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"Extinguir de vez o desmatamento ilegal e legal é, por fim, um imperativo ético"

"Não há mais justificativas para a destruição da floresta. Continuar a devastação resulta em desequilíbrio do clima global e nacional", diz especialista
Patricia Fachin e João Vitor Santos
Revista IHU On-line
Porto Alegre (RS)

Tradução:

O aumento de 4% do desmatamento na Amazônia Legal entre agosto de 2018 e junho de 2019, registrado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon, “indica uma pressão dos atores econômicos” que atuam na região, diz o coordenador técnico do Sistema de Alerta de Desmatamento – SAD, Antônio Victor Fonseca, à IHU On-Line.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele informa que os estados do Pará e Amazonas foram os “líderes de desmatamento” nesse período. No Pará, exemplifica, entre as causas do desmatamento, “a pecuária tem grande contribuição da conversão da floresta em áreas de pastagem, além da crescente incidência de alertas de desmatamento em áreas de garimpo no município de Itaituba, localizado no sudoeste paraense. No estado do Amazonas, há o deslocamento da fronteira agrícola que ocupava áreas de Mato Grosso e Rondônia e estão se movendo para a região sul amazonense, onde há um cinturão de áreas protegidas que tem impedido que o desmatamento avance.

Segundo ele, projetos de infraestrutura, como a construção de hidrelétricas e abertura de novas rodovias, também “impulsionam o desmatamento no bioma Amazônia por atraírem um grande fluxo migratório de pessoas para a região, valorizando as terras onde esses empreendimentos são instalados”.

Antônio Victor Fonseca é graduado em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Pará – UEPA. É pesquisador do Imazon e atua no programa de Monitoramento da Amazônia como coordenador técnico do Sistema de Alerta de Desmatamento – SAD.

"Não há mais justificativas para a destruição da floresta. Continuar a devastação resulta em desequilíbrio do clima global e nacional", diz especialista

Mayke Toscano/Gcom-MT
Entre agosto de 2018 e junho de 2019 houve um desmatamento de 3.767 km² na Amazônia Legal

Confira a entrevista:

IHU On-Line: Recentemente o Imazon divulgou dados do Sistema de Alerta de Desmatamento – SAD, informando que entre agosto de 2018 e junho de 2019 houve um desmatamento de 3.767 km² na Amazônia Legal. O que o aumento de 4% do desmatamento na Amazônia Legal significa? Como interpretam esse dado?

Antônio Victor Fonseca: Esse número é referente ao total desmatado, detectado pelo SAD, no período de agosto de 2018 a junho de 2019. O aumento, comparando o período atual com o mesmo período do ano anterior, é de 158 km². A tendência de crescimento do desmatamento no período indica uma pressão dos atores econômicos para conversão da floresta nos diversos usos, como plantio de grãos e a expansão das áreas de pecuária.

Por que os estados do Pará e Amazonas são os líderes em desmatamento, registrando 30% e 26% do total de desmatamento?

Pará e Amazonas foram os estados líderes de desmatamento no mês de junho de 2019 e apresentam causas distintas do aumento de perda de floresta. No Pará, a pecuária tem grande contribuição da conversão da floresta em áreas de pastagem, além da crescente incidência de alertas de desmatamento em áreas de garimpo no município de Itaituba, localizado no sudoeste paraense. No estado do Amazonas, há o deslocamento da fronteira agrícola que ocupava áreas de Mato Grosso e Rondônia e estão se movendo para a região sul amazonense, onde há um cinturão de áreas protegidas que tem impedido que o desmatamento avance. No entanto, alertas de desmatamento mensais de anos anteriores têm indicado a ocorrência de desmatadores nessas áreas de preservação.

Ao analisar a geografia do desmatamento, o Imazon também informa que 56% das áreas desmatadas são privadas, 26% são em assentamentos, 13% em Unidades de Conservação e 5% em Terras Indígenas. Como interpretam esses dados, particularmente o desmatamento em áreas de assentamentos e Unidades de Conservação?

A identificação de onde os alertas de desmatamento estão ocorrendo é o primeiro diagnóstico para direcionar quais órgãos de fiscalização ambientais devem planejar as operações para identificação e responsabilização dos infratores. Desmatamentos em áreas protegidas, como parques e florestas nacionais, são de responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, enquanto que as áreas de assentamento são de competência dos órgãos de regularização fundiária, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. As Áreas Protegidas, em particular, têm sofrido pressão por desmatamento internamente e no seu entorno para que sofram redução dos seus limites com alegação de serem áreas consolidadas de uso.

Quais são as causas do aumento do desmatamento na Amazônia Legal?

As causas de perda de floresta na Amazônia são diversas e estão atreladas principalmente à conversão da floresta para os diversos tipos de uso, como agricultura, pastagem, extração de madeireira e minério, além da grilagem de terras e a expectativa de redução dos limites ou tipo de proteção de Unidades de Conservação.

Quais são os projetos de desenvolvimento em curso no país que tendem a elevar as taxas de desmatamento?

Os projetos de infraestrutura, como construção de hidrelétricas e abertura e pavimentação de rodovias, são exemplos históricos de iniciativas que impulsionam o desmatamento no bioma Amazônia por atraírem um grande fluxo migratório de pessoas para a região, valorizando as terras onde esses empreendimentos são instalados. Entretanto, na maioria das vezes, as cidades não possuem infraestrutura adequada para receber esse grande número de pessoas durante e após as obras de implementação desses projetos, gerando uma ocupação desordenada nos centros urbanos e comunidades vizinhas, além de absorver parte da mão de obra em atividades predatórias, como garimpos e extração ilegal de madeira.

Nos últimos anos houve um debate no país sobre o desmatamento zero. Alguns ambientalistas defendem essa meta e outros afirmam que ela é irrazoável. Na sua avaliação, essa meta é razoável? Quais são as dificuldades de colocá-la em prática?

Não há mais justificativas para a destruição da vegetação nativa do país. Continuar a devastação resulta em desequilíbrio do clima global e nacional, afeta a biodiversidade e os recursos hídricos, além de comprometer a saúde e o bem-estar da população. Além disso, desmatar não ajuda a competitividade da agropecuária; ao contrário, a coloca em risco. Extinguir de vez o desmatamento ilegal e legal é, por fim, um imperativo ético — uma dívida que a atual geração tem consigo própria e com as próximas.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Patricia Fachin e João Vitor Santos

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