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A Rainha está nua

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

merkel
Angela Merkel, a esquerda, com duas colegas em seus tempos de universitárias

Paulo Cannabrava Filho*
A rainha está nua. Parodiando a fábula do dinamarquês Hans Christian Andersen, a Europa está à espera de uma corajosa criança que denuncie e revele a nudez (ou insensatez) da premier alemã, Ângela Merkel, e acabe com a farsa de que a volta à pompa e ao bem-estar social está no cumprimento de políticas em que ninguém mais acredita.

Como na fábula, há os que espreitam a passagem do rei com um sorriso maroto, mas todos se curvam e beijam-lhe as mãos quando se defrontam com a física alemã, filha de um pastor e teólogo que teve sua formação na Alemanha Oriental.

A imprensa europeia destaca que a economia na euro-zona retrocede pelo sexto trimestre consecutivo, o mais longo período de recessão desde a criação do euro em 1999. Como reação, por toda parte se elevam as vozes clamando que chegou a hora de  abandonar o ortodoxismo.

O diário de Bucareste, considerando o longo período de recessão diz que essa política “ameaça com levar ao desespero os povos europeus” e que isso tem que ser considerado na busca de saída para a crise.

O Financial Times destaca que este “funesto recorde” ocorre quando o desemprego também alcançou seu nível mais alto nos países do bloco, 12.1% na média, notadamente mais alto nos países do Sul –França, Espanha, Itália, Portugal, Grécia… São quase seis milhões de jovens europeus sem trabalho. Na Espanha, um de cada dois jovens com menos de 25 anos está desempregado.

Na França, entendendo que a crise e a recessão podem levar a uma situação de ruptura, Hollande disse que abandona o diktat alemão – a política de austeridade exigida pela Merkel –  e anunciou um programa de reformas estruturais para voltar ao equilíbrio.

Ao anunciar a política de seu governo no início do ano disse que a prioridade é a recuperação da economia e do emprego. A mídia manchetou “Hollande mais socialdemocrata que nunca”.

Afirmou que sua política se funda em quatro pilares: uma nova instância de governança ; um plano de inclusão para os jovens; uma comunidade de energia; e a integração fiscal.

Para o La Tribune, nem ambicioso nem realista, é um discurso necessário para acalmar os protestos de rua. O fato é que ele tenta construir outro caminho com vistas à recuperação econômica, notadamente na questão do desemprego, mas não indica como romper com a ditadura do capital financeiro.

De fato, é pouca a autonomia em política econômica dos países do bloco. Na verdade as políticas adotadas tanto na França, como na Espanha e na Itália estão sendo ditadas e monitoradas pelo FMI e pelo Banco Central Europeu, instituições cuja única preocupação é a de salvar os bancos, garantir a fluidez financeira. O objetivo das políticas de austeridade é “recuperar a confiança dos mercados financeiros”.

Como consequência obrigam a pobre Grécia a comprometer 40 por cento de seu Produto Interno Bruto para pagar a dívida. Não há quem aguente. No imediato pós- guerra, a Alemanha derrotada pode pagar sua dívida empenhando cinco por cento de suas exportações. E é a Alemanha que impõe o diktat da austeridade.

São, portanto, os arautos do liberalismo que estão pregando a política de austeridade só possível com forte intervenção do Estado. Se não vejamos: inflação sob controle (está em torno de 1,7%); recorte nos gastos públicos; precarização do trabalho; arrocho salarial. E, como consequência, recessão.

Todo mundo está consciente de que, como diz o professor Vincenç Navarro, em artigo em Plural.com de Madri, “o capital financeiro e sua desregulação foram os responsáveis pela enorme crise financeira, facilitada pelo BCE e o Banco da Espanha que colocaram como objetivo primordial de suas intervenções defender a viabilidade e sustentabilidade das instituições financeiras que precisamente haviam causado a crise”.

