Atualizada em 10.01.19, às 14h53
Na Venezuela, para a tristeza dos antichavistas, o ano de 2018 terminou com uma nova vitória do presidente Nicolás Maduro. Sua formação política, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), e seus aliados no seio do Grande Polo Patriótico (GPP) ganharam as eleições municipais de 9 de dezembro. Antes disso, no dia 20 de maio anterior, os venezuelanos se pronunciaram democraticamente a favor da reeleição do mandatário, cujo segundo período de governo (2019-2025) começa neste 10 de janeiro.
Se no campo político, o chavismo segue tendo um apoio eleitoral majoritário – mesmo após 20 anos do poder, que se cumprem justamente este ano –, em outros âmbitos há muitas dificuldades às quais é preciso enfrentar.
Na esfera da vida cotidiana, por exemplo, a guerra econômica e as sanções impostas pelos Estados Unidos e seus aliados criaram uma série de inconvenientes – entre eles a forte inflação – que complicam cruelmente a normalidade do país e da cidadania.
Por outro lado, o acosso financeiro também obstaculiza a importação de alimentos, medicamentos, equipamentos e autopeças. A persistente corrupção piora as coisas, e tudo isso pode levar a desfechos dramáticos. Uma dessas consequências: muitas pessoas estão descontentes, outras estão optando por sair do país.
Vítima de seus erros, de seus excessos e de suas próprias pugnas internas, a oposição tem se mostrado incapaz de tirar proveito deste áspero contexto social. A coalizão Mesa de Unidade Democrática (MUD) se dividiu tantas vezes que chega a este novo ano atomizada, ao ponto de se tornar invisível e inaudível. Seus principais dirigentes –tanto os que se instalaram no exterior como os que ficaram na Venezuela – mantém a estratégia de denunciar a “ditadura” e a “repressão política”. Mas carecem de credibilidade.
A este panorama, por si só bastante complexo, se agrega uma guerra midiática contra a Revolução Bolivariana, que é encenada para o mundo para se vender o discurso do “desastre venezuelano”, com os mais horrendos ingredientes do cinema de catástrofe.
No dia 26 de setembro, em Nova York, diante da Assembleia Geral da ONU, o presidente Maduro denunciou os diversos ataques de uma “estratégia de agressão internacional” contra seu país, e não poupou detalhes em seu relato. Sem omitir, por exemplo, a criminosa tentativa de magnicídio contra ele mesmo, ocorrida no dia 4 de agosto passado, durante uma cerimônia militar, em Caracas.
Qualquer outro dirigente, diante de semelhantes adversidades, teria fraquejado. Não é o caso de Nicolás Maduro, que, uma vez mais, deu mostras de uma resiliência excepcional. Para enfrentar a guerra econômica, o mandatário venezuelano surpreendeu de novo os seus adversários, e lançou mão de uma ofensiva tripla: consolidou a criptomoeda Petro, lançou a nova moeda, o Bolivar Soberano, e propôs o Programa de Recuperação, Crescimento e Prosperidade Econômica.
Por outra parte, apesar das dificuldades, a Revolução Bolivariana seguiu cumprindo seus objetivos de justiça social: entregou, há alguns dias, a moradia de número 2,5 milhões durante o período chavista. Os Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP) fornecem caixas com alimentos básicos a cerca de seis milhões de famílias humildes, e se está a ponto de alcançar as três mil comunas produtivas. O país também avança na direção da autossuficiência em alguns produtos como milho, arroz, açúcar, legumes, cacau, café e soja. Em matéria de educação, mais de 10 milhões de pessoas têm acesso às salas de aula, enquanto 75% delas o fazem em escolas públicas e gratuitas, desde a educação inicial até a universitária, em permanente melhoramento da qualidade.
Na política internacional, as autoridades venezuelanas insistem em confrontar a hostilidade de Washington e de alguns de seus aliados, em particular os europeus. Assim como os ataques de governos conservadores latino-americanos reunidos no Grupo de Lima.
Muito diferente é a atitude de diversas grandes potências, cujos chefes de Estado expressaram sua solidariedade com a Revolução Bolivariana.
Nesse aspecto, o presidente Maduro foi convidado a visitar a China, em setembro passado, e se reunir com o presidente Xi Jinping. Por outra parte, o mandatário venezuelano recebeu em Caracas o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em dezembro, com quem estabeleceu uma relação de grande confiança. Neste mesmo último mês de 2018, houve outra importante viagem, desta vez a Moscou, onde assinou acordos de grande importância com o presidente Vladimir Putin. Podemos confirmar, deste modo, que a Venezuela não está isolada.
Conheço Nicolás Maduro há mais de dez anos, quando era ministro de Assuntos Exteriores do presidente Hugo Chávez. Foi uma espécie de “chanceler” da Revolução Bolivariana, apesar de o nome do cargo ser outro – como os míticos Litvinov e Molotov o foram para a revolução soviética, ou Chu-Enlai para a revolução chinesa, ou Raúl Roa para a revolução cubana – e o grande estrategista, junto o Comandante Chávez, de todas as batalhas ganhas pela complexa frente diplomática chavista.
Como se sabe, Maduro foi um destacado dirigente estudantil e um líder sindical legendário. Também é um homem de ampla cultura, com três paixões: a história, a música e o cinema. Dirigiu durante anos o principal cineclube de Caracas, e seus conhecimentos cinéfilos são de uma vastidão e de uma fineza impressionantes.
Por sua inteligência política, sempre exerceu sobre seu entorno uma autêntica fascinação. “É um cérebro com gatilho”, dizem seus amigos, para destacar a celeridade de sua mente. Por isso, sem dúvidas, o Comandante Chávez, ao sair da cadeia, em 1994, não duvidou em escolhê-lo como um dos poucos não militares que integraram o seu círculo mais íntimo – os quais o acompanharam na conquista democrática do poder.
Posso testemunhar sobre o afeto profundo e a confiança que o Comandante Chávez depositava sobre ele. Não me surpreende, portanto, que naquele 8 de dezembro de 2012, em seu último discurso público, antes de se submeter a uma intervenção cirúrgica que terminaria trágica, o fundador da Revolução Bolivariana tenha definido Maduro, entre vários jovens e brilhantes líderes chavistas, como o mais capaz: “é um revolucionário dos pés à cabeça. Um homem de grande experiência, apesar de sua juventude. De uma grande dedicação ao trabalho. De uma grande capacidade para a condução de grupos, e para manejar as situações mais difíceis em distintas frentes de batalha”.
Finalmente, o “Comandante Eterno” o designou ao povo como seu sucessor, com aquelas palavras tão tipicamente chavistas e tão inesquecíveis: “minha opinião firme, plena como lua cheia, irrevogável, absoluta, total, é que, se eu não posso estar, que vocês elejam Nicolás Maduro como presidente da República Bolivariana da Venezuela. Peço como todo o meu coração. É um dos líderes jovens de maior capacidade para continuar dirigindo – junto ao povo, sempre e subordinado aos interesses do povo – os destinos desta Pátria. Com sua mão firme, com seu olhar, com seu coração de homem do povo, com seus dons de gente simples, com sua inteligência, com sua liderança, e com o reconhecimento internacional que adquiriu nos últimos anos”.
