Enquanto os servidores públicos nacionais e seus simpatizantes nas emissoras de televisão julgam a necessidade ou não de se declarar “emergência alimentar” em todo o país, brotam, por todas partes, depoimentos da crise nos locais mais pobres.
Nos refeitórios escolares da província de Buenos Aires, as maçãs precisam que ser divididas em duas para atingir todos. Um censo nutricional do grupo Bairros de Pé, movimento social formado por trabalhadores desempregados, indicou que há regiões em que 15% dos garotos e garotas que se alimentam nos refeitórios têm algum grau de desnutrição. E há paróquias onde os fiéis vão pedir dinheiro para carregar o Sube — cartão de transporte público similar ao Bilhete Único, de São Paulo.
“O real é que se mandam uma maçã à escola, as professoras a cortam ao meio” para a repartir entre mais garotos, assegurou o prefeito de Ituzaingó, Alberto Descalzo. Dessa maneira, o líder comunal explicou que a ajuda alimentar que o governo manda “é insuficiente” e deixou claro que o pedido de emergência alimentar “não é para brigar com a governadora” de Buenos Aires, Maria Eugenia Vidal, mas para discutir “como poderíamos sustentar uma política de Estado”.
Ricardo Ceppi
"a escassez de alimentos” é responsabilidade do Estado, que “entrega com falta de mercadoria”
O questionamento central à Província passa pelo corte das quotas que são enviadas aos refeitórios. Em Lomas de Zamora, município da Grande Buenos Aires, o governo “manda só a metade da verba” para as escolas, assim, dos 29 pesos por comida destinados a cada criança, chegam 14,50 pesos. O dado foi divulgado pelo titular do Sindicato Unificado dos Trabalhadores da Educação da Província de Buenos Aires (Suteba) local, Pedro Ponde, à AM 750. “A isto há que somar os problemas dos fornecedores para conseguir preços”, acrescentou.
Descalzo afirmou que o trabalho dos prefeitos do conurbano “está chegando ao limite” e assegurou que seus pares do interior da província “dizem que a situação é similar”.
Da mesma maneira, questionou as falas dos servidores públicos nacionais que recusam a necessidade de que se declare a emergência alimentar, tal como fez o secretário de Cultura, Pablo Avelluto, para quem o tema “é um slogan de campanha”. “É um comediante que vive no microcentro e não sei se conhece a província. Não me parece nada sério”, respondeu o prefeito.
Na província de Entre Rios, no Norte de Buenos Aires, a organização Bairros de Pé fez um levantamento, nos refeitórios que administram, de tamanho e peso com garotas e garotos que os frequentam. Os resultados revelaram um dado preocupante: “15% têm desnutrição”.
Foi o que disse o coordenador provincial dessa organização, Pablo Jaru Pkin, que detalhou que “15% das crianças e jovens têm má nutrição”, o que é a porta de entrada para doenças que poderiam ser evitadas só com uma boa alimentação. Devido à falta de recursos, acrescentou, “muitos têm uma dieta baseada em carboidratos e poucas proteínas; muito macarrão, muitas farinhas, muito colocar mais água e arroz nos pratos, e retirar as verduras e carne”, descreveu.
Além disso, denunciou que “a escassez de alimentos” é responsabilidade do Estado, que “entrega com falta de mercadoria”. “Nestes últimos dois ou três meses apareceram indicadores nos quais o problema deixou de ser a hiper obesidade e passou a ser o de que 15% dos garotos têm desnutrição”.
O padre Pepe di Paola contou que nos bairros onde os Curas na Opção pelos Pobres estão presentes houve “uma queda muito grande no nível de vida” e que em sua paróquia, na localidade de San Martín, em Buenos Aires, as pessoas se aproximam “para pedir coisas essenciais, como dinheiro para carregar o Sube ou uma cesta de alimentos para chegar ao fim do mês”.
“Os que nunca iam a um refeitório comunitário começaram a ir”, lamentou durante uma entrevista televisiva em que descreveu como caiu “a economia que se gerava nos bairros e que se consumia aí dentro: pizzas caseiras, sanduíches de milanesa, remises — serviço de transporte de passageiros em carro particular. Isso que fazia com que o dinheiro fosse gerado e gastado dentro de um bairro, se perdeu”, relatou.
Segundo contou, a ajuda oferecida no âmbito comunitário é por meio da organização de quermesses e feiras para juntar dinheiro. “A última que fizemos foi para ajudar um casal que tem um bebê internado em terapia intensiva do hospital Eva Perón e que não pode trabalhar porque precisa cuidar da criança”, exemplificou.
Neste sentido, destacou o trabalho dos movimentos sociais, que qualificou como “o recurso utilizado pelas pessoas para viver com dignidade nos bairros, porque isso lhes permite ter tarefas ou integrar cooperativas” de trabalho. “O que as organizações fazem é devolver um pouco a dignidade diante da perda absoluta do trabalho”, frente ao “descuido” por parte do Governo.
Tradução: Vanessa Martina Silva
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