaçamos a possível aprovação do direito de superfície, o voo florestal e demais formas de privatização submersa da terra e do território É necessário reformar o regime de licenças ambientais com o fim de gerar mecanismos jurídicos efetivos que protejam os ecossistemas. As comunidades delimitaram Zonas de Biodiversidade para proteger os territórios.

Propomos uma lei reguladora dos hidrocarbonetos que reivindique elementos de soberania nacional e redistribuição da renda do petróleo e do gás. Trataremos para que Ecopetrol volte a ser uma empresa completamente pública. De igual maneira defendemos o caráter público dos demais bens comuns de caráter estratégico para a nação. É necessário gerar uma política de pagamento da dívida ambiental gerada pela extração de recursos.

Buscamos uma cultura da vida que propague uma nova ética de sobrevivência e de convivência e que libere a recriação da sociedade. Nesse grande propósito será necessário consolidar um movimento cultural que envolva um conjunto de ações que promovam a cultura da vida, desde a educação, as comunicações, a arte, o esporte a recreação.

Assumimos o compromisso de estabelecer e fortalecer laços com os povos irmãos de nossa América e especialmente com movimentos sociais e populares que encaminham suas lutas pela autodeterminação, a soberania e a construção da Pátria Grande. Falamos da Cloc-via campesina, Frente Darío Santillán, Coordenadora de Movimentos Populares de América (Compa), Movimento dos Sem Terra e outros. Buscaremos interlocução com a Unasul, Mercosul, Celac e Alba no caminho para conseguir acompanhamento efetivo para o processo de paz na Colômbia e para apresentar nossa agenda de país para a vida digna.

Finalmente, como Congresso para a Paz afirmamos que vivemos hoje uma crise humanitária em nossos territórios, como consequência das lógicas extrativistas, repressivas e excludentes que o atual regime tem estabelecido durante décadas e que se agudiza pela existência do conflito armado. Esta crise se manifesta, entre outras, na militarização dos territórios indígenas, camponeses, afrodescendentes e urbanos; na sistemática violação aos direitos humanos e as infrações ao DIH; na precariedade da população encarcerada e em especial dos presos políticos que por seu estado de sujeição estão excluídos de todos seus direitos; na criminalização dos setores rurais; na sistemática violência sexual exercida contra as mulheres e meninas, homens e meninos que geram não só efeitos individuais mas efeitos coletivos que geram rupturas do tecido social e familiar.

Como consequência, a construção desta agenda social, o Congresso para a Paz ratifica e propõe como cenário para a ação politica:

  1. Configurar espaços regionais e locais de diálogo (insurgência, governo, comunidades) para solucionar a crise;
  2. Promover e estabelecer uma comissão da verdade para esclarecer os crimes, os beneficiários e os autores intelectuais da crise humanitário ao mesmo tempo em que avançamos na exigência de liberdade imediata para os lutadores presos (prisioneiros e prisioneiras políticas) arbitrariamente e exigimos tanto ao Estado como aos insurgentes a cessar fogo bilateral imediato.
  3. O Caminho Social Comum para a Paz, no qual seguiremos participando de maneira mais ativa e concentraremos esforços para vincular outras organizações sociais e políticas que hoje acreditam na paz. É necessário que a tomemos como própria e definamos mais claramente a participação de todas as regiões. Além disso devemos impulsionar a construção de uma agenda de paz conjunta para o país, que contemplo iniciativas como a Constituinte pela Paz.
  4. A construção de um espaço multilateral de diálogo, onde vigore nossa visão de paz, permita a participação direta e decisória de setores populares, sociais e democráticos. O novo neste cenário é a participação dos excluídos, dos sem voz.
  5. A construção do movimento social pela paz perseguindo uma grande confluência democrática e popular pela paz e as transformações. Com este propósito não partimos do zero, já temos algo acumulado em mobilização e encontro com outros, requeremos que se escutem muitas vozes mais. Devemos retomar as experiências que diversas comunidades veem construindo na conformação de territórios de paz. Estes seriam cenários idôneos para desenvolver propostas de diálogos regionais. Tal movimento deve reunir os diversos setores sociais e políticos que coincidam com a necessidade de impulsar a mobilização por uma agenda social de paz e a pertinência da participação dos setores populares nos processos de paz. A unidade deve entender-se como princípio permanente de ampliação da agenda política do movimento social pela paz e como ação conjunta de diversas expressões políticas e sociais. Este deve ser antes de tudo cum agente de impulso de uma agenda política pela superação do conflito social e armado e pela erradicação das condições que o tornam possível. Por essa razão o movimento pela paz cristaliza seus propósitos na ação politica e mobilização por uma sociedade com justiça social e vida digna.

As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
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