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Ursula von der Leyen, durante reunião do Mercosul no Uruguai, em 6 de dezembro de 2024 (Foto: Mercosul / Flickr)

Acordo Mercosul-UE é semicolonial e vai sair caro para empresas sul-americanas

Sendo um acordo entre países capitalistas desenvolvidos na Europa e subdesenvolvidos na América do Sul, a competição será desleal, sem benefício mútuo
Eduardo Vasco
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

É curioso que o acordo Mercosul-UE possa ir por água abaixo não por oposição dos sul-americanos – os grandes lesados nessa história –, mas sim dos europeus – que seriam os grandes beneficiados.

Trata-se de um típico acordo entre metrópole e colônia, pelo qual a metrópole recolhe os produtos agropecuários e recursos naturais da colônia e vende à colônia seus bens industriais. Os países do Mercosul, assim, dariam prosseguimento à sina da América do Sul, exportando commodities, de baixo valor agregado, e importando manufaturados, de alto valor agregado.

Não é à toa que todos reconhecem que o grande interessado no acordo, dentro do Brasil, seja o agronegócio. Ou seja, o latifúndio (hoje em dia já capturado pelo capital financeiro transnacional). Pelo fato de sermos, até hoje, um país de caráter semicolonial, o latifúndio sempre teve um poder esmagador sobre a política nacional. E atualmente, aliado ao capital financeiro, que controla até mesmo o outro grande setor econômico do País – a indústria –, pode tranquilamente exercer influência em todas as esferas da opinião pública.

Assim, todos comemoram o acordo assinado na última cúpula do Mercosul: governo, congresso, agro, indústria, bancos, imprensa. Diz-se que será um grande passo para o desenvolvimento econômico do Brasil, como se a manutenção e o aprofundamento do status semicolonial desenvolvesse o País de alguma maneira.

Benefício mútuo?

O acordo, sendo de livre comércio, prevê a abertura recíproca aos bens de ambos os mercados. Esse tipo de acordo é de benefício mútuo? Claro que não. Sendo um tratado entre um bloco de países capitalistas plenamente desenvolvidos, que estão inclusive na etapa imperialista (predatória), e outro de países de desenvolvimento capitalista atrasado, ou seja, de um capitalismo subdesenvolvido, pobres, significa que as companhias europeias – muito mais fortes – vão competir com as sul-americanas – muito mais fracas. É uma competição desleal.

A isso não se pode ter dúvida alguma. As empresas europeias são competidoras desiguais das sul-americanas, incluindo as brasileiras, em todos os âmbitos: tecnologia, produtividade, investimentos, etc. Afinal, são empresas de países ricos, que acumulam riquezas justamente através da exploração dos países pobres, e essas riquezas vão para as mãos dessas mesmas empresas.

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Não foi o que ocorreu com o Brasil após a Operação Lava Jato? Orquestrada de fora do país, ela desmontou as principais empresas brasileiras, que competiam interna e mesmo externamente com as europeias e norte-americanas. Quem se beneficiou disso? Tcharaaam!

Se já não fosse suficiente, os termos do acordo agudizam essa disparidade. Talvez a principal referência brasileira para a análise crítica desse acordo seja o economista Paulo Nogueira Batista Jr., que trabalhou no FMI e no Banco dos BRICS. Ele lembra que os impostos de importação de produtos industrializados no Brasil são na média de 15%, enquanto na União Europeia são menos de 2%. Ao zerarem esses impostos para mais de 90% desse comércio de bens, quem cederia mais? Essa redução não vai aumentar significativamente a exportação brasileira – mas vai abrir sobremaneira nossa indústria. A agricultura familiar também sofreria a concorrência desleal dos produtos agrícolas europeus.

Análises

A CNI diz que o acordo de livre comércio vai impulsionar os investimentos no Brasil. Batista Jr. acha o contrário: “para que investir aqui se eles poderão abastecer o mercado brasileiro a partir das suas matrizes, livres de barreiras tarifárias?”. Alguém consegue discordar dessa lógica? O problema é que a CNI, como indicado por seu posicionamento, representa mais os interesses estrangeiros do que os brasileiros. E mais interesses financeiros do que industriais.

