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Guatemala: É hora de sair das redes sociais e ocupar as ruas que são testemunhas da história

A nação necessita de verdadeira coragem e isso só a têm os povos originários que sempre enfrentaram e lutaram com altivez milenarmente
Ilka Oliva Corado
Diálogos do Sul
Território dos EUA

Tradução:

Deveríamos ter um mínimo de vergonha, já que não temos coragem. Um mínimo de indignação que nos tire das redes sociais que aguentam tudo e ocupar as ruas que são testemunhas da história do país.

É fácil a comodidade de uma rede social, mas isso é maquiagem, um verniz, palavrório, oratóriamudanças de raiz e a Guatemala é um país podre.

Responsabilidade da própria sociedade mestiça e urbana, incapaz de se unir aos povos originários em sua enorme dignidade e força de luta, que têm a coragem de se apresentar onde seja preciso fazê-lo, no dia que seja, com isto lutando constantemente para resgatar o país das mãos dos bandos de criminosos que ocuparam o Estado após a ditadura.

A nação necessita de verdadeira coragem e isso só a têm os povos originários que sempre enfrentaram e lutaram com altivez milenarmente

Wikimedia Commons
O horror está apenas começando

Medo e indiferença

A Guatemala tem sido um declive desde a ditadura. E a sociedade passiva e insensível é um alude que socava qualquer esperança pela reconstrução não só do tecido social, mas das estruturas governamentais que têm servido como o enorme tentáculo com que estas máfias afanam não só o dinheiro, também os recursos materiais, para negar qualquer oportunidade de desenvolvimento a um povo ajoelhado diante do medo. Mais que do medo, ante a indiferença. A indiferença é mais poderosa do que o medo. O medo faz reagir em seu momento, a indiferença devasta. 

Nos acostumamos ao horror em tempos de democracia, uma democracia disfarçada, é claro, porque a Guatemala vive uma versão renovada da ditadura de décadas passadas. Com a diferença que antes as pessoas reagiam, mas hoje os protesto se dão apenas nas redes sociais, porque a coragem para fazer uma paralisação geral indefinida só a têm os povos originários: os mais golpeados, os que sempre foram humilhados, pelo governo de turno e pela sociedade racista e mestiça, a mesma que se pavoneia digna nas redes sociais e em sua infinidade de etiquetas. Mas que está a anos luz de aproximar-se minimamente à grandeza dos povos originários

Sem respeito e sem amor

O horror como mecanismo de imposição governamental até o momento não nos tocou as fibras mais profundas e na verdade não creio que as tenhamos, assim como não temos coragem, não temos respeito algum pela infância e muito menos amor. Sem respeito e sem amor não nos importa o que aconteça à infância, enquanto não sejam nossos filhos.

Não nos importa o que aconteça com as adolescentes, enquanto não sejam as de nossa família. Que violem e matem as mulheres que queiram, enquanto não sejam as de nosso círculo familiar. Sentimos muito, mas não passa da pena que nos dá e essa pena com uma indignação pela metade só nos alcança para queixas nas redes sociais. Porque não significa nada, tampouco. 

O horror não deveria ser uma violação e o assassinato de uma menina. O feminicídio de dúzias de mulheres. O horror em uma sociedade consciente, com um mínimo de inteligência e de dignidade deveria ser que os parques não sejam regados pelo menos três vezes por semana. Esse deveria ser o horror, esses deveriam ser os limites.

Mas começando que não temos nem parques, nos negaram o direito à recreação ao ar livre em zonas adequadas para alimentar o desenvolvimento integral da infância. Nos negaram o direito ao sistema de saúde, a um sistema educativo, à alimentação, à recreação, nos negaram o direito à liberdade de movimento e estão por negar-nos a liberdade de pensamento.

Sobrepassamos todos os limites que deveriam indignar-nos em seu momento. Secaram os rios, talaram os grandes bosques, hoje são ecocídios os que nos falam e as mineradoras levando os minérios a outros países. O início disso devia ter sido o horror e aí devíamos ter reagido. Mas como aí viviam as comunidades indígenas e não nós, que lhes fizessem o que quisessem que nós estávamos felizes com os centros comerciais. Permitimos que os criminosos desde suas comodidades oligárquicas com controle remoto utilizem o Estado para degradar-nos. 

Nos têm medido a água, a quanto temos a pressão, com que somos capazes de nos indignar. Temos servido a eles de experimento em todos esses anos. E como o racismo e o classismo, a preguiça e insensibilidade são superiores a qualquer pensamento de unidade e coragem, então nos balançam do direito e do avesso. Nem sequer entraram em nossas casas, batendo a porta como em décadas passadas na ditadura, hoje nós a deixamos abertas para que entrem, levem o que quiserem e façam conosco o que quiserem, porque perdemos qualquer capacidade de reação. Somos um país morto. 

Mas ainda falta mais, o horror está apenas começando, sigamos passivos, indiferentes, lançando gritos nas redes sociais. A Guatemala necessita de verdadeira coragem e isso só a têm os povos originários. Os que sempre enfrentaram de peito aberto e lutaram com altivez milenarmente. O demais é bagaço, por muito título de universidade que tenha, pendurado na parede ou como é a moda, posto nas redes sociais. Somos lamentavelmente a sociedade mestiça das grandes revoluções de redes sociais, ou seja: uma simples brincadeira de carnaval. 

Ilka Oliva Corado, Colaboradora de Diálogos do Sul de território estadunidense

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

   

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Ilka Oliva Corado Nasceu em Comapa, Jutiapa, Guatemala. É imigrante indocumentada em Chicago com mestrado em discriminação e racismo, é escritora e poetisa

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