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A Revolução Esquecida de São Paulo: o levante militar que dá início à coluna Prestes contra o governo Artur Bernardes

Dados oficiais falam em 503 mortos. Dois terços dos mortos eram civis. Quase metade da população paulistana deixou a cidade. Foi o maior conflito urbano da história do Brasil
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

5 de julho de 1924: São Paulo acorda em guerra. O Movimento Tenentista, dos jovens oficiais do Exército, deflagra sua segunda revolta, liderada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes.

A capital paulista foi palco do maior conflito urbano da história do Brasil. As cenas lembravam a Primeira Guerra Mundial: explosões de bombas, moradias e prédios destruídos, bombardeios por aviões, soldados com metralhadoras, população fugindo pelas ruas, tanques de guerra cruzando a cidade e trincheiras abertas nas ruas. Dados oficiais falam em 503 mortos, mas, de acordo com o jornalista Moacir Assunção, que pesquisa o período, estima-se que seja o dobro disso, já que a cidade estava sitiada, impedindo o sepultamento das pessoas, que naquele momento foram enterradas em quintais e praças. Dois terços dos mortos eram civis. Quase metade da população paulistana deixou a cidade. Foi o maior êxodo que a cidade já conheceu.

Dados oficiais falam em 503 mortos. Dois terços dos mortos eram civis. Quase metade da população paulistana deixou a cidade. Foi o maior conflito urbano da história do Brasil

Reprodução: Twitter
5 de Julho de 1924

A motivação da revolta foi o descontentamento dos militares com a crise econômica e a concentração de poder nas mãos de políticos de São Paulo e Minas Gerais. O movimento passou para a história como a Revolução Esquecida. Por isso vamos recordá-la. 

O exército que Bolsonaro chama de “seu” desconhece, ou finge, esta figura histórica que empresta seu nome à Revolução pela democracia. Defensor da República, Isidoro apoiou movimento que pôs fim ao Império. Em 1893, abandonou o exército para participar da Revolução Federalista, desencadeada no Rio Grande do Sul contra o governo de Floriano Peixoto.

Com a derrota dos federalistas, Isidoro partiu para o exílio em Paris, em 1895. De volta ao Brasil no ano seguinte, foi anistiado. Retornou ao exército e estabeleceu-se no Rio de Janeiro, dando seguimento à sua carreira militar.  

Em 1923, já como general reformado e residindo em São Paulo, iniciou articulações contra o governo de Artur Bernardes. No ano seguinte, escolhido pelos conspiradores como o líder do movimento, viajou pelos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, estabelecendo contatos nos meios militares. E elaborou, junto com Joaquim Távora, um plano de ocupação da capital paulista.

Adesão à Coluna Prestes

Depois de muitos adiamentos, o levante foi finalmente deflagrado no dia 5 de julho de 1924, data escolhida em homenagem ao levante ocorrido dois anos antes no forte de Copacabana, no Rio de Janeiro — que dera início às rebeliões tenentistas no país. Em São Paulo, os insurretos prenderam os comandantes da Força Pública estadual e da 2ª Região Militar. 

Os rebeldes também contaram com a participação do major da Força Pública paulista, Miguel Costa. O presidente do estado Carlos de Campos abandonou a cidade, que passou ao controle dos rebeldes. 

Tropas leais ao governo federal sitiaram a capital paulista, que passou a sofrer violentos bombardeios que atingiram a população civil. Autoridades municipais e representantes da indústria e do comércio buscaram negociações entre os rebeldes e o governo federal, mas fracassaram.

No final de julho, Isidoro ordenou a retirada dos rebeldes da capital em direção ao interior do estado, na cidade de Bauru. Meses depois, o grupo reuniu-se em Foz do Iguaçu com as tropas rebeladas no interior gaúcho, sob a liderança de Luís Carlos Prestes

Da união dos dois contingentes nasceu a Coluna Prestes — que ao longo de cerca de dois anos percorreu o interior do Brasil em campanha contra o governo de Artur Bernardes.

Prestígio entre Liderados

Isidoro estava, já nessa época, com aproximadamente 60 anos. Já não era mais tempo para ele comandar um exército, cuja estratégia fundamental de luta seria a guerra de movimento. 

Dessa forma, ele decidiu se fixar na Argentina, de onde organizaria a rede de apoio externo às operações. Em fevereiro de 1927 — quando os efetivos da Coluna, desgastados pelo longo período de marcha, internaram-se na Bolívia, encerrando aquela fase da luta — a maioria dos principais líderes do movimento juntou-se a Isidoro, em “Paso de los Libres”, na Argentina, onde estabeleceram o quartel-general revolucionário. 

O general Isidoro mantinha grande prestígio entre seus liderados. Eles chegaram a lhe dar o título de “marechal da revolução”. Na prática, porém, a marcha da Coluna havia feito de Prestes um nome reconhecido amplamente como o principal líder revolucionário, dado que nem mesmo Isidoro questionava.

Em 1930, com a derrota eleitoral da Aliança Liberal — coligação oposicionista que havia lançado o nome de Getúlio Vargas para concorrer à sucessão do presidente Washington Luís — a questão da derrubada do governo federal pelas armas voltou à ordem do dia. Revolucionário, Isidoro declarou, apoio ao movimento. 

Deportado para Portugal

Mas opôs-se à radicalização defendida por Prestes: declarou não acreditar na capacidade das massas populares governarem o país. Seu nome foi cogitado para assumir a chefia militar da revolução. Mas acabou preterido pelo do general Góes Monteiro. Com a deflagração do movimento, no mês de outubro, dirigiu-se a São Paulo para assumir o comando da 2ª RM em nome dos revolucionários.

Nos primeiros meses do novo governo, porém, começou a se indispor com Vargas em torno da questão do comando político do estado de São Paulo.

Em janeiro de 1931, escreveu ao presidente criticando o interventor federal João Alberto e o comandante da Força Pública, Miguel Costa.

Ainda em 1931, foi substituído do comando da 2ª RM por Monteiro. E recusou o convite de Vargas para assumir a interventoria federal no Estado do Rio. 

O revolucionário descolado de guerra passou a defender a volta do país ao regime constitucional. Logo, ele já estava participando das articulações da Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. 

Assumiu posição de destaque nesse movimento e acabou deportado para Portugal após a sua derrota. Voltou ao país em 1934, anistiado. Em 1937, já afastado das disputas políticas, criticou o golpe de Vargas que instaurou a ditadura do Estado Novo. 

Nascido em Dom Pedrito (RS) morreu no Rio de Janeiro, em 1949.

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Amaro Augusto Dornelles

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