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Fabiana Frayssinet*
A eternamente jovem América Latina também está envelhecendo, devido ao aumento da expectativa de vida e à queda no número de nascimentos. Uma revolução demográfica que coloca diante de novos desafios uma região que dá passos cambaleantes para deixar de ser a mais desigual do mundo.
O informe A Nova Era Demográfica na América Latina e no Caribe: a Hora da Igualdade Segundo o Relógio Populacional, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), confirma que neste século há menos filhos por casal e mais idosos, o que começa a mudar a paisagem das cidades da região.
“O envelhecimento da população é uma boa notícia na medida em que aumenta a expectativa e a qualidade de vida”, apontou Maria Julieta Oddone, diretora do Programa Envelhecimento e Sociedade, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.
Durante o século 20 a América Latina se caracterizou pelo crescimento, de 161 milhões de habitantes em 1950, para 512 milhões em 2000. Mas neste século calcula-se que a população chegará a 734 milhões até 2050, para depois baixar para 687 milhões em 2100, segundo o informe divulgado em novembro pela Cepal em sua sede em Santiago, no Chile.
A Cepal atribui essa situação ao fato de a expectativa de vida ter aumentado em 23 anos na região, passando de 55,7 anos no período 1950-1955 para 74,7 anos em 2010-2015. Nos primeiros cinco anos essa esperança de vida era dez anos inferior à média dos países industrializados, e no qüinqüênio atual a diferença é de cinco anos.
O outro fator determinante é a queda da taxa global de fecundidade que passou de ser uma das mais altas do mundo, com quase seis filhos por mulher, para 2,2 filhos, inferior inclusive à média mundial de 2,3 filhos. “Sempre houve velhos nas sociedades. Mas agora é a primeira vez que na história do mundo velhas são as sociedades”, destacou Oddone, que prefere dizer “pessoas velhas” porque “velhice não é igual a decrepitude e morte. Hoje, majoritariamente, os velhos são pessoas ativas, saudáveis, com muito potencial”.
O envelhecimento latino-americano – que círculos acadêmicos e científicos continuam negando porque “ainda prevalece a ideia de que continuamos sendo uma sociedade jovem –, requer um olhar diferente”, segundo Oddone, também membro do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, da Argentina. Primeiro em sua compreensão, e depois na adoção de políticas públicas em saúde, previdência social, proteção, educação, recreação, atividades comunitárias, dirigidas a esses novos “velhos jovens”, explicou.
Segundo Oddone, “as famílias mudaram. As famílias do começo do século 20 tinham avós que talvez chegassem aos 50 anos, hoje têm avós, bisavós e até tataravós. O fato de passar mais da metade da vida como pessoa velha (e que teremos um horizonte de 30 anos para nos aposentar) implica fortes mudanças sociais”. Como exemplo, ele citou medidas sanitárias que contemplem não só doenças típicas da infância ou juventude, mas as crônicas ou degenerativas, que muitos mais sofrerão. “O aumento da população velha não necessariamente é uma hecatombe no sistema de saúde. Isso é parte dos mitos, mas é preciso estar prevenido”, acrescentou.
As políticas públicas, segundo a pesquisadora, terão de contemplar a nova realidade de famílias que precisam de mais apoio para cuidar de seus familiares longevos, ou dos idosos que têm um papel mais ativo cuidando dos netos. Oddone recorda que muitos empobrecem e se tornam mais vulneráveis, porque por viverem mais tempo e terem menos filhos, ou nenhum, às vezes têm de vender suas casas para custear seus gastos. “Creio que não se tomou consciência da magnitude das mudanças que implica a sociedade ter decidido ser velha, quando foi um desejo da sociedade consegui-lo”, acrescentou.
Andrés Hatum, especialista em comportamento humano em organização, da IAE Business School, tem uma visão mais pessimista diante de uma política que considera “preocupante”. Hatum apontou à IPS que, “com menos gente jovem, a população ativa envelhece, e isso significa menos produtividade, menos talentos, menos engenheiros e executivos com experiência. Teríamos que ter um crescimento demográfico mais expansivo para permitir o crescimento econômico”.
Em termos educacionais, Hatum pontuou que se deveria reformular a distribuição orçamentária. Por exemplo, em lugar de abrir tantas universidades para os jovens, criar mais unidades acadêmicas para atualizar os adultos idosos.
A Cepal, por sua vez, vê uma grande oportunidade para melhorar a educação. A redução da população infantil e juvenil facilitará estender a todos nesses dois grupos “os benefícios de uma educação de alta qualidade da qual antes só se beneficiava uma pequena minoria”, acrescenta.
Hatum também considera necessário aumentar o teto da idade para uma pessoa se aposentar, para “não explodir” os sistemas de pensão, e pensar em esquemas de trabalho flexíveis, com variáveis que “também tenham sentido para o empregador. Talvez, uma forma seja trabalhar menos na medida em que se avança em idade, para que também desfrutem do tempo de lazer”, acrescentou.
Para Hatum, as fábricas terão que se adaptar diante de uma nova força de trabalho com mais de 45 anos, por um lado com mais experiência, paciência e perfeccionismo, mas por outro com menor flexibilidade, força e visão. Ele considera “antiquado” o modelo empresarial que “supõe que as pessoas devam obter aumentos de salários e promoções com base na idade e depois partir quando chega o momento de se aposentar”, o que incentiva seus empregados mais velhos a se aposentarem mais cedo. “Há muitos países onde as pessoas ficam sem trabalho e têm dificuldade para voltar ao mercado. Nós (os latino-americanos) estamos nessa transição.
Oddone considera o tema complexo. Recordou que, em países como a Argentina, dois terços das pessoas em idade de se aposentar querem se aposentar, e que a robótica, por exemplo, não só expulsa os mais velhos do mercado como também impede que muitos jovens consigam trabalho. “Em épocas de flexibilização no mercado de trabalho, começa a discriminação de idade mais precoce”, acrescentou.
A pesquisadora afirmou que, “de todo modo, creio que o mercado de trabalho terá que encontrar formas de manter essas pessoas por mais tempo, ou pelo menos de utilizar uma boa parte delas, que com suas capacidades e experiências podem dar alguma contribuição”.
Pessoas ativas e com renovados desejos, como a argentina Silvia Schabas, que aos 75 anos, com boa saúde e uma grande bagagem cultural, acredita que poderia aplicar mais do que nunca seus conhecimentos. “O mercado de trabalho está muito limitado, só querem jovens quando se trata de emprego formal”, disse à IPS essa antiga docente que vive na capital peruana.
Com seus netos, Schabas começou a aprender informática e a participar das redes sociais. “Após cinco anos, quando descobri que sem me aproximar desse mundo desconhecido e misterioso ficaria fora do mundo, gritei por socorro”, brincou. Ela propõe, entre outras ações, uma “atenção à saúde pública: oportuna, amável, personalizada, com especialistas em geriatria”, ou expandir atividades culturais e esportivas em parques. Mas, sobretudo, pede que se entenda que eles também foram jovens.
“A juventude não dura toda a vida e ninguém sabe como será sua velhice, portanto somos um pouco o espelho de seu futuro de idosos, terceira ou quarta idade, ou como quer que se chame eufemisticamente”, resumiu Shabas, que diz integrar uma nova geração de “avozinhas que já não fazem ponto cruz, mas ponto.com”.
*IPS de Buenos Aires, especial para Diálogos do Sul – editado por Estrella Gutiérrez