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ToggleO governo estadunidense pretende recrudescer, através de Lei Helms-Burton seu bloqueio econômico, comercial e financeiro contra Cuba, apesar do rechaço que gera no mundo o cerco e a violação do Direito Internacional que ela implica.
A lei, posta em vigor em 1996, que codifica o bloqueio imposto à ilha por quase seis décadas, carece de precedentes por sua agressividade, advertem especialistas.
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Para a doutora em Direito Dorys Quintana Cruz, vice-presidenta da Sociedade Cubana de Direito Internacional da União Nacional de Juristas de Cuba, trata-se de um engendro jurídico.
“Estamos ante uma lei estadunidense que tem caráter extraterritorial e que com seus quatro capítulos merece o qualificativo de ilícita, genocida, de ingerência e contrária ao Direito Internacional”.
Se analisarmos detalhadamente o conteúdo da iniciativa vemos que é contrastante com a Carta da ONU, um texto aceito pela comunidade internacional e muitas vezes esgrimido de acordo com a sua conveniência por Washington, é fácil entender esses qualificativos.
A carta defende o multilateralismo, as relações de amizade entre os países, a igualdade soberana, a livre determinação dos povos, a não intervenção nos assuntos internos dos estados e a solução de controvérsias por fins pacíficos, e nada disso se pode encontrar na Helms-Burton.
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Desnudando a lei
Aprovada em março de 1996, a lei busca em seu Título I o fortalecimento do bloqueio, e utiliza para isso um argumento recorrente na agressividade para com Cuba; acusar o país de violações dos direitos humanos que constituem “uma ameaça para a paz internacional”.
Com esse pretexto, insta o Presidente a dar instruções ao seu Representante Permanente ante a ONU para promover dentro do Conselho de Segurança um “embargo internacional obrigatório contra o totalitário governo cubano”, em sintonia com o capítulo VII da Carta das Nações Unidas (Ação em caso de ameaças à paz).
Também contempla o cerco financeiro para isolar Cuba, as transmissões ilegais de rádio e televisão, o apoio e estímulo à subversão interna e a não importação de produtos do país, entre outros aspectos.
O Título II reflete a visão dos Estados Unidos de como seria um governo de “transição” e “democraticamente eleito” na Ilha, fixando requisitos a respeito.
Nesse sentido, pede ao presidente estadunidense que ative planos de assistência econômica e trabalhe com o Congresso informando sobre os progressos feitos pelas autoridades cubanas subordinadas ao mandato de Washington.
Para o levantamento do bloqueio, o Presidente tem que submeter aos comitês apropriados da Câmara de Representantes e do Senado elementos probatórios da presença de um governo “democraticamente eleito” no poder e seus avanços demonstráveis nos temas de devolução de propriedades e compensações das nacionalizações realizadas pela revolução.
O Título III da Lei Helms-Burton outorga aos cidadãos estadunidenses a possibilidade de apresentar em tribunais federais demandas contra quem “trafique” com “propriedades confiscadas” e estende essa autorização a proprietários que não eram cidadãos estadunidenses no momento das nacionalizações. Este capítulo busca evitar a chegada a Cuba de investimentos estrangeiros, chave para seu desenvolvimento socioeconômico.
O Título IV estabelece a exclusão de determinados estrangeiros que “trafiquem” com “propriedades confiscadas”, aos quais seria negado o visto de entrada nos EUA.
O intento de universalizar o bloqueio
Desde a entrada em vigor da lei, há 23 anos, os presidentes estadunidenses haviam suspendido a aplicação efetiva do Capítulo II a cada seis meses, em um claro reconhecimento do que representa desafiar de maneira tão grosseira o Direito Internacional e com o objetivo de evitar diferenças com seus aliados na Europa, onde se localizam vários dos principais investidores em Cuba.
No entanto, o mandatário republicano Donald Trump anunciou em 16 de janeiro a decisão de suspendê-la por apenas 45 dias, postura que a chancelaria da Ilha considerou uma ameaça, um novo passo que reforçaria de maneira perigosa o bloqueio, violaria flagrantemente o Direito Internacional e atacaria diretamente a soberania e os interesses de terceiros países.
“Cuba rechaça essa ameaça do modo mais enérgico, firme e categórico. A assume como um ato hostil de extrema arrogância e irresponsabilidade”, advertiu em uma declaração.
