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Vitória de Boric mimetiza mudança: jovens acenderam faísca da transformação no Chile

As dores da derrota de Daniel Jadue, surpreendente para seus partidários, desencadeou questionamentos e enfrentamentos no seio do Apruebo Dignidad
Roberto Pizarro Hofer
Other News
Santiago

Tradução:

O evidente triunfo de Gabriel Boric nas primárias do Aprovo Dignidade (AD) abriu a possibilidade de instalar-se um governo de transformações no Chile. Terminou a indiferença diante da injustiça e já não poderão continuar jogando com a inocência das pessoas. O neoliberalismo, inimigo imediato do povo chileno, está às portas da morte.

Graças ao 18-O, tornaram-se evidentes as demandas sociais, econômicas e políticas da população, que estão explicitadas no programa de Gabriel Boric, com propostas não tão diferentes das feitas por Daniel Jadue: um novo modelo produtivo, a defesa do meio ambiente, feminismo, descentralização e aprofundamento democrático. Até aqui tudo bem.

No entanto, Boric enfrenta algumas ameaças preocupantes. As dores da derrota de Daniel Jadue, surpreendente para seus partidários, desencadeou questionamentos e enfrentamentos no seio do AD, que lamentavelmente extrapolaram para alguns personagens da Lista do Povo. 

O candidato vitorioso foi qualificado de “centrista” e próximo da ex-Concertación e até de inimigo dos presos da revolta. Os desagrados transformaram-se em violência quando Boric visitou o presídio Santiago 1 e foi agredido por um dos jovens presos ali. O resultado das primárias expôs uma mudança geracional na política chilena. Os partidos e dirigentes que levaram a cabo a transição da ditadura à democracia não foram capazes de acabar com o neoliberalismo (aliás, nem quiseram); pelo contrário, consolidaram-no. 

Foram os jovens, primeiro os do ensino médio e depois os universitários que acenderam a faísca das transformações. As mobilizações a favor de uma educação gratuita e digna se estenderam a demandas feministas, ambientalistas, contra as AFP e por uma saúde decente. E, não se pode esquecer que na primeira fila destas lutas estiveram Boric, Camila Vallejos, Jackson e Karol Cariola.

Nós, os da época, que fizemos parte da Concertación, mas que nos rebelamos diante de uma transição subordinada aos grupos econômicos, e esgotamos nossa paciência com a corrupção político-empresarial, só temos agradecimentos a essa juventude que anunciou o caminho das transformações em nosso país.

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Estando as coisas nesse pé, é compreensível que a população tenha depositado em Boric sua confiança para encabeçar a candidatura presidencial de AD. Mas seu caminho não está semeado de rosas. A direita e os grupos econômicos, encurralados na Constituinte e nas eleições regionais, tentam mostrar uma cara mais amável com a candidatura presidencial de Sichel: é o gatopardismo à espreita. E, claro, resistem à proposta de mudanças representada por Boric.

Mas também há resistências à candidatura de Boric no campo da esquerda. Resistências bem aproveitadas pelos meios de comunicação do establishment, e que ajudam bastante a direita. Alguns dirigentes do PC não se recuperaram da derrota de Daniel Jadue nas primárias e lançam acusações sobre o comportamento político de Boric: o acordo de 15 de novembro, a lei anti-saques, a xícara de chá com Paula Narváez e o incômodo que lhes causa sua defesa dos direitos humanos, independentemente de regimes políticos. Estes quatro temas foram devidamente fundamentados pelo candidato e ele mesmo fez uma autocrítica sobre a controvertida lei anti-saques.

Nunca se pode esquecer que o branco e o preto estão sempre presentes na política, como na própria vida. Sobre as críticas a Boric, quem pode atirar a primeira pedra? Bem sabe a direção do Partido Comunista, que não pode eludir sua participação no bom e no mau do governo Bachelet e, sobretudo, sabem disso as jovens comunistas, como Karol Cariola e Camila Vallejos, que valorizam Boric e depositaram nele sua confiança.

As dores da derrota de Daniel Jadue, surpreendente para seus partidários, desencadeou questionamentos e enfrentamentos no seio do Apruebo Dignidad

Agência Uno
Gabriel Boric e Danuel Jadue: um novo modelo produtivo, a defesa do meio ambiente, feminismo, descentralização e aprofundamento democrático.

Uma esquerda unida é necessária para que Boric seja presidente e posteriormente para dar governabilidade ao país. Porque terminar com o neoliberalismo exige desafiar forças poderosas: os grupos econômicos nacionais e estrangeiros, os economistas neoliberais, o duopólio dos meios de comunicação e a direita de sempre. Não será fácil tão pouco reestruturar os aparatos repressivos, assim como terminar com a corrupção do Exército e dos Carabineros.

O neoliberalismo é o inimigo imediato e a direita o adversário permanente. Não se pode esquecer disso. Por isso preocupam as declarações pouco felizes de alguns dirigentes do PC contra Boric, como também expressões do prefeito Sharp, cuja proposta de “levantar um candidato independente” tem mais cara de personalismo do que busca de uma alternativa séria ao candidato de AD. 

Finalmente, há a Lista do Povo, que manteve sua independência frente a todo o sistema político, mas que não pode eludir seu compromisso com as transformações. Por certo, será necessário um diálogo entre os adeptos desta lista e AD para convergir para posições comuns e garantir assim a vitória da esquerda em novembro.

A candidatura presidencial de Boric, como disse Ernesto Águila, não precisa buscar seu êxito no centro, porque seu programa tem eixos no ecologismo, feminismo, na regionalização, na precarização social e na transformação produtiva, temas que transcendem amplamente uma geometria baseada em representações políticas tradicionais (The Clinic, 20-07-2021). Portanto, a consolidação deste programa assegurará um apoio transversal da população chilena a esta candidatura.

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A esquerda conseguiu um grande êxito sobre a direita nas primárias. Este é um ativo que abre caminho à formação de um governo transformador no país. No entanto, as disputas no interior de Aprovo Dignidade e eventualmente com outros setores mais radicais podem facilitar a vitória da direita e impedir a morte do neoliberalism.

* Roberto Pizarro Hofer é economista, com estudos de pós-graduação na Universidade de Sussex (Reino Unido). Pesquisador do Grupo Nova Economia. Foi decano da Faculdade de Economia da Universidade do Chile, ministro do Planejamento durante o governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle (1994-2000), embaixador no Equador e reitor da Universidade Academia de Humanismo Cristão.  Colunista de diversos meios de comunicação. Artigo enviado a Other News pelo autor e publicado em La Mirada, em 05 de agosto de 2021.

Tradução de Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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