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“A quem interessa uma intervenção na Venezuela?”, questiona Gleisi Hoffmann

“Não é preciso estar de acordo com Maduro para entender que, no caso de uma intervenção militar, o papel do Brasil, infelizmente, será de bucha de canhão”
Redação Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Após ser duramente criticada por ter ido, a convite do governo eleito da Venezuela, às solenidades da posse de Nicolás Maduro, Gleisi Hoffmann, presidenta do Partido dos Trabalhadores (PT) e senadora (PT-PR), emitiu uma nota nesta segunda-feira (14), no site oficial do partido, se pronunciando sobre o caso, que gerou discórdia nas redes sociais e rendeu uma ação do Movimento Brasil Livre (MBL) contra a senadora.

Maduro assumiu o cargo de presidente da Venezuela para seu segundo mandato, na última quinta-feira (10). Na votação de maio de 2018, ele venceu com 67% dos votos. A cerimônia de posse, realizada no último dia 10, ocorreu em meio a ataques da mídia e do Grupo de Lima, que, em seu recente encontro recebeu pedidos do Peru para que os países participantes “rompessem relações com Caracas”. 

Em nota, Gleisi declarou que “são muito preocupantes os movimentos dos governos Trump e Bolsonaro para desestabilizar o governo eleito de Maduro”. A senadora criticou a retórica de guerra usada, “que há muito tempo não se ouvia em nosso continente” e a narrativa de ditadura e crise humanitária utilizada pelos países de oposição para atacar a Venezuela. “Alguém acha, sinceramente, que os EUA estão preocupados com a democracia e com os direitos humanos na Venezuela?”, pergunta a presidenta do PT.

Confira a íntegra da nota oficial:

Acabo de voltar da Venezuela, onde participei, como presidenta do PT e a convite do governo eleito, das solenidades de posse do presidente Nicolás Maduro. Não me surpreendi com os ataques e reações por parte de quem não compreende princípios como autodeterminação e soberania popular; quem não reconhece que partidos e governos de diferentes países possam dialogar respeitosamente.

Por várias razões, os problemas internos da Venezuela, econômicos, sociais e políticos, têm sido motivo de pressões externas indevidas, que só agravam a situação interna. Mas a posse de Maduro em seu segundo mandato desatou um movimento coordenado de intervenção sobre a Venezuela, patrocinado pelo governo dos Estados Unidos e referendado por governos de direita na América Latina, entre os quais se destaca, pela vergonhosa subserviência a Donald Trump, o de Jair Bolsonaro.

Gostem ou não, Maduro foi eleito com 67% dos votos. O voto na Venezuela é facultativo. Três candidatos de oposição concorreram e as eleições se deram nos marcos legais e constitucionais do país (Constituição de 1999), o que foi atestado por uma comissão externa independente. Um dos membros da comissão, o ex-presidente do governo da Espanha, José Luis Zapatero, declarou: “Não tenho dúvida de que (os venezuelanos) votam livremente”. Como outros países se acham no direito de questionar o voto do povo venezuelano?

Não podemos nos iludir: a ação coordenada contra o governo da Venezuela não passa nem de longe por uma suposta defesa da democracia e da liberdade de oposição na Venezuela. Não há nenhum interesse em ajudar o povo venezuelano a superar seus desafios reais. O que existe é a combinação de interesses econômicos e geopolíticos com jogadas oportunistas de alguns governos, como é o caso, infelizmente, do Brasil.

A Venezuela não é um país qualquer. É a detentora das maiores reservas de petróleo do planeta. O país assumiu, desde 1° de janeiro, a presidência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) no ano de 2019. Desde a eleição de Hugo Chávez, em 1998, a Venezuela vem desafiando os modelos econômicos e políticos excludentes que vigoravam naquele país – e na América Latina – e exercendo cada vez mais fortemente sua soberania.

O interesse dos Estados Unidos e seus aliados de subjugar esse incômodo vizinho e avançar sobre suas reservas estratégicas é notório. Nós já vimos esse filme: a invasão americana no Iraque, em nome de defender os direitos do povo e instalar a democracia, resultou em 250 mil mortos, cidades destruídas, miséria, fome e terror na ocupação. Depois, largaram tudo para trás, deixando um rastro de destruição e desalento, sem antes terem propiciado que suas empresas ganhassem muito dinheiro e, como país, se posicionassem estrategicamente no acesso ao petróleo dos países árabes. Como está o Iraque agora? Melhor ou pior do que estava antes? Tem democracia? Seu povo é mais feliz? Isso não interessa mais. O que interessa é que o império conquistou o que queria.

São muito preocupantes os movimentos dos governos Trump e Bolsonaro, entre outros, para desestabilizar o governo eleito de Maduro e sustentar um governo paralelo da oposição. Usam uma retórica de guerra como há muito não se ouvia em nosso continente. Querem intervir na Venezuela – considerando até uma intervenção militar – com a narrativa de que seria uma ditadura, que os direitos humanos não são respeitados, que há crise humanitária; precisa-se intervir para salvar o povo.

Alguém acha, sinceramente, que os EUA estão preocupados com a democracia e com os direitos humanos na Venezuela? Por que não se preocupam com a fome no Iêmen? Por que tratam as pessoas em processo migratório de forma hostil? Foi a preocupação com os direitos humanos que fez o governo Trump enjaular crianças como animais?

Nossa Constituição e a tradição da diplomacia brasileira defendem a não-intervenção em outros países. É o respeito às nações e à autodeterminação dos povos. Não precisamos adular impérios que se utilizam das crises alheias pra cobrir seus próprios problemas e tirar vantagens políticas e econômicas, fazendo guerras e intervenções. Já assistimos esse filme e ele só traz mais dores. Quando o ex-presidente George W. Bush quis comprometer o Brasil na guerra contra o Iraque, o ex-presidente Lula reagiu com altivez: “Nossa guerra é contra a fome”.

As dificuldades por que passa o povo da Venezuela só foram agravadas pelas sanções e bloqueios econômicos impostos pelos EUA e seus aliados. Nunca é demais lembrar que o governo da Colômbia recusou vender remédio ao governo venezuelano. Assim acontece com outros produtos. A Venezuela é muito dependente de importações. Enquanto bloqueios e sanções permanecerem, o povo sofrerá e migrará, impondo também sofrimento aos que fazem fronteira com o país.

A saída, a solução pacífica para a crise venezuelana, que tem impacto na América Latina, é a negociação política, é conversar com todos os lados. Papel que o Brasil deveria estar fazendo, como já fez com sucesso, e não colocando mais lenha na fogueira.

Esta semana, Bolsonaro se encontrará com o presidente Macri na Argentina. Jornais dizem que primeiro ponto da pauta será a Venezuela. Se tiverem o mínimo de responsabilidade com a paz, a ordem e a boa convivência dos países e povos latino-americanos, proporão diálogo com as partes venezuelanas. Caso contrário, só vamos acelerar a crise. Uma intervenção lá sobrará para todos nós.

Os democratas brasileiros, que se preocupam sinceramente com o destino de nossos
povos, sabem que a intervenção, de qualquer espécie, não é a saída para a crise da Venezuela. E não é preciso estar de acordo com Nicolás Maduro, com seu governo ou com os processos institucionais venezuelanos para entender que, no caso de uma intervenção militar, o papel do Brasil, infelizmente, será de bucha-de-canhão.

Não deixe de assistir o programa especial da Tv Diálogos do Sul sobre a tentativa de golpe na Venezuela:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Redação Diálogos do Sul

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