Antes de sentar em seu escritório no Palácio de Miraflores (sede presidencial), em Caracas, para realizar esta entrevista, o presidente Maduro me convidou a acompanhá-lo a uma cerimônia pública de entrega de moradias sociais, na qual se entregou o já mencionado apartamento número 2,5 milhões. Os edifícios, construídos em colaboração com uma empresa chinesa, estão localizados nas proximidades da paróquia caraquenha do Valle, de classe média, precisamente onde o mandatário nasceu, e em cujas ruas se criou.
A população presente, não muito numerosa, acolhe o mandatário com ruidosas mostras de alegria e afeto. Maduro veste uma camiseta guayabera branca, com a gola colorida, com as cores da bandeira venezuelana. Naturalmente elegante, de imponente estatura –mede mais de 1,90 –, ele é um homem tranquilo, afável, sereno, dotado de um senso de humor muito fino.
Em seu curto discurso, ele denuncia a “indolência” de muitos dos seus próprios colaboradores no governo, ou das administrações locais. Os cidadãos presentes aplaudem com entusiasmo essas críticas, e celebram com fortes gritos quando o presidente aponta suas palavras contra a corrupções, prometendo castigar sem trégua, “doa a quem doer”.
Alterna comentários afáveis, quase pessoais, dirigidos a algumas das famílias (entre elas, um jovem casal em que ambos sofrem de deficiência auditiva, e seu bebê) que recebem as chaves de seus novos apartamentos junto com reflexões profundas sobre a política econômica nacional ou as relações internacionais. Mais ou menos como fazia o Comandante Hugo Chávez. Seu estilo oscila desde o pessoal e o coletivo, do concreto ao geral, da práxis à teoria. Sempre dando uma impressão de leveza, nunca forçado, pedagógico.
No dia seguinte, nos encontramos em sua mesa de trabalho, no palácio de governo. Exatamente naquela mesma sala onde Chávez, há quase seis anos atrás, escolheu Maduro como seu continuador. Hoje, o presidente chega trajando uma elegante camisa de color azul intenso, e um pacote de livros debaixo do braço, como de costume, e os coloca numa mesinha que nos separa.
Era dia 27 de dezembro. Nos cumprimentamos enquanto a equipe de filmagem termina de preparar o set. Caminhamos um pouco, conversando pelo pátio do edifício, pelos belos jardins, sobriamente adornados com decorações de natal.
Carta Maior
Embora seja uma entrevista para a imprensa escrita, devemos tomar fotos do nosso encontro e fazer algumas imagens em vídeo de passagens importantes. Quando está tudo pronto, começamos:
Ignacio Ramonet: Boa tarde, presidente. Obrigado por nos receber. Nesta entrevista, vamos abordar essencialmente três temas: política, economia e assuntos internacionais.
Comecemos pela política. Talvez, o principal evento político do ano de 2018 foi a sua reeleição em 20 de maio, com mais de seis milhões de votos obtidos e uma porcentagem superior aos 40% de diferença com relação ao principal candidato opositor, Henri Falcón. Como você explica esse apoio tão massivo, pela segunda vez, e agora em num contexto tão difícil para os cidadãos, criado pela guerra econômica e as sanções financeiras impostas por Washington?
Nicolás Maduro: Efetivamente, o povo da Venezuela entregou à Revolução Bolivariana, ao chavismo – que é uma força política e social real, que existe nas ruas, nos bairros, nos campos, nas cidades e nos povoados – o seu apoio, e entregou também, mas devo dizer isso com humildade, à minha candidatura, um apoio maior, em termos percentuais, que o de qualquer outro candidato em qualquer outra eleição presidencial da história da Venezuela.
Já vínhamos notando algo nesse sentido, desde a vitória da opção pela paz na eleição para a assembleia constituinte, em julho de 2017, que iniciou uma sequência de vitórias eleitorais do nosso setor, uma recuperação evidente da nossa força eleitoral, o que significa também a consolidação da confiança na unidade revolucionária — recebemos o apoio de todos os partidos do Grande Polo Patriótico e de uma infinidade de movimentos sociais, o que levou a um crescimento organizado do nosso Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), que é o partido político com o maior número de filiados em toda a América Latina.
Me atrevo a dizer que esse bom resultado se explica também pela maturidade e sabedoria demonstrada pelo nosso povo, em meio à mais brutal agressão que já sofremos desde a guerra pela nossa independência. O povo cresceu em consciência e como força organizada, graças ao patriotismo, que permite enfrentar essa guerra psicológica e a ilegal e ilegítima guerra econômica perpetrada pelo império norte-americano, junto com seus governos satélites neste continente e na Europa, para tentar nos destruir. O resultado dessa hostilidade é a resistência demonstrada pelos cidadãos e cidadãs, em sua determinação em seguir sendo livres, independentes e soberanos.
Outro fator fundamental, determinante, é que em meio às dificuldades e hostilidades econômicas e financeiras, a Revolução Bolivariana atendeu às necessidades da sociedade venezuelana. Aqui não foi fechada uma só escola, nenhuma universidade. Pelo contrário, aumentamos o número de estudantes da educação pública. Aqui continuamos atendendo de forma gratuita a saúde de todo o povo. Protegemos, com muita força e determinação, o salário e o emprego de todas e todos. A cada três semanas, aproximadamente, levamos o alimento básico, as já famosas “caixas CLAP”, para seis milhões de lares na Venezuela. Elas são entregues diretamente nas casas das pessoas.
Nas paredes de Caracas você pode ver pinturas, grafites nos muros, que talvez resumam o que eu estou dizendo. “Voto por quem aumenta o meu salário, não por quem encarece os produtos”, diz uma delas. Talvez isso explique porque a Revolução Bolivariana se encontra hoje mais robusta, viva e amalgamada em um só esforço construtivo.
Em 10 de janeiro de 2019, começa seu novo mandato presidencial de seis anos. Alguns governos que não reconheceram os resultados das eleições presidenciais de 20 de maio ameaçam desconhecê-lo como presidente constitucional da Venezuela. O que você responde sobre isso?
Bom, em primeiro lugar, que a Venezuela é um país que forjou, ao longo de sua história, uma identidade, um carácter republicano, que marcaram a sua independência e, agora, a nossa Revolução Bolivariana. A Venezuela é regida por uma Constituição que é a mais democrática que já existiu em nossa história. Aprovada pelo nosso povo há 19 anos, em um referendo democrático. Essa Constituição está cumprindo seu papel de forma impecável neste período em que está vigente.
Em 2018, tivemos duas campanhas eleitorais totalmente transparentes, regidas pelas instituições eleitorais do país. Devo recordar que o Poder Eleitoral, na Venezuela, é um poder público, o quinto poder público. E esse poder utilizou toda a sua logística, seus sistemas eletrônicos do mais alto nível de transparência, reconhecido pelas personalidades internacionais de indiscutível prestígio, como o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, que afirmou em seu momento que “o sistema eleitoral venezuelano é o mais transparente e limpo já viu no mundo, o mais perfeito”.
As eleições presidenciais de 20 de maio de 2018 foram realizadas segundo as regras estabelecidas por observadores nacionais e internacionais. E nosso povo tomou uma decisão. As decisões sobre a Venezuela não cabem aos governos estrangeiros. Não somos um país sob intervenção, à mercê de nenhum império. Nem mesmo pelo império do Norte ou seus satélites na América Latina e no Caribe, ou na Europa. A Venezuela é governada soberanamente pelo seu povo. É o povo que decidiu, de forma bastante contundente, que nós tivéssemos 68% dos votos. Você mesmo dizia, foram mais de quatro milhões de votos de vantagem sobre o candidato mais votado da oposição.
