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Jornadas de protesto no Chile expõem dura realidade de um país próspero em aparência

Depois de muitos anos de rechaço ao sistema, a panela de pressão finalmente estourou
Carolina Vásquez Araya
Diálogos do Sul Global
Cidade da Guatemala

Tradução:

O modelo chileno, tão admirado desde a distância segura do âmbito midiático, finalmente esgotou a paciência da cidadania explodindo em uma onda de protestos expressada em manifestações pacíficas e panelaços, mas também em uma série de atos de vandalismo de extrema violência.

É difícil, a poucas horas dos acontecimentos, elaborar uma hipótese mais ou menos acertada sobre a situação na qual se encontra o país sul-americano depois de uma jornada que culminou com toque de recolher e sob controle militar em duas das cidades mais importantes por ser sedes de dois poderes do Estados, como Santiago e Valparaíso.

O fato dos protestos terem se iniciado como reação diante do aumento da passagem do metrô – decisão que finalmente foi suspensa pelo presidente Piñera – não significa em absoluto o fim do conflito; essa medida desproporcionada contra uma população que perdeu capacidade econômica de maneira consistente durante décadas de governos neoliberais, não foi mais que a gota que fez transbordar o copo cheio de reclamações muito mais graves que esses 30 pesos de diferença na tarifa.

Depois de muitos anos de rechaço ao sistema, a panela de pressão finalmente estourou

Reprodução Twitter
À cidadania não parece amedrontá-la o fantasma da ditadura nem as ameaças explícitas das autoridades castrenses

Chilenos já não tem medo

Nem os governos da Concertação, nem os de extrema direita exercidos por Sebastián Piñera têm sido capazes de compreender em toda a sua dimensão a necessidade urgente de equilibrar suas políticas públicas, dando um espaço justo as demandas cidadãs. 

Não deixa de ser significativo que os atos de maior violência se enfocaram principalmente naquelas empresas sobre as quais existem fortes receios por ser símbolos de um sistema que marginaliza as maiorias: bancos, farmácias, supermercados, postos de pedágio e estações de metrô;  ali foram enfocados a maior parte dos atos vandálicos, em muitos casos com destruição total de sua infraestrutura, em diferentes localidades do país. Portanto, parece que não se tratou simplesmente de um protesto por causa do aumento da tarifa de transporte da capital, mas sim pelos abusos sistemáticos de um sistema elaborado por e para o grupo econômico mais privilegiado, que deixa à margem dos benefícios da riqueza as maiorias, combatendo com recursos legais aqueles que exigem mudanças de fundo. 

No domingo, Chile amanheceu com uma forte ressaca, mas as manifestações não terminaram totalmente, apesar da repressão policial e da presença do exército nas cidades mais importantes. À cidadania não parece amedrontá-la o fantasma da ditadura nem as ameaças explícitas das autoridades castrenses que tomaram o controle. São muitos anos de reclamos e manifestações pelo direito à saúde e à educação, pela eliminação dos privilégios corporativos, pela depredação sistemática dos seus recursos naturais entregues a grupos empresariais, pela agressão sustentada contra o povo mapuche, pela privatização da água e pela precariedade do emprego. 

As jornadas de protesto puseram em evidência a dura realidade de um país próspero em aparência, mas debilitado profundamente por um sistema injusto e totalmente desumanizado. É o Chile em preto e branco onde se contrapõe a imagem feliz de exportação com uma realidade cada vez mais precária para a classe trabalhadora, que vive endividada perpetuamente para poder sobreviver, e para um amplo setor da juventude cujas perspectivas acadêmicas e de trabalho são cada dia mais estreitas. O governo Piñera, no entanto, reagiu com repressão e, longe de compreender a necessidade de diálogo e consenso, age contra a razão aplicando a força, uma falha estratégica tão profunda e extensa como a que cruza a geografia desse lindo país.

A cidadania chilena exige resposta políticas, não repressão militar.

*Carolina Vásquez Araya é colaboradora de Diálogos do Sul desde a Cidade da Guatemala

**Tradução: Beatriz Cannabrava.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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