Já os industriais europeus estão babando pela execução do acordo. A Alemanha está praticamente quebrada após a redução das exportações para a China (que se voltou para o mercado interno nos últimos anos) e a suspensão no fornecimento de gás russo, do qual sua indústria é dependente. Soma-se a isso uma desindustrialização histórica e as montadoras já estão fechando e os operários estão entrando em greve.

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A Alemanha comanda a União Europeia e vai pressionar até o fim para a consecução do acordo. A questão é que a França comanda junto com a Alemanha, e está contra. País menos industrializado que o vizinho, a França tem visto uma pressão enorme dos agricultores contra o acordo, pois eles percebem que vai beneficiar muito mais o setor industrial do que o agrícola.

Os agricultores têm sido um fator-chave na crescente crise europeia. São eles a principal base social da extrema-direita, que se fortalece a cada dia que passa. E estão mobilizados nos principais países do bloco. Segundo as normas da UE, se quatro países que representam 35% da população do bloco se recusarem a assinar o acordo, ele não irá vingar plenamente. França, Polônia, Itália e Holanda (que demonstraram insatisfação com o acordo) são 41% da população da UE, e os agricultores já demonstraram grande força nas ruas desses países (assim como os partidos de extrema-direita, tanto nas ruas como nas instituições).

Alternativas

Uma alternativa seria um acordo misto: quem não aprovar o tratado de livre comércio, não participaria em um primeiro momento, e o acordo seria implementado pelos outros de modo provisório. Além do mais, a UE, percebendo a sanha do Mercosul para que o acordo saia, poderia exigir mais concessões, por exemplo, obrigando os sul-americanos a aceitarem um protecionismo maior do setor agrícola europeu. Ou impondo mais regras ambientais ao Mercosul, apertando nossas algemas ao desenvolvimento. O que seria uma humilhação múltipla para nós.

Há um outro entrave potencial: Javier Milei. Contraditoriamente, ele defende a abertura total dos mercados, mas poderia dificultar o acordo por ser um preposto dos Estados Unidos. E já disse que vai utilizar a presidência argentina do Mercosul para facilitar um acordo bilateral de livre comércio Argentina-EUA, o que vai contra o entendimento do bloco. Se os outros países não aceitarem, ele já ameaçou deixar o Mercosul. Isso iria ao encontro dos interesses norte-americanos, pois os EUA querem o Cone Sul subjugado, porém por eles e não pelos europeus, que são seus competidores dentro de sua zona de influência – ou melhor, de seu quintal.

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O presidente Lula tem adotado medidas tímidas, como o novo PAC, e também alguns discursos nacionalistas e industrializantes. Também percebe os perigos de subserviência total aos Estados Unidos, apesar de sua frágil política equilibrista. Assim, o acordo com a UE poderia ser uma tentativa de aproximação com os europeus para contrabalançar a influência dos Estados Unidos no Brasil e na América do Sul.

Mas é uma geoestratégia fraca e subalterna aos europeus – que, por sua vez, também foram avassalados pelos EUA. Melhor seria aproveitar a construção do Porto de Chancay, no Peru, para dirigir essa produção à Ásia (que não é composta apenas pela China), com acordos muito mais vantajosos, que possibilitariam um investimento real na reindustrialização do Brasil, tanto pelos negócios com os chineses como pela própria construção da rota interoceânica que cruzará o Brasil e a América do Sul.

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Certamente também insiste no acordo com a UE para agradar o agronegócio (e os bancos, a imprensa, etc.). Afinal, Lula precisa do seu apoio para se reeleger em 2026. Mas estamos vendo que, não importa o que faça, a classe dominante não consegue engoli-lo. A maioria desses setores (senão todos) irá apoiar qualquer um que se oponha a Lula, caso não o destitua ainda antes.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Eduardo Vasco Jornalista, trabalhou como enviado especial no início da intervenção russa na guerra da Ucrânia e escreveu o livro "O povo esquecido: uma história de genocídio e resistência no Donbass".

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