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"Não sei se é pior morrer de vírus ou bala de fuzil", diz pré-candidata à presidência sobre massacre e protestos na Colômbia

“Temos fome, não temos emprego. Estamos em uma situação muito difícil no país, as pessoas estão morrendo na miséria”, diz manifestante sobre motivação para ir às ruas
Gabriela Beraldo
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

O cenário dos protestos colombianos se torna mais sombrio com a chegada de denúncias sobre a repressão militar contra a paralisação nacional, iniciada em 3 de maio. 

Francia Márquez, liderança social e pré-candidata à presidência da Colômbia, afirma, em entrevista exclusiva para a Diálogos do Sul, que há uma decisão governamental de usar força militar no país para garantir a ordem e interesses privados, o que está deixando um rastro de mortes.

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Em Cali, um dos estados mais atingidos pela violência policial nos últimos protestos, agentes de direitos humanos confirmam ao menos três mortos na noite passada, além de um número incerto de feridos. 

Francia Márquez| Foto: Christian Escobarmora / MIRA-VAlém dos 19 mortos confirmados pela Defensoria Pública do país, a instituição divulgou nesta terça-feira (04) uma lista com 87 nomes de pessoas desaparecidas, que inclui dois menores de idade. O número de feridos já ultrapassa a marca de 800.

Para Márquez, há um nítido esforço de criminalização dos protestos ao classificar os militantes de direitos humanos como terroristas. “Estamos vivendo uma ditadura de pessoas que não têm limites, não ouvem”, afirmou. 

A dirigente revela que os movimentos sociais estão buscando realizar uma mesa de diálogo para debater uma trégua na violência e negociar as reformas tributárias, que foram o estopim para a onda de manifestações.

Após a onda de protestos e violência, o presidente colombiano, Ivan Duque, pediu a retirada da pauta das reformas do Congresso, com a promessa que enviaria um texto alternativo para votação.

No entanto, Márquez aponta que, assim como o texto original, a nova versão está sendo debatida a portas fechadas, sem a participação de movimentos sociais e sindicatos. Para ela, não há transparência na formulação das propostas e há uma manipulação da opinião pública a respeito da natureza da reforma.

Dentre os pontos rechaçados na proposta de Duque, está uma reforma na saúde, que inclui uma privatização de diversos setores e não inclui profissionais da área em sua formulação. 

Para a pré-candidata, esse é um grave ataque ao povo, que passa por uma situação “desastrosa” durante a pandemia de Covid-19. “Mas não sei se é pior morrer de vírus ou de bala de fuzil”, desabafou.

“Temos fome, não temos emprego. Estamos em uma situação muito difícil no país, as pessoas estão morrendo na miséria”, diz manifestante sobre motivação para ir às ruas

@abriendo_ac
Terça-feira é marcada por continuidade dos protestos na Colômbia; são várias as denúncias de violência e repressão do governo

Nos próximos dias,  as pessoas seguirão nas ruas e as lideranças continuarão buscando a construção de um diálogo com o governo colombiano pela garantia da vida, da saúde da população e pela participação social nas reformas, garante Márquez.

Massacre em Cali

Desde a Comuna 20, na cidade de Cali, agentes dos direitos humanos falaram à comunidade internacional para denunciar os ataques ocorridos na noite passada. Ao menos 25 pessoas foram agredidas e tiveram pertences roubados por membros da segurança pública. Além disso, pelo menos três agentes de direitos humanos foram agredidos física e verbalmente. 

O setor mais atingido foi La Luna, no sul da cidade, onde policiais dispararam contra manifestantes, agentes de direitos humanos e de saúde, que tiveram de se refugiar em casas da região. Há denúncias também de ataques a jornalistas que cobriam os protestos e às casas em que estes se refugiaram. 

Marcela Meneses, de 28 anos, que atua em movimentos sociais da cidade, afirma que os que estão nas ruas não são necessariamente militantes de organizações sociais, mas sim pessoas que se encontram em situação de miséria e insegurança.

“As pessoas que estão fazendo barricadas, que estão saindo para protestar, são pessoas que realmente têm uma situação econômica difícil, que passaram fome, estão desesperadas e não possuem uma fonte de renda”, conta. 

O que os manifestantes buscam, na visão de Marcela, são soluções reais para a onda de empobrecimento e desemprego que assola o país. “Temos fome, não temos emprego. Estamos em uma situação muito difícil no país, as pessoas estão morrendo na miséria”, diz. 

Aumentou a violência com Duque

O mandato do atual presidente colombiano, Ivan Duque, começou em 2018, dois anos após a assinatura do Acordo De Paz, que buscava por um fim aos conflitos armados com as FARC, que assolaram o país por 57 anos. Com o início de seu governo, no entanto, a Colômbia retornou a seu passado de violência, com mais de 400 lideranças de movimentos sociais assassinadas no período

Para a pós graduanda em Integração da América Latina (PROLAM) na USP, representante discente no conselho universitário da universidade e diretora de Relações Internacionais da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Amanda Harumy, a repressão violenta aos protestos nos últimos dias é “um símbolo da violência da Estado propagada por Ivan Duque, que é um presidente da extrema-direita”. Para ela, está claro que vemos na Colômbia o avanço da aliança do neoliberalismo com a extrema direita.

Harumy afirma também que, desde 2019, os movimentos sociais colombianos vêm ressignificando o ato de ir para as ruas, reconquistando seus espaços democráticos, que são constantemente sufocados pelas ações do Estado colombiano. 

O governo, por sua vez, segue insistindo na narrativa de que os manifestantes são violentos. Essa foi novamente a linha defendida por Duque em seu pronunciamento realizado na noite desta terça-feira (4). Resta esperar para ver como nos próximos dias o governo responderá aos pedidos dos defensores de direitos humanos por paz e ao rechaço internacional à violência.

As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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