Os Estados Unidos – e por extensão seus sócios europeus – esqueceram da advertência de Thomas Jefferson, considerado um dos pais da pátria lá deles, que via nos bancos o maior perigo. Ele disse em 1802:  “Eu penso que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que exércitos inteiros prontos para o combate. Se o povo americano permitir um dia que bancos privados controlem sua moeda, os bancos e todas as instituições que florescerão em torno dos bancos privarão as pessoas de todas as suas posses, em primeiro lugar pela inflação, em seguida pela recessão, até o dia em que seus filhos despertarão sem casa e sem teto, sobre a terra que os seus pais conquistaram.”

Tivessem essas proféticas palavras em mente não teria ocorrido a quebra das instituições de crédito imobiliário que deixou a milhares de pessoas sem teto e com dívidas dando início à quebra generalizada dos grandes bancos globais.

O cerne da questão gora é como enfrentar uma enorme dívida bancária. As opiniões se dividem quanto aos caminhos a seguir. O que mais se divulga é a proposta de uma união bancária e securitização da dívida. Porém, são mais de seis mil bancos, entre os quais pouco mais de uma centena de mega instituições, a serem monitorados ou controlados por uma central.

O ministro do Exterior da Espanha, Jose Manuel García Margallo define esse pensamento, que já é quase um consenso entre os governantes do bloco: “As cifras são péssimas, necessitamos um cambio radical em direção a União bancaria, fiscal, econômica e política”.

Enquanto isso a Alemanha aparece como “uma ilha de felicidade”, onde o desemprego entre os jovens chega a 8%. Desde seu trono, a candidata ao título de dama de ferro quer que cada país cumpra com sua obrigação e resolva os problemas dos bancos e da dívida.

Em Junho  haverá reunião do Conselho Europeu. O presidente espanhol Mariano Rajoy e o primeiro ministro italiano Enrico Letta, em sucessivas reuniões acertaram uma posição comum para levar à reunião do bloco. Vão exigir um plano de emprego.

Segundo La Vanguardia, da Espanha, “enquanto toda Europa se encontra em recessão, Ásia, África, América Latina e Estados Unidos estão crescendo”. A seu juízo é preciso perguntar por que. A mídia crítica, cobra e os movimentos de protesto se multiplicam obrigando o estado a empregar suas forças repressivas.

Diante desse quadro, no Reino Unido jubilosos dizem e alardeiam que a União Europeia é um fracasso.

Diante desse fracasso, ou seja, com uma Europa debilitada econômica e politicamente os Estados Unidos aproveitam a oportunidade para um novo Plano Marshal, agora sob rótulo de Comunidade Econômica Europa-Estados Unidos.

O que realmente é de preocupar diante desse descalabro econômico, político e social é que aumenta a descrença da população na política e suas instituições. Lá como aqui, durante a euforia do liberalismo e auge da libertinagem financeira, questões vitais como educação, saúde, trabalho foram menosprezadas, formando um caldo de cultura favorável à proliferação de movimentos de extrema direita reacionária, xenófoba.

O ressurgimento de Berlusconi com apoio da Liga na Itália; a Frente Nacional na França; o Partido Liberal e União pelo Futuro na Áustria; o UK Independence Party no Reino Unido; situações que se multiplicam na Finlândia, Holanda, Dinamarca.

Em que pesem vozes dissonantes que começam a surgir nos espaços acadêmicos e em certa imprensa europeia, sobrepõe-se o fato concreto de que o processo que evoluiu  para essa situação e seu agravamento ocorreu com grande cobertura da mídia, sem nenhum juízo crítico. Ao contrário, os meios atuaram como veículos de propaganda do grande cassino global, como agora promovem o diktat alemão da austeridade.

O professor Navarro chama isso de “fraude no pensamento econômico dominante”, ou seja, “impõe-se o pensamento da banca assim como os fabricantes de remédios influenciam a cultura médica.

*Jornalista editor de Diálogos do Sul. A Foto compartilhada por milhares de pessoas na web agora pode ser encontrada no Google


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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