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Espionagem do governo de El Salvador a jornalistas teria chegado até o México

“As tecnologias estão sendo utilizadas para tentar calar vozes, para perseguir atores concretos, ao ponto de meter-se em detalhes profundos da vida das pessoas”
Edgardo Ayala
La Jornada
San Salvador

Tradução:

Um jornalista salvadorenho e outro mexicano foram espionados ciberneticamente enquanto se encontravam no México, e tudo aponta a que a invasão de seus celulares se deu desde El Salvador, o que representaria uma vulneração à soberania do território mexicano. 

Os dois comunicadores formam parte de uma lista de 22 jornalistas do periódico digital El Faro, de El Salvador, espionados em seu país pelo menos desde junho de 2020 por meio do software Pegasus, propriedade da empresa israelense NSO Group, segundo revelou esse meio de comunicação em 12 de janeiro. 

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Trata-se de Carlos Dada, diretor de El Faro, e de Daniel Lizárraga, reconhecido jornalista mexicano que havia chegado a trabalhar nesse meio, mas foi expulso do país no passado 7 de julho, pelo governo de Nayib Bukele. 

As autoridades locais alegaram que o mexicano não conseguiu comprovar seu papel como editor, embora na realidade tenha se tratado de uma artimanha para expulsá-lo, como parte do assédio constante que Bukele mantém contra esse periódico, especializado em trabalhos de investigação, e contra a imprensa independente em geral. 

Durante sua permanência no México, o celular de Dada foi espionado entre maio e junho de 2021, detalhou o meio salvadorenho. 

“As tecnologias estão sendo utilizadas para tentar calar vozes, para perseguir atores concretos, ao ponto de meter-se em detalhes profundos da vida das pessoas”

flirk / reprodução
Pegasus é o mesmo software que causou indignação mundial em julho de 2021 depois que uma investigação jornalística internacional

Ataques cibernéticos

Lizárraga também foi vítima de oito ataques cibernéticos ao seu celular, incluindo uma ocasião quando já se encontrava no México após a expulsão, mas ainda trabalhava em um informe sobre a terceira onda de Covid em El Salvador. 

Se for comprovado que seus telefones móveis foram hackeados desde San Salvador, implicaria um caso de espionagem extraterritorial e requereria, pelo menos, uma nota diplomática por parte do governo mexicano, segundo o analista político e ex-embaixador de El Salvador na Organização de Nações Unidos e em Washington, Rubén Zamora.

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“É algo que em termos diplomáticos se condena, embora o façam todos os países, sobretudo os do primeiro mundo, mas sim, teria que haver pelo menos uma nota diplomática” se se chegasse a comprovar que a origem da espionagem é San Salvador, disse Zamora a La Jornada.

No entanto, explicou que a comunidade internacional não estabeleceu ainda nenhuma norma sobre como proceder em casos de espionagem extraterritorial. 

Além disso, não há certeza técnica de que a intervenção se deu a partir da capital salvadorense, agregou. 

No entanto, atando cabos de toda a operação de espionagem, tudo indica que se tratou do governo salvadorenho. 

A administração de Bukele negou que esteja por trás desse e de outros ataques confirmados no país centro-americano

“É complicado para o México emitir uma nota diplomática porque o problema é que se teria que comprovar que a espionagem foi realizada desde San Salvador”, acrescentou o político salvadorenho. 

La jornada

La Jornada tentou, sem êxito, obter uma declaração sobre o tema por parte da embaixada do México em San Salvador.

Pegasus é o mesmo software que causou indignação mundial em julho de 2021 depois que uma investigação jornalística internacional, impulsionada por Anistia Internacional e Forbidden Stories, revelou que houve uma espionagem em massa, em 2016, a jornalistas, ativistas de direitos humanos e políticos em vários países, incluindo o México. 

O software é capaz não apenas de escutar as conversações, como tradicionalmente se faz, mas pode roubar todo tipo de informação do telefone móvel.  