Portanto, o povo fez sua escolha. Nós vamos cumprir com a decisão do povo. Não existe a possibilidade de que um governo estrangeiro diga uma palavra e se atreva a desconhecer a legitimidade constitucional e democrática do governo, que presidirei do dia 10 de janeiro de 2019 até 19 de janeiro de 2025. Tenho o plano, o projeto e a experiência. Conto com o povo, com a união civil-militar, e sobretudo, com legitimidade constitucional, que é o mais importante.
Me permita enfatizar isso: as pressões e agressões do império norte-americano e seus governos satélites não significam nada diante da voz do nosso povo. Nossa democracia possui uma fortaleza real, que se expressou nas 25 eleições realizadas nos últimos 20 anos… Vale lembrar que essas duas décadas de Revolução Bolivariana tiveram mais que o triplo de eleições realizadas pelos Estados Unidos no mesmo período.
Na campanha eleitoral de abril e maio de 2018, que durou 21 dias, visitei todos os 23 estados da Venezuela, várias vezes. Ao povo que foi às ruas e às urnas, nós perguntamos: “em quem você votaria para presidente, para mandar na Venezuela? Em Washington ou Caracas? Miami ou Maracaibo?” E a resposta enérgica de todo o povo, incluindo o que vota pela oposição, é que nós temos o direito indiscutível de eleger os nossos governantes. Nada nem ninguém vai mudar esse direito elementar e sagrado.
Aqueles que se molestem com isso devem saber que a Venezuela tem uma longa tradição de não intromissão em assuntos de outros Estados. A Revolução Bolivariana foi solidária com todos os países do nosso continente, e também com os do mundo, quando foi solicitada a ajuda às nações vítimas de catástrofes naturais ou de outra índole. O que nós queremos em troca é a reciprocidade. Sermos respeitados tal e como somos: soberanos e independentes.
Embora você não tenha deixado de apelar ao diálogo democrático, o grupo opositor mais importante – reunido no seio da chamada Mesa da Unidade Democrática (MUD) – decidiu não participar das eleições de 20 de maio. O resultado é que hoje a MUD se encontra fragmentada, eu diria até autodissolvida. Que opinião você tem a respeito dessa oposição?
Eu convoquei a oposição venezuelana a um diálogo político em mais de trezentas ocasiões. Isso sem contar o diálogo permanente que o meu governo mantém com os setores privados, e com a sociedade em general. Este diálogo não busca convencer ninguém a assumir os nossos modelos. Entendemos que há formas muito diferentes de ver a vida, que são propostas confrontadas para assumir os desafios da nossa sociedade. Nosso empenho sempre consistiu em fortalecer a convivência política pacífica das forças políticas da Venezuela.
Mas todos esses esforços de diálogo foram boicotados pela embaixada dos Estados Unidos na Venezuela. Algum dia saberemos das visitas que o encarregado de negócios da embaixada norte-americana fez, casa por casa, a cada um dos pré-candidatos da oposição, para obrigá-los a não participar das eleições presidenciais de 20 de maio. Convenceu a quase todos, com exceção dos dois que finalmente disputaram (Henry Falcón e Javier Bertucci) e obtiveram a votação que nós vimos.
Você não sabe como eu ficaria feliz se pudéssemos contar com uma oposição na Venezuela que se mantivesse apegada à política, que se afastasse de aventuras conspirativas e golpistas, que defendesse uma voz própria, e não a voz autoritária da embaixada gringa.
No marco da Revolução Bolivariana, qual é o espaço político do qual dispõe a oposição? Em outras palavras: a Revolução aceitaria que a oposição ganhasse as eleições presidenciais?
A oposição na Venezuela conta com todas as garantias que a Constituição estabelece para o livre exercício da política. E digo mais, das 25 eleições que houve na Venezuela durante as duas décadas da Revolução Bolivariana, nós vencemos 23, é verdade, mas também perdemos duas: a da reforma constitucional de 2007 e as legislativas de 2015. Quando perdemos, reconhecemos imediatamente a nossa derrota, minutos depois da emissão do resultado oficial por parte do Conselho Eleitora. Chávez em 2007, e eu mesmo em 2015, reconhecemos o resultado e pedimos ao povo para respeitá-lo em paz.
Eu dei meu discurso à nação, em janeiro de 2016, diante da Assembleia Nacional de maioria opositora, presidida pelo líder da oposição Henry Ramos Allup. E qual foi a resposta da direita, estimulada por sua vitória eleitoral? Dizer que me derrubariam do poder em seis meses, violando a Constituição e o mandato eleitoral outorgado pelo povo.
Já não medem as consequências dos seus atos. Agora, temos uma oposição fragmentada, dividida, com seus dirigentes se odiando mutuamente, e muito diminuída em sua força política. Quero dizer com isso que sempre reconhecemos todos os resultados eleitorais, quando ganhamos e quando perdemos. A oposição exerceu o poder regional e local naquelas eleições de governador e de prefeito, nas que terminou sendo favorecida, com o mesmo sistema automatizado que está vigente na Venezuela desde 2004.
O problema é que eles reconhecem as decisões eleitorais quando ganham. Não reconheceram o resultado do Referendo Revogatório de 2004, e isso que Chávez ganhou com 20 pontos de diferença. Nem o da presidencial de 2006, quando Chávez teve 23 pontos de diferença. Nem a minha vitória de 2014, e tampouco a de 2018.
Várias vezes, você qualificou as forças opositoras de “golpistas”, e no dia 4 de agosto acabou sendo vítima de uma espetacular tentativa de magnicídio, com drones carregados de explosivos. O que você pode contar sobre esse atentado?
Efetivamente, no dia 4 de agosto de 2018 nós enfrentamos o que eu nunca pensei que pudesse acontecer: um atentado terrorista com o uso da mais alta tecnologia, para me assassinar. O objetivo não era eliminar somente a minha pessoa. Eles queriam acabar com a Presidência da República e todos os poderes do Estado. Foi um atentado verdadeiramente terrível. Graças aos mecanismos tecnológicos de segurança que dispomos, conseguimos neutralizar o ataque parcialmente.
Utilizaram drones. Um deles voou por cima do palanque onde eu estava, e se colocou de frente para mim, quando eu pronunciava o discurso principal. Depois, se aproximou, e foi abatido pela nossa tecnologia. Se tivesse explodido onde os criminosos queriam, teria causado muito sangue, dor e a morte de muitas pessoas.
Mas havia um segundo drone que, por fortuna, ficou desorientado ao ser interceptado pela nossa tecnologia de proteção, e explodiu. Era o drone mais poderoso, porque trazia uma carga de C4, um explosivo plástico de uso bélico. Esse drone explodiu perto de um edifício de apartamentos que se encontrava nos arredores do palanque principal. Fez um estrondo enorme e um buraco também gigantesco no muro exterior do edifício, e inclusive chegou a causar um incêndio em um dos apartamentos. A missão desse drone era fazer o ataque final, vindo de cima, depois que o primeiro drone tivesse destruído frontalmente o palanque principal.
Tivemos a capacidade – junto com o povo venezuelano, as forças de segurança e de inteligência, além da polícia – de capturar rapidamente os autores materiais. Logo, fomos encontrando os demais autores, que trabalharam de longe. E assim pudemos desvendar também a identidade dos autores intelectuais e financiadores do ataque.
