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Agonia anunciada do novo governo do Brasil

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

“Aqui tudo parecia ainda estar em construção e já está em ruína”, diz uma canção de Caetano Veloso. O verso serve bem para ilustrar o que acontece com o novo governo do Brasil, presidido por Michel Temer, no cargo desde o dia 12 de maio. O PMDB, coração da nova coalizão governante, tem seus principais dirigentes, incluído Temer, no foco de denúncias de corrupção que, embora não os levem à prisão no futuro, já os enfraqueceram politicamente e ameaçam desestabilizar sua administração.

Mario Osava*

Rio de Janeiro - Servidores públicos federais de diversas categorias protestam no centro da cidade contra a reforma da Previdência, o congelamento de salários e desligamentos (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Rio de Janeiro – Servidores públicos federais de diversas categorias protestam no centro da cidade contra a reforma da Previdência, o congelamento de salários e desligamentos (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Sergio Machado, ex-senador e ex-presidente da Transpetro, empresa de transporte do grupo Petrobras, revelou que 23 políticos, dez deles do PMDB, receberam dinheiro desviado dos contratos da companhia com construtoras e outros fornecedores.Seus depoimentos ao Ministério Público se tornaram públicos no dia 15 deste mês, por decisão do Supremo Tribunal de Federal (STF), que aceitou seu acordo de colaboração com a justiça nas investigações sobre o escândalo de corrupção que tem como epicentro a Petrobras.
Temer teria pedido R$ 1,5 milhão para ajudar ilegalmente um candidato a prefeito de São Paulo em 2012, denunciou Machado. Temer negou veementemente a acusação, bem como o presidente do Senado, Renan Calheiros, e outros seis senadores, incluindo o ex-presidente José Sarney (1985-1990), todos do PMDB.
Outra foi a atitude de Henrique Alves, também do PMDB, que renunciou ao cargo de ministro do Turismo. Ele enfrenta outros processos abertos dentro da Operação Lava Jato, que há dois anos vem desnudando a organização criminosa que desviou milhares de milhões de dólares de projetos petroleiros estatais.
Temer havia perdido outros dois ministros em suas duas primeiras semanas de governo, do Planejamento, Romero Jucá, e da Transparência, Fabiano Silveira. Machado apresentou conversa gravadaentre ambos, em que discutiam diferentes formas de bloquear essa investigação.
Jucá mantém sua influência como senador e presidente do PMDB, mas já são nove os processos penais que se acumulam contra os dirigentes do partido no STF, a única instância que pode julgar parlamentares e membros do Executivo, que têm foro privilegiado.
O escândalo do petróleo já teve altos custos para o Partido dos Trabalhadores(PT), porque ajudou a afastar Dilma Rousseff da presidência, no dia 12 de maio, e ameaça acabar com a carreira política de seu líder máximo, Luis Inácio Lula da Silva, que presidiu o país entre 2003 e 2011.Agora, chega a vez dos novos protagonistas do poder, do qual participaram de forma permanente nas duas últimas décadas. Temer, seus ministros e copartidários poderão alegar inocência e inclusive serem absolvidos das acusações feitas por Machado em um futuro distante, mas a batalha agora não é judicial, mas política.
A Operação Lava Jato já prendeu dezenas de empresários, enquanto a maioria dos políticos segue à espera de julgamento no STF. Mas na vida política importam mais a reputação e a imagem popular do que os desenlaces judiciais.Não faltam exemplos de discrepâncias nos julgamentos políticos e legais. No Brasil há uma tradição de políticos de sucesso com o selo de “rouba mas faz”, dos quais são exemplo os ex-governadores de São Paulo, Adhemar de Barros (1947-1951 e 1963-1966) e Paulo Maluf (1979-1982) este eleito deputado com votação recorde.
Mas é difícil que sobrevivam os políticos acusados de corrupção na atualidade, com exceção, talvez, de Lula, beneficiado por outra tradição, a dos “pais dos pobres”. Em seu caso, o que pode ser fatal é o veredito judicial. Lula é suspeito de ter recebido favores de construtoras que obtiveram lucros ilegais nos negócios petroleiros estatais, de encabeçar a máfia do escândalo do petróleo e de tentar obstruir as investigações da Lava Jato.
No caso do ex-presidente, sua popularidade fica arranhada por essas suspeitas, mas se reconhece que ele poderia recuperar boa parte de seu prestígio, especialmente entre a população pobre, em uma campanha eleitoral. Em caso de condenação, no entanto, não poderia se apresentar como candidato em eleições por um mínimo de oito anos, muito tempo para alguém de 70 anos.
A operação anticorrupção no Brasil segue um roteiro nada ortodoxo, a batalha se desenvolve mais na opinião pública, e portanto nos meios de comunicação de massa, do que nos tribunais. É possível que, em um futuro menos conflituoso, grande parte dos processos judiciais seja anulada por irregularidades, como os vazamentos, abuso da prisão preventiva e outras pressões para obter a colaboração dos acusados, mediante as “delações premiadas” e inclusive a desqualificação de testemunhos e supostas provas.
Mas os políticos, culpados ou inocentes, já estarão condenados pela indignação contra a corrupção, intensificada pela recessão econômica que alimenta o desemprego e que muitos consideram uma consequência da desonestidade política.No caso das delações de Machado, além das denúncias contra 23 nomes e as quantias que cada um recebeu, fica evidente o modo de operar o desvio de dinheiro da Petrobras, empresa gigante que lida com centenas de milhões de dólares ao ano.
O ex-senador, designado como presidente da Transpetro por indicação do PMDB, mais precisamente do atual presidente do Senado, Renan Calheiros, deixou claro o papel de diretores e outros executivos introduzidos na Petrobras e em suas subsidiárias por partidos políticos.As estatais são proibidas de fazer contribuições eleitorais. Mas os milhares de fornecedores de produtos e serviços das grandes empresas públicas, obviamente interessados nos altíssimos contratos, eram presas fáceis de pedidos de “doações”.
Machado era a ponta do triângulo que recebia as demandas partidárias e as canalizava aos fornecedores da Transpetro ou Petrobras. Ele alega que era a condição para se manter no cargo bem remunerado e poderoso. Para os empresários era um pedágio forçado.Muitos deles se defenderam diante das acusações de suborno e de atuarem como cartéis para conseguir tais contratos, dizendo que se tratou de “extorsões”. Suas empresas perderiam muitos negócios se não aceitassem “as regras do jogo”.
Os políticos agora alegam que se tratou de contribuições legais para campanhas eleitorais, oferecidas diretamente pelas empresas. Mas a intervenção “facilitadora” de Machado contamina tudo e evidencia que não eram doações voluntárias e que a cumplicidade permitia um sobrepreço a ser compartilhado.
Para má sorte de Temer, o controle dessa operação com epicentro na Transpetro era do PMDB, que ele presidiu de 2001 a março de 2016, incluindo todo o período em que Machado atuou como elo da corrupção, entre 2003 e 2014. Será difícil se eximir da responsabilidade.
 
*Mario Osava é diretor da IPS no Brasil e colabora com Diálogos do Sul
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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