Mais de 15 mil números de políticos, jornalistas e ativistas foram espionados no México com software israelense Pegasus

Os telefones celulares da redação do meio salvadorenho, assim como do pessoal administrativo, todos IPhone, foram analisados por Citizen Lab, especializado em cibersegurança, da Universidade de Toronto. 

Nesse processo, de setembro a dezembro de 2021, participou também a organização Access Now, dedicada à proteção dos direitos digitais.

Paralelamente, em novembro deste ano a empresa Apple, proprietária da marca IPhone, enviou advertências a jornalistas de outros meios salvadorenhos, assim como a ativistas de direitos humanos e políticos de oposição, de que poderiam estar sendo espionados pelo governo. 

Isso supõe que o número de afetados pela espionagem poderia ser muito maior, embora se desconheça o número. 

Além disso, a peritagem de Citizen Lab e Access Now foi realizada em dispositivos IPhone, cuja tecnologia permite identificar com mais facilidade a invasão, mas muitas outras pessoas que usam o sistema Android poderiam também ser vulneráveis. 

“Infectaram meu telefone pessoal, e dá medo pensar em porque o Estado faz isso, dá temor, porque companheiros no sindicato foram assediados em suas casas e suas famílias”, assegurou a La Jornada a jornalista de La Prensa Gráfica, Gloria Flores.

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Mais três jornalistas desse meio local foram afetados, assinalou, embora provavelmente tenha havido mais, mas usam o sistema Android.

Flores acrescentou: “Me preocupa saber que algumas fontes se arriscaram para que temas que deveriam ser públicos saíssem à luz, e agora essas pessoas poderiam estar também em perigo”. 

Todos os caminhos conduzem a Bukele 

Embora em geral a peritagem sobre espionagem cibernética não consiga detectar a origem, a análise feita aos dispositivos do pessoal de El Faro encontrou um detalhe inusual, que deu certeza de que, pelo menos em um caso, o do jornalista Carlos Martínez, o ataque de Pegasus vinha de um “operador” local.

Essa descoberta foi feita quando Citizen Lab e Access Now detectaram uma intervenção “viva” a Martínez, ou seja, que a invasão estava acontecendo nesse preciso momento, em 15 de novembro de 2021.

Esse operador local foi chamado pelos investigadores de Torogoz, o nome da ave nacional de El Salvador.

El Faro detectou, após cruzar informação de datas, que os ataques aos seus jornalistas coincidiam com investigações sobre possíveis atos de corrupção do governo de Bukele, ou com conjunturas informativas importantes no país. 

Martínez está entre os jornalistas que mais investigou as quadrilhas em El Salvador. El Faro revelou como os últimos três governos, inclusive o de Bukele, fizeram pactos obscuros com esses grupos para reduzir o número de homicídios no país. 

Por isso, Martínez foi o mais espionado na redação do jornal pelo Pegasus: 28 intervenções, que em total somam aproximadamente 269 dias, entre 29 de junho e 15 de novembro de 2021. 

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A detecção “viva” do ataque a Martínez é o único caso que evidencia que a origem foi de El Salvador. Torogoz poderia ser, então, o mesmo atacante do resto da equipe jornalística, inclusive no caso do México. 

“Não descartamos que as infecções que tiveram Lizárraga e Dada no México tenham sido desde o operador local em San Salvador”, afirmou ao La Jornada Julia Gavarrete, repórter de El Faro.

Outra pista que leva em direção a Bukele é que a empresa israelense NSO Group só vende o Pegasus a governos.

Gavarrete disse que seus dois telefones foram infectados, o do trabalho e o pessoal.

“As tecnologias estão sendo utilizadas para tentar calar vozes, para perseguir atores concretos, ao ponto de meter-se em detalhes profundos da vida das pessoas”, sublinhou. 

Bukele chegou ao poder em junho de 2019 e desde então governa com ares autoritários, o que o tem levado a chocar-se com a imprensa e com outros setores do país. 

Edgardo Ayala, Especial para La Jornada desde San Salvador

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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