O atentado foi orquestrado em Bogotá, pelo presidente Juan Manuel Santos, cujo mandato terminava curiosamente três dias depois do ataque terrorista, no dia 7 de agosto. Contou com a participação direta do ex-deputado Julio Borges, dirigente da oposição venezuelana. Tudo foi preparado na Colômbia. Os operadores diretos dos drones foram treinados lá. Os drones e seus explosivos foram preparados lá, tudo sob a direção do governo do então presidente Santos.
A Casa Branca tinha conhecimento do ataque. Não tenho nenhuma dúvida. Por trás do ataque houve um “sim”, um “ok” de Washington. Sabemos que John Bolton, atual conselheiro de segurança nacional do presidente Donald Trump, está dirigindo planos para me assassinar. Já denunciei isso outras vezes. Bolton sabia de tudo e deu o seu “ok”. Washington e Bogotá mantêm uma política permanente de terrorismo contra nós.
Por isso me acusam de “ditador”. Quando chamam um dirigente progressista de “ditador” e fazem uma campanha mundial tão absurda… e toda a direita e a extrema direita mundiais retomam a acusação de “ditador” contra Maduro, um dirigente sindical, um homem do povo, forjado nas lutas dos bairros caraquenhos, nas lutas do movimento estudantil, nas lutas pela Constituinte, nos debates parlamentares, forjado na frente diplomática… quando alguém como eu é acusado de “ditador”, e quando acusam a Venezuela de “ditadura”, é para depois justificar qualquer coisa contra o nosso país. Há uma conspiração permanente da oligarquia colombiana e do império estadunidense contra a Revolução Bolivariana.
O melhor que posso dizer desse atentado é que Deus me salvou. Estabeleceu em torno de mim um manto protetor. A minha Virgem da Chinita, muito milagrosa, padroeira da Guarda Nacional Bolivariana, também me salvou. De qualquer forma, aqui nós estamos protegidos, comprometidos e dispostos a seguir na luta. Obviamente, com medidas especiais de segurança, para que os planos criminosos dessa gente nunca funcionem.
Em reiteradas ocasiões, o Presidente Chávez e você mesmo, inclusive nesta entrevista, falaram da necessidade de contar com uma oposição democrática, que abandone a linha golpista e sua subordinação às potências estrangeiras. Considera que houve algum avanço nesse sentido em 2018?
Na Venezuela, a oposição, o partido MUD, lamentavelmente, vem se desestruturando. Estou convencido de que a causa principal desse desmoronamento é a sua dependência das políticas de Washington e de Bogotá. Não é uma oposição nacional, não tem uma política em função dos interesses nacionais, de um pensamento ou de uma doutrina nacional. É uma oposição financiada, mantida e dirigida diretamente de Washington e Bogotá, como se fosse um drone. E isso os está matando, porque ficaram acostumados a não pensar com a própria cabeça. Não têm capacidade para tomar decisões.
Basta ver o lamentável espetáculo que deram no último processo de Diálogo Nacional, quando se planteou a inscrição de candidaturas para as eleições presidenciais de 20 de maio de 2018. A maioria atuou de acordo com o discurso das forças internacionais da direita e do imperialismo norte-americano. Aquilo foi lamentável, porque a Venezuela precisa de uma oposição política. Já fiz vários apelos ao diálogo, centenas de vezes. E me mantenho firme: qualquer setor da oposição que queira dialogar me encontrará de braços abertos, com a mente aberta, pronto para conversar sobre o futuro do país.
Creio profundamente que, mais cedo ou mais tarde, se instalará na Venezuela um diálogo político diversificado, com todas as forças ideológicas dessa oposição. Tenho essa fé. E trabalharei para conseguir esse objetivo. Para que, a Venezuela, em 2019, tenha um diálogo político frutífero, que permita reconstruir uma oposição autêntica, porque o nosso país precisa disso para ter paz, para ter tranquilidade, e uma democracia diversa como todos queremos que seja.
Vários líderes da oposição se uniram em uma campanha internacional de desprestigio contra o seu governo, acusando-o de manter “presos políticos”. Como você responde a estas graves críticas?
Veja, aqui há pessoas que estão presas por estarem acusadas de cometer delitos como envolvimento em golpes de Estado e tentativas de golpes militares, inclusive de tentativa de magnicídio, como a do dia 4 de agosto, do qual falamos nesta mesma entrevista. E essas pessoas precisam responder diante da justiça pelo que fizeram, mesmo que sejam políticos opositores. Não vamos confundir um político preso com um preso político. É assim na Venezuela e em qualquer país do mundo.
Imagine você, por um momento, que um político, seja ele deputado, prefeito, vereador, ou ex-ministro, tente assassinar o Presidente da França, ou dar um golpe de Estado contra o Presidente da Espanha, qual seria a resposta legal que receberiam por parte dos tribunais desses Estados? Pois bem, na Venezuela, há um Estado de Direito que deve ser respeitado por todos.
Digo mais, como resultado do diálogo com a oposição em 2017, uma Comissão da Verdade foi nomeada pela Assembleia Nacional Constituinte, que entregou generosas medidas substitutivas e benefícios a quase todos os acusados que atuaram contra a Constituição e as leis, desde o golpe de Estado de 2002 até as ações violentas (como os protestos incendiários de 2014 e de 2017), com exceção daqueles que cometeram delitos graves, como homicídio e narcotráfico.
Na Venezuela, existem atualmente duas assembleias legislativas. Por uma parte, a Assembleia Nacional surgida das eleições de 2016 e dominada pela oposição, mas que foi declarada pelo Tribunal Supremo de Justiça como “em desacato”. E por outra parte, a Assembleia Nacional Constituinte, surgida das eleições de 30 de julho de 2017 e dominada pelo governismo, mas que várias potências internacionais não reconhecem. Como você crê que essa situação pode ser resolvida?
Realmente, são duas figuras de representação popular claramente estabelecidas na Constituição, e com funções específicas, também contidas na letra constitucional.
Por um lado, o poder legislativo, que desacatou de maneira flagrante uma disposição do máximo tribunal da República, obrigando este tribunal a uma ação de resguardo constitucional, que se supera no mesmo momento em que a Assembleia Nacional se retifique e acate a decisão da sala constitucional.
Por outro lado, atendendo a iniciativa que me é outorgada pela Constituição, em seu artigo 348, convoquei a eleição da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) pelo voto popular, em um contexto no qual a direita havia levado setores do país a uma grave onda de violência homicida, com mais de 130 mortos, pessoas queimadas vivas por sua cor de pele, crianças induzidas a agir com violência sob o efeito de drogas… em suma, uma situação muito lamentável e dolorosa. Pois bem, foi sábia e balsâmica a eleição da ANC. Trouxe paz ao país.
Em idênticas circunstâncias, eu tomaria a mesma decisão, não tenha dúvidas. Agora, a ANC se encontra cumprindo com a função constitucional estabelecida, de transformar o Estado, criar um novo ordenamento jurídico e redigir uma nova Constituição.
Bem, passemos a abordar agora alguns temas de economia. Uma vez superado o cenário da violência política, a batalha econômica, e em particular a luta contra a inflação, se apresentam como as principais tarefas nacionais para o ano de 2019. Que balanço você faz do Plano de Recuperação Econômica, Crescimento e Prosperidade, lançado em 20 de agosto passado? Quais são as perspectivas para 2019?
