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A política de "duas caras" dos EUA nas páginas da Cadernos de Terceiro Mundo

Setores ligados ao atual governo, eram simpáticos a continuidade da administração Trump
Gabriel Farias
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Nestes últimos dias, o mundo esteve atento aos acontecimentos nos Estados Unidos. Considerada como a mais importante eleição da história moderna do país, a disputa entre Donald Trump e Joe Biden também agitou o debate político brasileiro. 

Setores mais conservadores, ligados ao atual governo, eram simpáticos a continuidade da administração Trump. 

Por outro lado, era notório um certo posicionamento favorável de diversos grupos distintos politicamente (algo que vai desde os ‘’liberais moderados’’ da grande imprensa até partidos progressistas ou até mesmo de esquerda) a uma suposta vitória de Biden. 

Setores ligados ao atual governo, eram simpáticos a continuidade da administração Trump

Reprodução: Flickr
Nestes últimos dias, o mundo esteve atento aos acontecimentos nos Estados Unidos.

Um das principais justificativas para essa ‘’torcida’’ a favor de candidato democrata é que um provável governo Biden poderia enfraquecer a administração de Jair Bolsonaro, deixando o presidente brasileiro em uma posição mais isolada no cenário diplomático internacional. Essa ideia parte do princípio de que o Partido Democrata Americano possui uma postura mais severa contra líderes autoritários que compartilham valores antidemocráticos. Porém, será que isso realmente é verdade?
Para tentar responder essa pergunta, vamos voltar para o ano de 1988, época da disputa eleitoral entre George H. W. Bush (Pai) e Michael Dukakis. Na época, a Cadernos fez uma matéria especial com base em uma conferência pronunciada pelo ex-embaixador da Nicarágua no governo de Jimmy Carter, Mauricio Solaun, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Em seu discurso, o diplomata falou sobre dois modelos adotados dentro da política externa norte-americana: a realpolitik e a “cruzada democrática”.
A primeira concepção, adotada por republicanos como Richard Nixon, argumenta que, embora os EUA prefiram se aliar a democracias, sua política externa deve estar orientada para assegurar os interesses nacionais. Consequentemente, para Washington se tornaria irrelevante o tipo de governo que exista nos diferentes países, desde que eles sempre sejam aliados dos EUA.
Enquanto a denominada ‘’democratic crusade’’, por outro lado, enfatizaria a dimensão moral da política externa americana, afirmando que os EUA deveriam ter como os seus principais aliados regimes democráticos. Apesar de parecer uma narrativa ficcional, o diplomata pelo menos demonstra que existem dados de relevância histórica que provam que o uso da força para derrubar um governo estrangeiro contrário aos interesses de Washington ocorre tanto em governos que aplicaram os princípios da realpolitik como sob a orientação da ‘’cruzada democrática’’. 
Na década de 1970, devido ao fracasso no Vietnã, o governo americano começou a mudar aos poucos a sua política externa. Na época, o ‘’comunismo internacional’’ já não estava sendo considerado como uma ameaça eminente devido as divisões internas entre os diversos governos do campo socialista (sendo o principal exemplo a ruptura China-URSS). Os EUA passaram adotar uma política de detente no cenário internacional. Salvo em casos excepcionais, as intervenções militares já não se justificavam. 
Existia também a ideia de que potências sub-regionais, como o Irã da Dinastia do Xá Reza Pahlavi, poderiam substituir os Estados Unidos na proteção dos interesses ocidentais em regiões importantes. Esses seriam alguns dos princípios da administração do presidente Jimmy Carter, que tinha como o principal discurso o respeito aos direitos humanos. Com a chegada de Ronald Reagan a presidência na década de 1980, esses princípios, por outro lado, foram deixados de lado. Reagan considerava que as Revoluções Iraniana e Nicaraguense, junto com a intervenção soviética no Afeganistão, todos no ano de 1979, foram consequências das falhas dessa política de Carter. 
Apesar de se mostrar mais agressivo, ainda no início do seu mandato, Reagan teve que mudar seu discurso e adotar uma política externa mais flexível. Internamente, a opinião pública americana tendia a repudiar o apoio do seu governo a regimes não-democráticos, porém, os principais motivos para essa mudança de postura estavam em questões externas. No começo dos anos de 1980, percebeu-se que muitas dessas ditaduras militares passavam por  instabilidades políticas, sociais e econômicas. Existia um temor que essas crises poderiam conduzir esses países do Terceiro Mundo a processos revolucionários com características antinorte-americanas.
Nesse sentido, os EUA começaram a retirar seus apoios aos regimes autoritários presentes em países como, por exemplo, os da América Latina. 

Esse discurso é de 1988, desde então, diversas mudanças ocorreram no cenário global. Os governos posteriores, sejam republicanos como os de Bush Pai, Bush Filho e Donald Trump ou democratas como os de Bill Clinton ou Barack Obama, se mostraram intervencionistas em todos os aspectos. A retórica dos direitos humanos foi usada para bombardear ou invadir nações contrárias aos interesses do capital-imperialismo norte-americano. 
O apoio a golpes de Estado continua sendo o modus operandi da politica externa norte-americana. Bom, não se sabe até que ponto o próximo governo democrata pode favorecer as forças progressistas no Brasil, entretanto, é sempre bom lembar que na época do golpe contra a presidente Dilma Rousseff quem ocupava a cadeira de vice-presidência era o próprio Joe Biden e quase todos os nomes que ocupavam cargos importantes em 2016 devem voltar aos seus postos. 

Memória

Tema complexo, que requer uma análise de longo prazo e a compreensão da geopolítica atual. Para uma visão histórica do tema, compartilhamos reportagem publicada na revista Cadernos do Terceiro Mundo de 1997.

A Diálogos do Sul é a continuidade digital da revista fundada em setembro de 1974 por Beatriz Bissio, Neiva Moreira e Pablo Piacentini em Buenos Aires:

A recuperação e tratamento do acervo da Cadernos do Terceiro Mundo foi realizada pelo Centro de Documentação e Imagem do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ, fruto de uma parceria entre o LPPE-IFCH/UERJ (Laboratório de Pesquisa de Práticas de Ensino em História do IFCH), o NIEAAS/UFRJ (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul) e o NEHPAL/UFRRJ (Núcleo de Estudos da História Política da América Latina), com financiamento do Governo do Estado do Maranhão.


Texto publicado originalmente na página Revista Cadernos do Terceiro Mundo – Acervo Digitalizado.  

’Estados Unidos: Política de duas caras’’ por Marcelo Montenegro 
CADERNOS DO TERCEIRO MUNDO. Rio de Janeiro: Terceiro Mundo, ano 11, n. 114, set. 1988, p. 17-21.

Confira a edição completa da revista nº 166 :


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gabriel Farias

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