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Cruzes simbolizam imigrantes que tentaram cruzar a fronteira entre o México e os EUA (Foto: Jonathan McIntosh / Flickr)

Ameaças e ataques de Trump já causam desespero em imigrantes nos EUA

Stephen Miller, responsável pelas políticas anti-imigrantes de Trump, tem reiterado que o governo pretende usar o exército e instalar centros de detenção para deportar pelo menos 1 milhão de pessoas anualmente
Jim Cason, David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O presidente eleito Donald Trump chegará à Casa Branca com suas promessas de campanha, incluindo, caso a presidente Claudia Sheinbaum não cumpra suas exigências, impor novas taxas comerciais ao México, realizar deportações em massa que poderiam provocar uma depressão na economia mexicana, tomar ações militares contra os cartéis no país e revisar radicalmente o T-MEC.

“O México nos invadiu”, ao permitir o ingresso de imigrantes e drogas, repetiu Trump durante dias, e acusou: “está nos roubando” ao se beneficiar do tratado comercial. “Vamos selar a fronteira, e rápido”, afirmou.

“Imediatamente o presidente Trump pode colocar tantas coisas em funcionamento novamente, por isso as pessoas estão tão otimistas”, explicou Jason Miller, assessor de alto nível do presidente eleito, em entrevista nesta quarta-feira à NBC News. “Todas as políticas de segurança fronteiriça que tínhamos com o presidente Trump, ele simplesmente pode adotá-las novamente e implementá-las como antes.”

Trump emitiu 472 ordens executivas durante seu primeiro mandato como presidente, segundo a contagem do Migration Policy Institute (MPI) em Washington. Quando perguntada sobre quais ordens poderiam ser implementadas primeiro, Michelle Mittelstadt, porta-voz do MPI, informou ao La Jornada que “inicialmente, tentarão reinstalar o ‘Permaneça no México’”. Mas advertiu que esse programa, que obriga migrantes que buscam asilo a esperar no México enquanto seus pedidos nos EUA são processados, continua em litígio nos EUA e que reativar essa medida requer a cooperação do México.

Reciclagem de leis

Kathleen Bush-Joseph, analista de políticas do MPI, assinalou que outras ordens executivas que Trump poderia restabelecer de imediato incluem ampliar o processo de deportação expedita sem audiência perante um tribunal e o Título 42, medida usada durante a pandemia para expulsar migrantes em mais de 3 milhões de ocasiões. “Stephen Miller disse que o governo Trump o reinstalará”, disse, em referência ao principal arquiteto das políticas anti-imigrantes de Trump agora e quando era presidente.

A primeira mudança na política bilateral será no tom. Enquanto o governo de Joe Biden teve uma relação cordial e até sólida com seus pares no México, o estilo de negociação de Trump quase sempre começa com ameaças. Na última semana, ele ameaçou diretamente a presidente Sheinbaum com o aumento das tarifas se ela não tomar medidas para conter o fluxo migratório na fronteira estadunidense. Ao longo dos últimos dois anos, o ex-presidente mencionou como opção o uso da força militar estadunidense contra cartéis de drogas no México.

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Em seus comícios de campanha, Trump repetiu que o presidente Andrés Manuel López Obrador resistiu à sua exigência de enviar tropas mexicanas à fronteira para frear o fluxo migratório, mas assegurou que, após ameaçar impor taxas sobre as importações do México, o presidente mexicano aceito sua demanda.

Deportar até um milhão de indocumentados por ano criaria problemas econômicos semelhantes a uma depressão nos EUA, mas, no México, o fluxo de remessas, o retorno de trabalhadores a suas comunidades de origem e a diminuição de exportações mexicanas aos EUA que isso implicaria seria devastador, segundo uma análise da Universidade da Califórnia em Los Angeles [].

Mudanças no discurso

Em comentários mais recentes, Trump buscou modificar um pouco suas promessas de deportar todos os indocumentados do país. Embora insista que “vamos selar a fronteira”, em seu discurso de vitória acrescentou que “queremos que as pessoas voltem… temos que deixá-los voltar, mas precisam chegar legalmente”.

Miller tem repetido que, sob um governo Trump, seria necessário empregar forças armadas e estabelecer enormes centros de detenção para deportar pelo menos um milhão de pessoas anualmente. Mas, ainda que isso não ocorra na escala que Trump ameaça, a retórica de Miller e Trump já está gerando um clima de terror e preocupação entre imigrantes mexicanos e de outros países que residem nos EUA.

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Analistas assinalam que, apesar da retórica, México e EUA já passaram por um governo Trump antes, e que o agora presidente eleito gosta de dizer que López Obrador é “um bom homem, apesar de ser socialista”. Mas a relação será administrada pelo lado americano com base no que Trump acredita que precisa do México para fins políticos em seu próprio país.

Visões nos EUA sobre a vitória de Trump

As preocupações dos eleitores com o custo dos alimentos e dos serviços de saúde, juntamente com uma efetiva mensagem anti-imigrantes, levaram à reeleição de um líder autoritário que prometeu deportar milhões de imigrantes com operações estilo militar, reduzir os impostos para os mais ricos, diminuir o tamanho e as funções do governo federal, usar o Departamento de Justiça para perseguir seus opositores e até usar força militar contra o “inimigo interno”, que identifica como “esquerdistas radicais”.

Donald Trump foi explícito ao oferecer todas essas propostas, e 71 milhões de pessoas votaram para que ele as implementasse.