Creio que o principal resultado do Programa de Recuperação Econômica, Crescimento e Prosperidade é que retomamos as rédeas do que é um plano de crescimento e recuperação. Temos a fórmula para a proteção do emprego e da renda dos trabalhadores, para o crescimento organizado dos setores fundamentais da economia.
Estamos em melhores condições para enfrentar a batalha crua e dura contra as sanções internacionais que fizeram a Venezuela perder pelo menos 20 bilhões de dólares só durante o ano de 2018… são perdas multimilionárias, colossais. Somos perseguidos através de nossas contas bancárias, impedidos de fazer compras de qualquer produto no mundo, alimentos, medicinas, materiais básicos… é uma perseguição selvagem, um acosso criminoso que está sendo feito contra o povo da Venezuela.
Sem falar do bloqueio financeiro, que é mais que um bloqueio, porque um bloqueio, às vezes, pode ser só uma barreira aqui, e você não pode passar só por essa via, mas o que nós vivemos é mais do que isso, é uma autêntica perseguição das contas bancárias, dos negócios que a Venezuela realiza no mundo, do nosso comércio, das nossas compras.
Por exemplo, Euroclear (um dos maiores sistemas de compensação e liquidação de valores financeiros do mundo, cuja sede está em Bruxelas) sequestrou 1,4 milhão de euros que tínhamos já comprometidos para comprar medicinas, materiais e alimentos. E ninguém responde por isso. Denunciamos esta situação às Nações Unidas, diante do secretário-geral do organismo, além de outras organizações internacionais, mas ninguém se atreve a dizer nada.
Então, nós temos uma luta pela de outro jeito, pela nossa liberação, nossa independência de toda essa perseguição e bloqueio. E isso só se consegue através da produção de riquezas.
Estou bastante empenhado na elevação da produção petroleira, na elevação da capacidade da Venezuela em sua produção petroquímica, na produção de ouro, de diamantes, na elevação da produção de ferro, aço, alumínio, etc.
Riquezas abundantes que a Venezuela possui e que, devido à perseguição internacional decretada pelos Estados Unidos, são matérias primas que têm um mercado internacional sem nenhum tipo de restrição.
Devo agregar que os ataques contra nós são constantes, impiedosos. E não são somente econômicos. Por exemplo, agora, com as festas de fim de ano, chegaram do exterior, cruzando a fronteira, dezenas de comandos terroristas especializados em sabotagens elétricas. Queimam transformadores, cortam cabos de alta tensão, dinamitam as centrais elétricas, deixam bairros inteiros, às vezes cidades inteiras sem luz, sem energia para as indústrias, os congeladores, os transportes, os hospitais… colocam vidas em risco. Amargam as festas de milhares de famílias.
Outros comandos se infiltraram com o objetivo de provocar cortes na distribuição de água. Destroem encanamentos, provocam cortes de água, complicando a vida cotidiana de centenas de famílias. Outros terroristas sabotam os transportes públicos, e também há um outro grupo especializado em fazer desaparecer cédulas de dinheiro em papel, levadas massivamente para a Colômbia.
São atos criminosos que nós qualificamos como “terroristas”. Nossas forças de segurança estão distribuídas por todo o país e são cada dia mais eficazes no combate a essas ações. Já prendemos dezenas desses comandos mercenários, mas eles continuam chegando, porque os recursos dos nossos inimigos são infinitos.
Devo dizer com admiração que o povo venezuelano enfrenta todas estas agressões com uma consciência política assombrosa. Muito determinado a resistir, com o apoio decidido das nossas forças de segurança, mesmo tendo que lidar com ataques tão covardes.
Por isso digo que o povo da Venezuela está sendo vítima de uma perseguição feroz, e me atrevo a comparar com a perseguição de Hitler contra os judeus, pedindo licença à comunidade judia mundial. Somos perseguidos sem piedade. Nos assediam, nos acossam com obsessão, com sadismo, através dos planos dos Estados Unidos que visam nos destruir economicamente, nos asfixiar, nos estrangular, e assim nos derrotar.
Mas não conseguiram, e nunca conseguirão. Creio que com esse Programa de Recuperação Econômica, Crescimento e Prosperidade, no ano de 2019 haverá grandes surpresas, muito positivas, com respeito à elevação da produção e a criação de riquezas diversas para o país e para a população. Decididamente, nossa economia vai decolar, graças ao controle da inflação e dos elementos que vinham perturbando a vida dos venezuelanos nos últimos anos.
Segundo nossas informações, a produção de petróleo da Venezuela se situa em torno a 1,2 milhão de barris diários, ou seja, abaixo da produção esperada. Qual é a situação real da empresa estatal de petróleos PDVSA?
Estamos empreendendo um processo de defesa dos preços internacionais do petróleo, e meu governo vem se empenhando nisso. Apesar de que uma das formas de agressão multiforme contra as economias como Rússia, Irã e Venezuela, para mencionar alguns dos grandes exportadores, seja pela via da manipulação de formas perigosas de produção, o chamado fracking do petróleo de xisto, além da especulação financeira nos contratos a futuro, para baixar os preços de modo artificial.
Nós procuramos e defendemos um preço de equilíbrio, que favoreça tanto os produtores quanto os consumidores. E seguiremos atuando dessa forma, no marco do acordo de países produtores, sejam eles membros ou não da OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo).
Sobre a sua pergunta específica, confesso: é verdade, a Venezuela está produzindo menos petróleo do que deveria, e essa tem sido uma das minhas maiores preocupações. Lamentavelmente, há verdadeiras máfias alojadas no seio da PDVSA (a estatal Petróleos da Venezuela SA). A maldita corrupção que, como um câncer, vem minando nossa força e impede aumentar a produção de petróleo. Mas temos enfrentado esse problema com ímpeto, com determinação.
Colocamos toda a informação à disposição da justiça, e estão sendo processados vários gerentes corruptos e altos funcionários que traíram nossa confiança, sua palavra de honra e sua lealdade, se tornando meros ladrões.
Estou seguro de que 2019 será o ano da recuperação da produção petroleira, com uma PDVSA honesta e com empresas privadas que, pela via da conformação de empresas mistas e de contratos de serviços, estão produzindo e acelerando este esforço.
O que você responde aos meios internacionais que fazem campanha contra o seu governo, falando sobre a “carência crônica” de alimentos básicos, de “penúria”, pela falta de medicamentos de primeira necessidade, e que denunciam a existência de uma “crise humanitária”?
Ficou demonstrado, por parte de investigadores sérios, a realidade da brutal e infame campanha psicológica e midiática dos centros imperiais contra a Venezuela e contra o povo venezuelano. Querem derrubar a nossa moral e nossa inquebrantável decisão de ser independentes e livres.
De todas as notícias publicadas sobre a Venezuela em meios dos Estados Unidos e da Europa, 98% são notícias negativas. Eu disse 98%!! Uma barbaridade. Como já mencionei antes, eles não contam que seis milhões de lares venezuelanos recebem, de forma quase gratuita, os alimentos essenciais para a família, a cada semana. Omitem o fato de que estamos garantindo a alimentação para o povo, como reconhecem os organismos multilaterais como a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). Não mencionam que, nestas semanas de vésperas de festas, nosso governo distribuiu cerca de 14 milhões de brinquedos para crianças de famílias humildes, ou que entregamos dois milhões e meio de moradias sociais… você foi ontem no evento e testemunhou isso. Em que país foi realizada uma obra semelhante?