Em 4 de março, o Departamento de Estado cancelou por outros 30 dias a aplicação efetiva do Capítulo III, mas anunciou que será permitido, a partir de 19 de março, a apresentação de demandas judiciais contra mais de 200 empresas cubanas incluídas em uma lista unilateral dirigida a asfixiar a economia da nação caribenha.
A chancelaria qualificou a escalada da agressividade de Washington de mais uma tentativa dos Estados Unidos de universalizar o bloqueio econômico, comercial e financeiro mediante a aplicação da Lei Helms-Burton.
O Ministério de Relações Exteriores rechaçou nos termos mais enérgicos a decisão e o objetivo de afogar a Ilha economicamente como recurso para conseguir uma mudança de regime.
Na opinião de especialista, a Lei Helms-Burton é uma tentativa de recolonização e é mais intervencionista que a Emenda Platt de 1901 e o Tratado de Reciprocidade, instrumentos para garantir a presença norte-americana e uma aparente independência.
Também alertam que poderia gerar problemas para os Estados Unidos diante da possibilidade de uma avalanche de demandas, inclusive sobre bens cuja propriedade ninguém certificou, e derrotas em suas próprias cortes, considerando as violações implícitas ao Direito Internacional.
Nacionalizações versus confiscos
Entre seus vários aspectos, a Lei Helms-Burton mistura questões como a nacionalização e o confisco.
Na opinião da professora titular de Direito Internacional Dorys Quintana Cruz, é proveitoso no atual contexto diferenciar o que são nacionalizações e o que são confiscos.
A nacionalização é um princípio autorizado pela Carta das Nações Unidas, cujo embasamento foi tomado em consideração ao serem feitas as leis cubanas e com isso nacionalizar as propriedades estadunidenses e de outros países na Ilha no início da revolução que triunfou em 1º de janeiro de 1959, explicou.
Acrescentou que aquelas foram medidas sustentadas na legalidade sob o guarda-chuva do Direito Internacional. A doutora em Direito Internacional sublinhou que não há dúvida de que as nacionalizações levam às indenizações, cenário que foi cumprido em outros países e que Cuba nunca se negou a respeitar com os Estados Unidos, cujo governo descartou a negociação.
Com relação ao confisco, argumentou que é o ato de apreender ou privar da posse de bens sem compensação, passando-os para o erário público. De acordo com Quintana Cruz, esse último procedimento se dá por diversos motivos, entre eles por infração à lei ou por considerá-los adquiridos mediante malversações.
Cuba jamais renunciará a sua soberania
O presidente Miguel Díaz-Canel reiterou que a Ilha não renunciará à sua soberania e demandou o fim das ameaças imperiais.
“A Helms Burton é absurda, uma lei ilegal. Não se pode legislar contra o mundo, nem desconhecer a soberania de cada país. Cuba é uma nação independente e soberana, que respeita e exige respeito. Senhores imperialistas, aprendam de uma vez: a dignidade é invencível”, sentenciou em sua conta do Twitter.
O povo cubano já respondeu de maneira categoria à iniciativa que data de 1996, com a Lei 80 de Reafirmação da Dignidade e Soberania Cubanas, do mesmo ano. Aprovada pela Assembleia Nacional do Poder Popular, em seu artigo 1º declara ilícita a Helms-Burton, inaplicável e sem qualquer valor ou efeito jurídico. “Consequentemente se considera nula toda reclamação amparada nela de pessoa física ou jurídica, qualquer que seja sua cidadania ou nacionalidade”, precisa.
Em seu segundo artigo, reafirma a disposição do governo de Cuba, expressada nas leis de nacionalização promulgadas há mais de meio século, no que se refere a uma adequada e justa compensação pelos bens expropriados às pessoas físicas e jurídicas que nesse momento ostentavam a cidadania ou nacionalidade estadunidense.
A partir do empenho de Washington em atemorizar os sócios estrangeiros de Cuba, Havana, através de sua chancelaria, reiterou as garantias para o investimento estrangeiro e os projetos conjuntos.
A esse respeito, recordou que a nova Constituição da República, ratificada nas urnas por quase sete milhões de pessoas no referendo de 24 de fevereiro, respalda essas garantias.
A verdade é que com a passar das décadas é cada vez mais evidente que se universaliza o repúdio ao bloqueio, com expressões como a que o mundão observou em 1º de novembro de 2018, quando na Assembleia Geral da ONU, 189 dos 193 estados membros do organismo multilateral votaram a favor de uma resolução que demande o fim do unilateral cerco.
* Jornalista da Redação Nacional de Prensa Latina.