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Não ao golpe, diz um cartaz durante manifestação a favor da democracia no Rio de Janeiro, no dia 31 de março, no contexto das mobilizações contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, realizadas em muitas cidades do Brasil, na emblemática data de aniversário do golpe militar de 1964.
Mario Osava*
A crise política no Brasil ainda reserva muitas surpresas, começando pela provável frustração da ampla maioria que quer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, dessa forma prolongando a chegada a um desenlace. O isolamento da presidente parece terminal, desde que o Partido do Movimento Democrático Brasileiro(PMDB) decidiu deixar a coalizão oficial, em uma reunião de seu diretório no dia 29 de março.
O PMDB é a maior agrupação parlamentar, com 68 deputados em um total de 513, e 18 senadores entre 81, que, em consequência, detém a presidência das duas casas legislativas. O Partido dos Trabalhadores (PT) tem apenas 58 deputados e 11 senadores. A dificuldade será conseguir a maioria de dois terços, ou 342 deputados, exigida pela Constituição para aprovar o julgamento político da presidente. Um cálculo enganoso faz a conta ao contrário, atribuindo à presidente a necessidade de obter 172 votos, isto é, mais de um terço do total para rejeitar o impeachment.
Porém, ausências e abstenções contam a favor de sua sobrevivência no poder, e será possivelmente a atitude que adotarão muitos que defendem a presidente, mas temem desafiar a opinião pública. Na última pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, 68% dos entrevistados são a favor do impeachment. Um parlamento fragmentado em 25 partidos dificulta a mobilização de uma maioria de dois terços.
“É impossível”, afirmou Ibsen Pinheiro, deputado do PMDB, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, argumentando que não há um consenso nacional pela destituição de Dilma Rousseff. O deputado é considerado um especialista porque, em 1992, presidia a Câmara Federal que aprovou o processo de impeachment do então presidente Fernando Collor, acusado de corrupção. Naquele caso, o único “impeachment” (palavra anglo-saxã pela qual é conhecido o processo para a inabilitação), houve “um sentimento de unanimidade” que Pinheiro não identifica agora na população.
Vista do coração da manifestação em defesa de democracia no centro de São Paulo, parte das mobilizações ocorridas em muitas cidades brasileiras no dia 31 de março, contra a destituição da presidente Dilma Rousseff. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Atualmente, nem mesmo o PMDB garante sua unidade para destituir a presidente. Seis ministros do partido decidiram permanecer em seus cargos, ignorando o rompimento com o governo.“No meio em que vivo, há um pensamento comum contra o governo, mas não em relação ao impeachment, que divide opiniões”, afirmou à IPS o advogado HaneriBlumenschein, de 43 anos, que reside próximo à avenida Paulista, na cidade de São Paulo, um símbolo da oposição a Dilma e ao PT.
“Há dúvidas sobre se tirar a presidenteé a solução para o país”, ponderouBlumenschein, que participou dos protestos opositores. Mas ele lamentou ter a companhia de setores de extrema direita que pedem a intervenção militar como ocorreu em 1964, quando foi instalada no Brasil uma ditadura que durou até 1985.A mobilização de vários setores nos últimos dias aponta para uma surpreendente reação do governo, até agora encurralado pelas denúncias de corrupção, investigações policias e por noticiários negativos nos grandes meios de comunicação.
No dia 31 de março, manifestações em todas as grandes cidades brasileiras, encabeçadas por centrais sindicais e movimentos sociais, reafirmaram que o governo do PT ainda conta com uma importante base social de apoio, embora com números muito inferiores aos dos protestos opositores. Mas, na guerrilha pela sobrevivência, o governo obteve apoios variados. Um grupo de atores e intelectuais famosos visitou a presidente no dia 31 de março para manifestar apoio.
Uma condenação à corrupção, mas reclamando combate a todos os corruptos, não só aos “vermelhos”, e condenando como “golpismo” a campanha para destituir a presidente, integram um vídeo e um manifesto da Democracia Corintiana.O ator Wagner Moura, conhecido por filmes, novelas e pela série Narcos, publicou na véspera, no jornal Folha de S. Paulo, um artigo de conteúdo semelhante.
“Pela democracia”, contra a corrupção, mas também contra o impeachment, foi a manifestação da Articulação do Semiárido, um movimento de aproximadamente três mil organizações da sociedade civil que transformou a vida de milhões de famílias da região Nordeste, afetada por secas intermitentes.
“Não haverá golpe”, é o lema oficialista que insiste no argumento de que não existe um crime claro, uma base jurídica para justificar o impeachment de Dilma. A acusação no processo que está na Câmara dos Deputados é que o governo cometeu fraudes fiscais, disfarçando déficit com créditos de bancos estatais. “Não é um “crime de responsabilidade”, previsto na Constituição para desqualificar um presidente, afirmaram porta-vozes do governo, como o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.
Mas a Constituição é genérica ao apontar os crimes que podem levar ao impeachment do presidente da República. Estes ocorrem quando violam o “livre exercício” de outros poderes, a segurança interna do país ou a probidade administrativa, por exemplo. A presidente pode ser acusada de ter violado a Lei Orçamentária.De todo modo, é o ponto fraco que o governo escolheu como alvo para invalidar o julgamento, que é mais político do que judicial.
Se a Câmara o aprovar, Dilma deixará a chefia do governo enquanto o Senado julga o pedido de seu impeachment, pelo prazo de até 180 dias.A confrontação entre os que estão a favor e contra o governo petista parecida tender à radicalização e violência. Atos isolados – como pessoas agredidas nas ruas de São Paulo apenas por usarem roupa vermelha, a cor do PT, ou o verde e amarelo adotado por opositores – prenunciavam sangue.Celebridades conhecidas por apoiarem o PT, como Chico Buarque, sofreram hostilidades em locais públicos, como restaurantes.
Até agora surpreende a forma pacífica em que se desenvolvem os frequentes protestos, sem casos graves de vandalismo ou distúrbios. Além disso, as manifestações dos dois lados não obedecem a um comando ou objetivos únicos e contemplam uma ampla participação crítica.Enquanto defensores do impeachment vaiam líderes de partidos opositores, expulsando-os de seus protestos, entre seus antípodas muitos disseram estar mobilizados em “defesa da democracia, não do governo” e menos ainda da corrupção.
“Não sou do PT, inclusive tenho críticas graves a esse partido, mas está em jogo algo muito mais importante”, disse Beatriz Bissio, professora de Política Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro.“Há antecedentes de atentados similares contra a democracia, como a destituição do então presidente Fernando Lugo, no Paraguai, e do ex-governador do Maranhão, Jackson Lago”, destituído em 2012 pela Justiça Eleitoral, por pressão da oligarquia local, sem contar com a defesa do PT, recordou Bissio à IPS.
Um estudo da Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro, identificou um abrandamento da polarização entre a oposição e os defensores do governo, ao avaliar as mensagens nas redes sociais usadas para convocar manifestantes.Entre os protestos de março de 2015 e os deste ano, diminuíram as mensagens dos que se definiam como favoráveis ou contrários ao governo, passando a dominar os “independentes”, não alinhados aos partidos, que rechaçam os políticos e o sistema eleitoral que fomentou a corrupção.
Isso tenderia a diluir as confrontações partidárias, mas também a promover novos atores supostamente não políticos, como o juiz Sergio Moro, que coordena a investigação sobre essa rede de corrupção, que envolve políticos e empresários da construção no desvio de recursos da Petrobras.
*Mario Osava é diretor de IPS no Brasil e parceiro de Diálogos do Sul