Ocultam o fato de que estamos enfrentando uma duríssima guerra econômica e um bloqueio promovido pelo império norte-americano e por alguns países da Europa. Omitem a indicação de que quase toda a população da Venezuela tem acesso à atenção médica, gratuita e de qualidade. Não há um lugar da Venezuela que não tenha atenção dos nossos médicos da Operação Bairro Adentro. Não falam que toda a população tem acesso à educação gratuita e de qualidade desde a pré-escola até a universidade e a pós-graduação. Não parece algo estranho, Ramonet, que nós consigamos aumentar a matrícula escolar nesse suposto contexto “catastrófico” que tentam difundir?
A resposta a essas patranhas foi sugerida em 2015 pelo general John Kelly (atual chefe de gabinete do presidente Donald Trump e ex-secretário de Segurança Nacional, que em 2015 era comandante do Comando Sul dos Estados Unidos), quando disse que Washington “promoveria algum tipo de intervenção” na Venezuela no caso de que se apresentasse uma “crise humanitária”.
Não negamos os problemas que há em nosso país. Pelo contrário, os enfrentamos, os discutimos com o nosso povo e estamos decididos a resolvê-los. Se os Estados Unidos querem nos ajudar, poderiam começar por não serem hipócritas. Poderiam liberar os recursos que nos roubaram na Euroclear, o 1,4 milhão de euros. Poderiam nos permitir o acesso ao crédito do sistema financeiro internacional ao qual todos os Estados do mundo têm direito. E veja que a Venezuela é uma boa pagadora: nos primeiros cinco anos do meu governo, pagamos mais de 70 bilhões de dólares. Pois bem, apesar da nossa condição de bons pagadores, a Venezuela teve seu acesso ao crédito internacional negado, é perseguida e tem suas contas bancárias fechadas de forma ilegal, abusiva, ilegítima, injusta.
Ao longo do ano de 2018, alguns meios internacionais difundiram imagens de venezuelanos “fugindo” do seu país por causa da suposta “derrubada econômica”, e da “crise humanitária”. Se fala em “milhões de emigrantes”, e vários países vizinhos, receptores dessa emigração – e incitados por Estados Unidos, União Europeia e Canadá – estão pedindo por ajudas internacionais para os supostos “gastos de atenção” a esses migrantes. Que reflexão esses fenômenos merecem?
Esses fenômenos, como você mesmo observa, foram construídos, em parte, com base em fake news, com “verdades alternativas” e outras formas de desinformação fabricadas com a cumplicidade ativa de vários conglomerados de meios de comunicação.
Sobre uma base mínima de realidade, que ninguém nega, alguns bons roteiristas elaboraram um relato antichavista para multidões. Se trata de uma gigantesca operação de manipulação coordenada pelos campeões mundiais dessa categoria: o governo da Colômbia, acompanhado por outros países satélites do imperialismo norte-americano.
É uma história bastante triste. Dá muita pena. Por um lado, esses ilusionistas estafaram um grupo de venezuelanos, e aproveito de denunciar isso, porque esse número jamais alcançou nem de perto as cifras mentirosas que os grandes meios repetem mil vezes. Nós, insisto, não negamos que um grupo de venezuelanos saiu do país comprando essa oferta enganosa de “melhores condições de vida e de trabalho”. Foi um grupo atípico, para dizer de alguma forma, porque os que saíram o fizeram levando dinheiro: uns tinham 10 mil dólares, outros 20 mil dólares, e até mesmo quantidades maiores… e se dirigiam a países como Peru, Colômbia, Equador e Chile… lá, se encontraram com a brutal realidade do capitalismo selvagem, a xenofobia, o ódio racial… muito tiveram seu dinheiro roubado, outros foram maltratados, humilhados e submetidos a trabalho escravo.
Em paralelo, os propagandistas elaboravam o expediente mentiroso da “migração massiva” e da “crise humanitária”, afirmando coisas francamente absurdas, mentiras flagrantes… chegaram, por exemplo, a repetir que entrava um milhão de venezuelanos no Equador todos os meses. Fiz um pequeno exercício de aritmética: sabe quantos ônibus seriam precisos diariamente para transportar essa quantidade de pessoas ao Equador? Cerca de 800 viagens diárias! Você imagina 800 ônibus viajando todos os dias e entrando pela fronteira equatoriana pela via terrestre? Ademais, onde estão as fotografias mostrando esse milhão de pessoas? Todo mundo vê as milhares de pessoas caminhando em direção aos Estados Unidos provenientes de Honduras. Todos vimos que era uma fila imensa… e, no entanto, se tratava de apenas 8 ou 9 mil pessoas. Você imagina uma fila de cem mil migrantes? Uma fila de 800 ônibus diários? Colapsando as ruas de Quito? Onde estão as imagens dessas filas.
É incrível ver como as pessoas pensantes acreditam em mentiras de semelhante calibre. Mas esse é justamente o propósito da manipulação da verdade e das fake news: semear a mentira para que esta se imponha sobre a razão e a verdade.
Ademais, o governo da Colômbia e seu presidente, Iván Duque, num insólito rompante de desfaçatez, estão tentando tirar dinheiro da operação. É incrível, não? Dinheiro que, certamente, será desviado pela corrupção. E ainda há quem se pergunte, no Congresso dos Estados Unidos, o que foi que o governo da Colômbia fez com os 72 bilhões de dólares que Washington enviou, em nome da chamada “luta contra as drogas”. O que fizeram com esses bilhões? Eu posso dizer com certeza: desviaram.
A Colômbia continua sendo o maior país produtor de cocaína do mundo, e os cultivos ilícitos só aumentam. É incrível que o presidente Duque esteja buscando estafar a comunidade internacional e o sistema multilateral com as patranhas que ele mesmo inventou. Poderia se preocupar, por exemplo, com os seus próprios cidadãos, os colombianos, que pouco mais de cem dias depois da sua toma posse já o repudiam amplamente.
Poderia se preocupar, por exemplo, com os colombianos que vivem na Venezuela… você sabia que aqui, em nossa pátria nós acolhemos cerca de seis milhões de irmãs e irmãos da Colômbia? Estamos falando de cerca de 12% da população colombiana, que vive na Venezuela! Aqui eles têm segurança, trabalho, alimentação, educação, atenção médica gratuita e sobretudo paz, nós garantimos o seu direito à vida digna. Jamais pedimos um centavo a ninguém pelo trabalho de atender os milhões de irmãos colombianos, peruanos, equatorianos, chilenos, brasileiros, espanhóis, portugueses, italianos, libaneses, pessoas que chegaram a esta pátria venezuelana. Aqui os recebemos com os braços abertos.
Enfim, toda essa patranha da “migração massiva” já caiu por terra… caiu a máscara… e ocorreu algo ainda mais insólito… não me lembro se algo assim já aconteceu em outro lugar: em meados de 2018, começamos a ver grandes concentrações de compatriotas nossos nas portas da nossas embaixadas e consulados no Peru, no Equador, no Brasil, na Colômbia, etc. Compatriotas clamando por regressar à Venezuela, cansados do racismo, da xenofobia, das estafas, da precarização, da vida ruim, do trabalho escravo.
Foi aí que nós imaginamos o plano Volta à Pátria. Já são mais de 20 mil venezuelanos que retornaram, e seguiremos facilitando esse retorno de todas e todos que desejem fazê-lo. Aqui os esperamos para seguir juntos, construindo nossa pátria bonita.
