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"Agenda estratégica de futuro": visita de Lula à China visa cooperação para além do comércio

Karin Costa Vazquez, pesquisadora do Center for BRICS Studies, aponta três grandes transformações globais que estão moldando as relações sino-brasileiras
Alana Camoça
Brasil de Fato
São Paulo (SP)

Tradução:

Entre os dias 26 e 31 de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visita a China para encontros com o alto escalão chinês, incluindo o líder do país asiático, Xi Jinping.

O retorno de Lula ao governo oferece uma oportunidade para o Brasil retomar seu engajamento em grandes discussões globais, tal qual foi objetivo durante os anos da política externa ativa e altiva entre 2003 e 2010. Contudo, muita coisa mudou nos últimos anos.

No cenário interno temos um Brasil que continua a ser a promessa de um “país do futuro”, que vivenciou (e ainda vivencia) polarização política e que despencou em comparação com outras grandes economias mundiais de uma posição de sétima maior economia mundial em 2010 para décima colocação em 2022. 

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No cenário internacional, a pandemia de Covid-19, as reduções e expansões dos valores de commodities nos mercados globais, o desmantelamento de projetos de integração regional (como a UNASUL), o aumento da rivalidade Estados Unidos-China e a invasão da Ucrânia pela Rússia são algumas dessas transformações. 

A China, principal parceiro comercial do Brasil, também mudou significativamente nos últimos anos. O país que ocupava o sétimo lugar no ranking das maiores economias mundiais (PIB) em 2003, hoje ocupa o segundo lugar do mesmo ranking.

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Pequim ampliou significativamente sua atuação no mundo, tornando-se a maior parceira comercial de países na América Latina, na África e na Ásia. No âmbito doméstico, procurou alternativas para o seu desenvolvimento e estabilidade interna com a consolidação de Xi Jinping no poder, desde 2012. 

Todos esses desafios são cruciais para a inserção internacional do Brasil, de modo geral, e para as relações com a China, especificamente. O cenário de 2023 é diferente de 2003 para ambos os países.

Ao longo dos anos as relações comerciais sino-brasileiras cresceram significativamente e ambos os países buscaram um no outro suprir deficiências (por recursos, por capital e por tecnologia, por exemplo) e conseguiram promover ao longo dos anos concertação política, como no âmbito do BRICS.

Karin Costa Vazquez, pesquisadora do Center for BRICS Studies, aponta três grandes transformações globais que estão moldando as relações sino-brasileiras

Sérgio Lima
Lula entrega as credenciais para o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao




Investimentos e empréstimos

O comércio bilateral com a China atingiu 135 bilhões de dólares em 2022, e o país ocupa atualmente papel importante como investidor estrangeiro nas mais diversas indústrias do país.

De acordo com o China-Latin America Finance Database, o Brasil recebeu treze empréstimos de bancos chineses, totalizando 30,5 bilhões de dólares. A importância da China é evidente na agenda brasileira, sobretudo no horizonte da política externa brasileira a partir de 2023. 

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Após assumir a presidência, Lula recebeu uma carta de Xi Jinping, expressando a vontade de ampliar a cooperação entre os países. Sinalizando um desejo de equilíbrio, sem alinhamentos automáticos ou tomadas de lado, Lula visita a China com o interesse de ampliar a cooperação para além do comércio.


Brasil, China e o mundo em transformação

Existem desafios históricos e conjunturais à relação Brasil-China, o que torna ainda mais elementar que seja construída uma “agenda estratégica de futuro” que alavanque políticas públicas por meio de parcerias e financiamentos internacionais – em linha com os compromissos internacionais do Brasil – de forma a posicionar o Brasil, com apoio da China, à frente das grandes transformações e espaços de decisão globais.

Essa é a avaliação de Karin Costa Vazquez, Professora Associada e Reitora Assistente da O.P. Jindal Global University na Índia, pesquisadora do Center for BRICS Studies da Fudan University na China e Senior Non Resident Fellow do Center for China and Globalization (CCG). 

No artigo “Uma agenda estratégica de futuro para o desenvolvimento sustentável do Brasil”, publicado pela revista CEBRI, em 2022, Vazquez aponta três grandes transformações globais que estão moldando o futuro das relações Brasil-China, e sugere recomendações.


Mudança do centro de gravidade econômica

A primeira é a mudança do centro de gravidade econômico do Ocidente para a Ásia e a crescente relevância da China para o Brasil. Se, por um lado, o boom dos fluxos bilaterais Brasil-China trouxe uma balança comercial favorável para o Brasil, por outro também gerou uma estrutura comercial assimétrica.

“Essa assimetria nos convida agora a pensar em estratégias para diversificar e agregar valor às exportações brasileiras para a China”, avalia a pesquisadora.

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A segunda transformação é a revolução digital-tecnológica e a inauguração de um paradigma produtivo mais competitivo, sustentável e inovador, que tem a China como o epicentro, despontando na fronteira tecnológica e evidenciando a disputa internacional com os Estados Unidos.

