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Marianela Jarroud*
Um projeto hidrelétrico Alto Maipo que está sendo construído nas proximidades da capital do Chile ameaça o abastecimento de água potável de mais de seis milhões de pessoas que vivem na região metropolitana. A Central de Pasada Alto Maipo será composta por duas unidades que em conjunto vão gerar 531 megawatts (MW) de potência instalada e 2.465 gigawatts/hora de energia média anual.
Para essa produção, a central utilizará parte das águas dos rios Volcán, Yeso e Colorado, que compõem a Bacia do Rio Maipo, que possui uma vasta biodiversidade e abastece mais de 60% da água potável da região metropolitana, onde fica Santiago. O projeto é controlado por duas empresas chilenas: AES Gener, com 60% de participação, e Antofagasta Minerals, do Grupo Luksic, o mais rico do país. Essa aliança é, para grupos ambientalistas, a prova de que a geração elétrica tem o objetivo de abastecer a grande mineradora do norte do Chile, sedenta por energia, e não à população.
O rio Maipo cruza o cânion de mesmo nome, na Cordilheira dos Andes, a 46 quilômetros de Santiago, onde crescem florestas de peumos (Cryptocarya alba), litres (Lithraea caustica) e quilaias (Quillaja saponaria), onde interagem pumas, raposas e condores andinos, entre outros. “A bacia do rio Maipo está superexplorada pelos diferentes tipos de usuários estabelecidos nos rios do Cânion do Maipo, entre eles AES Gener, que possui quatro hidrelétricas na área”, detalhou à IPS a porta-voz da Coordenadoria Ríos del Maipo, Marcela Mella. “Em países desenvolvidos, todas as bacias que abastecem de água potável as capitais, importantes ou estratégicas do ponto de vista demográfico, estão protegidas”, acrescentou .
Santiago tem 40% da população total desse país de 17 milhões de habitantes. Segundo especialistas em ambiente, há riscos sérios de essa cidade ficar sem água potável caso ocorram alguns fatores. O acadêmico Roberto Román, especialista em Energias Renováveis da Universidade do Chile, disse à IPS que, se a Alto Maipo manejar mal o sistema, “poderá haver efeitos negativos” para o fornecimento de água à capital.
Um risco real é um acordo obtido entre a AES Gener e a Águas Andinas, a principal abastecedora de água potável da capital, que consiste na utilização das reservas de água da região metropolitana para a geração elétrica. Román recordou que isto “não é só teoria”, pois já ocorreu no final da década de 1990, quando a empresa Endesa, atualmente filial da italiana Enel, construiu uma central com turbina a gás nas proximidades de Quintero, 180 quilômetros ao norte de Santiago.
“O projeto atrasou e, como a empresa tinha contratos vigentes para entrega de energia, simplesmente consumiu as reservas da Laguna del Laja (maior represa natural do país) apostando que naquele ano o outono seria normal”, recordou Román. Porém, 1998 foi um ano muito seco e a Endesa não teve com gerar energia. Em consequência, houve apagões em todo o país, primeiro espontâneos e depois programados. Além da teoria, “a prática mostra que, quando a algum engenheiro comercial ocorre maximizar lucros, se esquece dos efeitos secundários de suas medidas”.
A empresa garante em seu site que as águas utilizadas “serão integralmente devolvidas ao rio Maipo, cinco quilômetros águas acima da tomada de água da empresa Águas Andinas, não afetando o abastecimento de água potável para Santiago, seu uso para irrigação e as atividades esportivas que acontecem em torno do rio Maipo”. A Central, que entrará em operação em 2018 e cujo custo supera os US$ 2 bilhões, movimentará turbinas mediante a “passagem” da água natural do rio, sem necessidade de represamento.
A informação oficial é que sua energia abastecerá o Sistema Interligado Central, que fornecerá a eletricidade para quase todo o país. Román lembrou que o abastecimento hídrico do Cânion do Maipo é muito precário, o que se traduz em “várias localidades sem sistemas de água potável e dependendo de redes de tubulação que se nutrem de pequenos charcos. Também há grande quantidade de usos da água de fato, o que faz demorar muito para estabelecer os verdadeiros direitos”, ressaltou.
Román se refere ao Código de Águas de 1981, da época da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), que transformou a água em propriedade privada e conferiu ao Estado a faculdade de conceder a privados direitos de aproveitamento de águas de forma gratuita e perpétua. Além disso, permite comprar, vender ou arrendar esses direitos sem considerar prioridades de uso. “Por isso, embora teoricamente o projeto da Alto Maipo não afete o abastecimento de água do Cânion do Maipo, na prática, uma situação que já é precária poderia piorar”, destacou.
Atualmente, a população do Cânion do Maipo está dividida em relação ao projeto. “Há um setor, que majoritariamente trabalha ou tem seus meios de vida fora do Cânion, que, em geral, se opõe. E também há um setor – especialmente de gente com renda menor e variável – que o vê como uma oportunidade de trabalho direto ou indireto”, pontuou o especialista.
Adolfo Astorga, presidente da Junta de Moradores de San José de Maipo, passeia com frequência pela praça do povoado, local pouco agradável, apesar da alta afluência turística da região. Em seu duplo papel de cidadão e dirigente local, Astorga mostra uma postura ambígua sobre o projeto. “Pessoalmente não concordo, porque obteremos benefícios mínimos, versus o impacto que o projeto causará”, declarou à IPS. Mas garante que defende os moradores que apoiam a Alto Maipo e até os compreende, porque representa uma oportunidade de trabalho “ainda que por pouco tempo”, afirmou.
Para Marcela Mella, a oposição ao projeto soma mais e mais argumentos porque, além do risco de destruição da biodiversidade e do abastecimento seguro de água potável, “há a possibilidade de no curto prazo se causar a desertificação de mais de cem mil hectares do Cânion do Maipo”, pela construção das duas centrais e do túnel de água, que se estenderá por 70 quilômetros.
No momento, apenas algumas centenas de opositores tentam deter o avanço silencioso da Alto Maipo, com mobilizações que não contam com poder de comunicação, ao contrário da empresa. Enquanto isso, os habitantes de Santiago parecem não se dar conta da ameaça.
*IPS de Santiago de Chile para Diálogos do Sul