Vários governos latino-americanos, de esquerda e de direita, foram acusados recentemente de estarem envolvidos em importantes tramas de corrupção, ligadas em particular com o Caso Odebrecht. Qual seria, para você, o nível de corrupção na Venezuela? Que medidas foram tomadas em seu governo para combater essa corrupção?
Escute bem o que vou te contar, Ramonet: não existe, na história da Venezuela, um processo e um governo que combateu a corrupção, em seu carácter estrutural, com maior rigor que os da Revolução Bolivariana, os governos de Hugo Chávez e o meu. Não ignoro que uma das frentes de ataque dos nossos adversários consiste em nos acusar de leniência com a corrupção. Isso é absolutamente falso.
Eu denuncio a corrupção em cada um dos meus discursos. Você me escutou no discurso de ontem… sou o primeiro em reconhecer que há muita corrupção, que há muitos bandidos por aí no serviço público, roubando, estafando e aproveitando a boa fé do povo. Eu já denunciei os casos, com a maior severidade, o fiz de novo, recentemente, no dia 20 de dezembro, em audiência no Congresso Bolivariano dos Povos, onde foi proposta a criação de um plano de luta contra a corrupção e a burocracia. O que nunca se havia feito na Venezuela.
Não são só palavras ou discursos, Ramonet. Nós empreendemos, com uma ferramenta da justiça e do Estado, uma autêntica cruzada contra a corrupção e contra a indolência. Conseguimos fazer com que o Ministério Público (Promotoria Geral do Estado e da Nação) processe e prenda dezenas e dezenas de altos funcionários e representantes de alto nível de empresas privadas que desonraram seu juramento de lealdade, honestidade e violaram as leis da República. Para citar só o setor do petróleo, por exemplo, mais de 40 altos gerentes da PDVSA e da Citgo (Citgo Petroleum Corporation, representante da PDVSA nos Estados Unidos) se encontram presos por esses atos de corrupção contra a República. Até mesmo um ex-presidente de PDVSA se encontra condenando e foragido da Justiça por gravíssimos atos de corrupção.
Por isso, duvido que haja governo no mundo que enfrente a corrupção com maior energia e afinco que o nosso, com o que estamos fazendo. Aliás, para este 2019, nós definimos três linhas básicas de ação da revolução e do meu governo em seu novo começo. Em primeiro lugar, a preservação da paz da República, com apego estrito às leis constitucionais e resguardando a tranquilidade contra ameaças internas ou externas. Em segundo lugar, a consolidação do Programa de Recuperação econômica para derrotar a criminosa inflação induzida já neste primeiro semestre de 2019, e fortalecer o aparato produtivo do nosso país.
Em terceiro lugar, uma luta incansável contra a indolência, a negligência, a preguiça, e sobretudo, a corrupção. Pedi ao povo todo o apoio nesta cruzada. Conto com o seu entusiasmo e sua colaboração, para que me acompanhem. Esta é uma causa eminentemente popular, profundamente aprovada pela população. As pessoas sabem que a corrupção é sua inimiga, e inimiga da revolução. Nós vamos erradicá-la. E o povo será testemunha. Derrotaremos a indolência dos funcionários que faltam com suas responsabilidades. Aprofundaremos a batalha contra a corrupção. Venha de onde venha. Doa a quem doer.
Para terminar, vamos a abordar algumas questões internacionais. Nestes últimos seis anos, em vários países da América Latina, vimos como ressurgiu a direita neoliberal. Em sua opinião, este auge das forças conservadoras confirmado pela recente vitória de Jair Bolsonaro no Brasil, é uma tendência duradoura ou se trata de uma simples crise passageira?
Bom, a América Latina é um território em disputa, a qual está baseada na Doutrina Monroe, retomada pela atual administração estadunidense, e nestes últimos anos houve uma ofensiva brutal contra os movimentos populares, contra as lideranças alternativas que, a partir dos Anos 90, enfrentaram e desmontaram o neoliberalismo na América Latina. Recordemos, por exemplo, o presidente Lula da Silva, do Brasil, a presidenta Cristina Fernández de Kirchner, na Argentina, entre outras lideranças importantes. Há uma perseguição em curso contra estes líderes.
Temos que reconhecer que houve um ciclo regressivo das conquistas sociais, dos progressos obtido durante os governos das lideranças progressistas de grande diversidade. Nós sentimos esses efeitos não somente no impacto dessas políticas para o povo, mas também nos processos de privatização. No Brasil, por exemplo, depois do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, começaram a privatizar o petróleo, os serviços públicos, a eletricidade, a água, etc. Privatizaram tudo, de um dia para outro. E agora, com a chegada ao poder do governo de extrema-direita do neofascista Jair Bolsonaro, eles praticamente entregarão o Brasil em bandeja de prata às multinacionais estadunidenses. Realmente, é um processo de triste regressão.
Nessa mesma perspectiva, gostaria de perguntar outra coisa: depois da chegada de Andrés Manuel López Obrador à Presidência do México, você pensa que também se abre uma possibilidade de retorno ao poder das forças populares na América Latina.
Aliás, na mesma linha do que eu vinha dizendo antes, devo agregar que todo o processo de regressão ao qual me referi impulsa e estimula, sem querer, as forças internas que o combatem. Segundo o princípio físico de ação e reação. Em consequência, nós constatamos que, ao lado dessa grande regressão atual em vários países governados hoje por setores neoliberais, se verifica também o fortalecimento da capacidade de ação dos movimentos populares e sociais, nos bairros, no interior, nas cidades. Movimentos urbanos de trabalhadores sem teto, movimentos camponeses de trabalhadores sem terra, movimentos estudantis, universitários, feministas, afrodescendentes, diversidade sexual, etc.
Há um ressurgimento poderoso que, para mim, faz lembrar o renascer dos formidáveis movimentos populares que enfrentaram a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) nos Anos 90. Aqueles movimentos de resistência não tinham maior perspectiva de alcançar o poder político. Quando a Revolução Bolivariana assumiu o poder na Venezuela, mudou as coisas. Então, essa vitória do comandante Hugo Chávez contra a ALCA convenceu os movimentos de resistência de que a conquista do poder político era possível.
Nossa vitória deu um estímulo especial às lutas sociais na América Latina, e abriu o caminho para que viessem outros triunfos eleitorais dos setores populares: a de Lula da Silva no Brasil, a de Néstor Kirchner na Argentina, de Fernando Lugo no Paraguai, da Frente Ampla no Uruguai, de Rafael Correa no Equador, de Evo Morales na Bolívia, da Frente Sandinista e do comandante Daniel Ortega na Nicarágua, de Michelle Bachelet no Chile, de Manuel Zelaya em Honduras, de Salvador Sánchez Cerén e do FMLN (Frente Farabundo Martí de Liberação Nacional) em El Salvador…
Todo esse, digamos, resplandecer das forças populares permitiram que a América Latina e o Caribe tivessem, no começo deste Século XXI, um papel preponderante no cenário geopolítico da esquerda mundial. Hoje, paradoxalmente, a situação é semelhante. Houve alguns retrocessos, devido a ataques inclementes e golpes de Estado dos adversários do progresso e da justiça social. Mas as forças populares, em todo o nosso continente, já estão de novo preparadas para a batalha. E as novas vitórias eleitorais, democráticas, não tardarão em chegar.