Nas palavras de Vázquez, esse paradigma nasce em meio a mudanças estruturais nas cadeias globais de valor que determinarão a competitividade e o acesso dos países aos mercados, bem como o futuro do trabalho.

“A China pode ser parceira na transição do Brasil para a indústria 4.0 e para a agricultura digital, garantindo que ambos os processos ocorram de maneira oportuna, competitiva e sustentável”.

A terceira transformação é a transição energética global e o impacto da descarbonização da China nos mercados globais de energia.

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De acordo com a pesquisadora, a China está entre os maiores importadores mundiais de petróleo bruto, ao passo que o Brasil está entre os principais fornecedores de petróleo bruto para a China, e depende fortemente do país para suas exportações.

Protótipo do carro autônomo chinês ROBO-01 em exposição em Pequim / Jade Gao

Lula já destacou a importância da agenda ambiental na pauta brasileira e internacional com a sua visita à COP 27 em novembro de 2022, e a reconstrução da agenda no país com a reformulação de órgãos que vão olhar para o ambiente.

O 14º Plano Quinquenal da China, por exemplo, apresenta significativo destaque para a agenda do clima e do meio ambiente. Tais discursos ecoam também em eventos internacionais em que a China vem se projetando como um ator responsável.

“Devemos [o Brasil] estar atentos aos possíveis impactos de uma contração da demanda chinesa no médio prazo e identificar elementos que possam contribuir para o reposicionamento do Brasil nas indústrias de baixo carbono”, sugere a pesquisadora.


Muito além do comércio bilateral

A China é um ator central para a reinserção global do Brasil, bem como para a promoção do desenvolvimento. Karin Vazquez defende a hipótese de que mais do que pensar em estratégias para diversificar e agregar valor às exportações brasileiras para a China, o Brasil deve fazê-lo dentro de um processo de reindustrialização da economia brasileira que se beneficie de parcerias com países como a China para a transferência de tecnologias e investimentos em setores com repercussões positivas para a economia, o meio ambiente e a sociedade.

“Uma forma de articular o Investimento Estrangeiro Direto com o desenvolvimento tecnológico e a agregação de valor nas cadeias produtivas agropecuárias é a criação de polos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Brasil-China, a inclusão de cláusulas de transferência de tecnologia e desenvolvimento conjunto nos acordos bilaterais de investimento e o incentivo aos investimentos nas indústrias com maior contribuição para o desenvolvimento sustentável”, pontua Vazquez.

Fruto de um passado que ecoa no presente, Karin ressalta que Lula e Xi Jinping coincidem na visão de uma ordem global baseada em uma nova forma de progresso humano, onde a pobreza não pode existir, a prosperidade é comum e a harmonia com a natureza é crucial.

Mais do que um aliado estratégico da China, a liderança de Lula dá aos dois países a possibilidade de converter os complexos desafios internacionais em uma oportunidade para construir pontes entre grandes potências, países emergentes e em desenvolvimento para buscar soluções conjuntas, como no âmbito do BRICS.

“Acredito que ainda há apetite nos cinco países para levar adiante a motivação original dos BRICS. Ou seja, oferecer alternativas à governança global. O desafio está na forma e na prioridade que serão dadas a questões como a expansão do bloco, o diálogo com outros blocos político-econômicos e regionais, bem como a formulação de respostas conjuntas a algumas das questões de desenvolvimento mais prementes de nosso tempo, incluindo uma transição energética justa, saúde, erradicação da pobreza e segurança alimentar”, assevera a pesquisadora.


Atuação próxima

A atuação próxima com a China pode permitir que o Brasil recupere uma posição de destaque internacional, como um player do Sul Global capaz de construir consenso dentro e fora do BRICS.

Karin Vazquez acredita que a revitalização do IBAS, fórum de diálogo que reúne Índia, Brasil e África do Sul, as presidências brasileiras do G20 e as presidências sul-africana e brasileira do BRICS podem ser o motor desse esforço nos próximos três anos.

“O Brasil poderia, por exemplo, explorar a criação de uma Aliança Global para a Erradicação da Fome e da Pobreza, valendo-se da experiência própria e de outros países do BRICS no combate à fome e à pobreza extrema, fomentando a centralidade do Brasil e da América Latina para a promoção da segurança alimentar no China e o mundo, e destacando a necessidade de redesenhar os sistemas alimentares para garantir a sustentabilidade e resiliência no acesso aos alimentos em todo o mundo”, conclui a pesquisadora.

Em suma, a perspectiva é de ampliação da relação Brasil e China nos próximos anos do governo Lula, e deve servir como via de mão dupla, ao passo que política externa informa e baliza políticas públicas domésticas, e contribui para a inserção internacional positiva do Brasil. Para isso, a formulação de uma agenda estratégica de futuro que oriente a política externa brasileira frente às grandes transformações internacionais é primordial.

Filipe Porto | Pesquisador no Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil, o OPEB, da Universidade Federal do ABC.
Alana Camoça | Doutora em Economia Política Internacional (PEPI/UFRJ), pós-doutoranda na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora no Laboratório de Estudos sobre a Economia Política da China (LabChina).
Edição: Thales Schmidt


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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