Democratas espantados e milhões de seus simpatizantes — a candidata democrata recebeu mais de 66 milhões de votos — ficaram quase sem palavras ao tentarem entender e explicar como um ex-presidente que tentou um golpe de Estado, foi condenado por crimes de fraude e abuso sexual, está acusado de dezenas de crimes, fala de maneira racista e misógina e até advertiu que poderia ser “ditador por um dia”, conseguiu ganhar a maioria dos votos do país.

Ressurgimento do fascismo

Para as cúpulas políticas deste país de ambos os partidos nacionais, isso representa o surgimento de um fascismo que ameaça o sistema democrático, não apenas agora, mas também nos próximos anos. Um amplo elenco de líderes republicanos tradicionais, desde o ex-vice-presidente Dick Cheney até sua filha, a ex-deputada Liz Cheney, passando pelo Exterminador e ex-governador Arnold Schwarzenegger, e centenas de ex-altos funcionários e oficiais militares, alertaram abertamente que Trump representa uma ameaça fascista. Eles, junto com toda a cúpula democrata, líderes de setores sociais e organizações liberais e progressistas, já começaram a enviar mensagens (e pedir doações) para começar a organizar algo como uma “resistência” contra o regime eleito.

Com os resultados, já não é fácil argumentar que isso é “anormal”. “Parem de fingir que Trump não é quem somos”, escreveu Carlos Lozada no New York Times. Houve tantas tentativas de negar a presença de Trump na política e na imaginação cultural da nação, reinterpretando-o como uma aberração e algo temporário. “Normalizar” Trump foi uma ofensa ao bom senso, às normas do experimento americano… “Agora já podemos nos livrar de tais ilusões: Trump faz parte de quem somos. 63 milhões de estadunidenses votaram nele em 2016, 74 milhões em 2020 e 71 milhões em 2024”.

Eleição nos EUA: neoliberalismo, desilusão popular e o voto de vingança

O que Trump entendeu, e que sua opositora democrata nem tanto, foi a crescente ira e desencanto com a economia e a inflação após a pandemia de Covid, além das perspectivas econômicas incertas dos americanos comuns. Cerca de 9 em cada 10 eleitores estavam muito ou um pouco preocupados com o custo dos alimentos, e cerca de 8 em cada 10 estavam preocupados com seus custos de saúde, habitação e gasolina, relatou a agência AP ao resumir os resultados de sua vasta pesquisa nacional.

“Uma das principais razões pelas quais Trump venceu é que ele deixou claro como melhorará a vida de cada estadunidense e mostrou que pode fazer isso imediatamente”, afirmou Jason Miller, assessor do vencedor, em entrevista à NBC News.

Confira nossa seção especial: Eleições nos EUA

Com essa mensagem econômica, seu repúdio ao funcionamento do governo federal e sua mensagem anti-imigrantes, Trump aumentou o nível de apoio de quase todos os segmentos da população. As pesquisas de boca de urna indicaram que a maioria dos homens brancos (como esperado) e mulheres brancas (que os democratas apostavam que não) votaram nele, mas talvez o mais surpreendente para todos foi que o candidato racista e anti-imigrante conseguiu obter a maioria dos homens latinos. No total, 45% dos latinos votaram nele, a maior cifra recebida por um candidato presidencial republicano em meio século.

Jovens com Trump e “Partido dos Trabalhadores”

A porcentagem de jovens que votaram em Trump também aumentou em relação às eleições anteriores. Cerca de 20% dos homens afro-americanos votaram nele, o dobro do número de quatro anos atrás. E ele ampliou o voto republicano em vários redutos democratas, incluindo a cidade de Nova York. “Esse já não é o velho Partido Republicano, o presidente Trump conseguiu transformar completamente o Partido Republicano para ser o partido da classe trabalhadora”, afirmou Miller.

A eleição também é um registro de fracassos colossais dos sindicatos nacionais, organizações liberais e progressistas, grupos de mulheres, latinos e afro-americanos e outras bases democratas, que falharam em convencer seus membros a pelo menos votar contra um populista de direita que ameaçava todos os seus direitos e apoiar Kamala Harris. Mas tudo indica que fracassaram em parte porque a vice-presidente oferecia mais do mesmo, sobretudo no campo econômico.

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No estado chave de Michigan, que Harris precisava para um possível triunfo nacional, mas que acabou perdendo, outro fator importante foi a guerra de Israel contra os palestinos, apoiada incondicionalmente e com envio de armas por Harris e seu governo com Joe Biden. Em Dearborn, a cidade com uma das maiores comunidades árabes-americanas do país, os eleitores rejeitaram a democrata. “Não posso votar em uma mulher que apoia o genocídio”, comentou um eleitor em Michigan ao La Jornada.

O que irritou muitos simpatizantes de Harris é que, diferentemente da democrata, Trump não ofereceu propostas detalhadas nem funcionais. Mas entrevistas do La Jornada com simpatizantes de Trump em dois de seus comícios indicam que suas bases não necessariamente acreditam que ele tenha todas as respostas. “Eu não sei se ele consegue realizar tudo o que diz que quer fazer, mas pelo menos está falando dos nossos problemas e está tentando”, disse um simpatizante em um comício na Virgínia na semana passada.

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Nem todos ficaram surpresos com o resultado. O senador socialista democrático Bernie Sanders advertiu que o Partido Democrata precisava propor uma transformação do sistema econômico em benefício das maiorias, e não apenas para o 1% mais rico – algo que Harris não fez e que pode explicar em parte sua derrota.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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