Recentemente, você realizou duas importantes visitas a sócios fundamentais da Venezuela. Uma delas foi a Pequim, em setembro. A outra foi a Moscou, em dezembro. Que conclusões você tira dessas viagens, a duas das principais superpotências mundiais e duas firmes aliadas da Revolução Bolivariana.
Bom, desde o início da nossa Revolução, o Comandante Hugo Chávez deu especial importância à consolidação de uma política internacional baseada em relações de respeito e amizade mútuos com todos os povos do mundo, e na conformação do que ele chamava os “anéis da aliança estratégica”, para um planeta diferente ao que nos era imposto pelos polos imperiais. Logo, com sua criatividade política prodigiosa, e em íntima cumplicidade com Fidel Castro, Chávez foi favorecendo a fundação da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) e da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), da PetroCaribe, da TeleSur (canal de televisão e agência de notícias do Sul), da CELAC (Comunidade de Estados de Latino-Americanos e Caribenho)… tudo isso para concretizar um amplo esforço de integração da América Latina.
A relação de Caracas com a China e com a Rússia, dois gigantes econômicos e militares, também foi nutrida diretamente por Chávez e os líderes destas potências, até a situação atual.
Devo dizer que, com Pequim e Moscou, mais que uma relação de sócios, temos uma verdadeira irmandade entre os governos e os povos. O mesmo acontece com outros Estados do mundo árabe, muçulmanos, iranianos, africanos, o oriente distante.
Fui chanceler de Chávez por mais de seis anos e sou testemunha direta de como ele perdia o sono planejando a edificação de um mundo multipolar e descentralizado. Nestes tempos atuais, de brutal agressão do império norte-americano e seus satélites contra nós, os frutos das relações construídas por Chávez são os que nos ajudam.
Permita-me recordar que, neste momento, a Venezuela preside o Movimento de Países Não Alinhados, que é a agrupação de Estados mais importante do planeta depois das Nações Unidas. Por outra parte, quando esta entrevista seja publicada, já em janeiro de 2019, estaremos assumindo a presidência da OPEP, em Viena. As minhas recentes visitas à Rússia e à China, que você lembrou, elevaram o nível das nossas relações ao mais alto possível, e me refiro aos acordos em âmbitos econômicos, comerciais, políticos, militares e culturais com duas das principais superpotências mundiais.
Falemos da Turquia, pois também temos laços de autêntica amizade com o governo do presidente Erdogan. Inclusive, confesso que existe uma amizade até mesmo pessoal entre a minha pessoa e o líder turco. A Venezuela nunca teve um intercâmbio econômico e comercial tão importante, tão diverso e favorável, com uma grande potência histórica como a Turquia.
Hoje, a Venezuela não está sozinha. Ao contrário, cada dia vemos que são os nossos agressores que parecem estar mais isolados, e que são mais diversas e mais vigorosas as nossas relações com o mundo inteiro.
Esta entrevista se publicará em janeiro de 2019, quando estaremos celebrando precisamente o aniversário de número 60 do triunfo da Revolução Cubana. Que importância você acha que essa revolução tem para a história da América Latina?
A Revolução Cubana marcou profundamente a segunda metade do Século XX. Significou e significa uma referência fundamental para todos os povos que lutam pela liberdade, a dignidade, a soberania, a justiça social e o socialismo. Várias gerações de revolucionários, entre elas a minha, sem dúvida, e a dos jovens dos Anos 60, 70 e 80, vimos nas façanhas de Fidel, de Raúl, de Camilo e do Che um farol que iluminou a esperança, em meio à longa noite neocolonial que se instalou em nosso continente americano por mais de um século.
Esse pequeno país, que desafiou o império mais brutal que já se conheceu na história da humanidade, resistiu e continua resistindo às agressões do seu vizinho do norte e de seus lacaios. Um país que tornou realidade os sonhos de redenção, de igualdade, de solidariedade, de construção heroica do socialismo. Que levou a tantos jovens à luta nas ruas, com a esperança recuperada.
Uma revolução que impulsou a unidade latino-americana, esse grande sonho de Simón Bolívar e de José Martí. Sonho de unidade, que jamais pode se esquecer de Porto Rico, nem das Malvinas, os quais também devemos incluir. Sonho tão temido pelas oligarquias genuflexas do continente. Um país que é exemplo de solidariedade internacional. Quantas vidas foram salvas pelos médicos cubanos em todo o mundo?
Eu celebro este 60º aniversário da Revolução Cubana, e agradeço à vida por tantas madrugadas que passei conversando com Fidel, escutando seu verbo pleno de sabedoria, de reflexão, de busca da ideia que permitisse passar à ação. Sempre para fazer o bem. Agradeço ao Comandante Hugo Chávez, porque, junto com Fidel e Raúl, ele construiu um novo começo de dignidade para todo o nosso continente.
No dia 4 de dezembro celebrou-se o aniversário de 20 anos da primeira vitória eleitoral do Comandante Hugo Chávez. Para concluir esta entrevista, desejaria perguntar o seguinte: se tivesse hoje a possibilidade de falar com Chávez sobre a sua própria experiência de quase seis anos de governo, o que você diria a ele?
São tantas as vezes, no meio da batalha, na reflexão de madrugada, depois da árdua jornada, que eu me fiz essas perguntas: “o que teria feito Chávez?”, “como teria abordado tal problema?”. São tantas as conversas íntimas, tantas recordações… por sorte, e disso estou seguro, Chávez estabeleceu conosco, com sua equipe mais próxima, uma relação pedagógica permanente, um processo de formação sobre as imensas dificuldades existentes na construção de um processo revolucionário: os desafios, os obstáculos, os imprevistos, os ataques, as ameaças, as traições… isso nos educou, nos forjou para este momento.
Chávez previu muitos dos eventos que atualmente vivemos. Nos preparou para enfrentá-los. As últimas preocupações que nos transmitiu eram sobre o que ele vislumbrava que seria a “guerra econômica”, essa era uma expressão dele, quando dizia que o inimigo empreenderia esse tipo de ataque contra o nosso país. Uma agressão de novo tipo, com múltiplas frentes, contra o nosso povo. Estava bastante preocupado com o declínio da produção petroleira, por exemplo.
Quando se deu a sua passagem para outro plano, uma imensa solidão tomou conta de nós, mas logo se viu compensada por esses e tantos outros conselhos que ele nos deixou, já prevendo o que iria acontecer. Jamais os esquecemos, e jamais o esqueceremos. Seus exemplos de firmeza e lealdade com os ideais bolivarianos. Essa “revolução bonita” com a qual ele sonhava, com democracia e liberdade, para que desaparecessem o analfabetismo e a fome, e se multiplicassem as artes e a cultura, que houvesse plena saúde, pleno emprego, paz, alegria, progresso, prosperidade e amor. Quando penso na crueldade com a qual o atacaram por ter esse sonho tão bonito, como hoje me atacam, com mais raiva ainda, por desejar o mesmo e continuar aquele sonho de querer semear felicidade…
Por isso eu invoco Chávez diariamente. Da minha maneira, quando preciso, eu o invoco. Como naquele verso do poeta Miguel Hernández, eu digo: “temos que falar de muitas coisas, companheiro de alma, companheiro”.
Entrevista realizada em Caracas, no Palácio de Miraflores, no dia 27 de dezembro de 2018. As respostas foram relidas, revisadas e emendadas pelo entrevistado
*Publicado originalmente em vtv.gob.ve | Tradução de Victor Farinel
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