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Após novo tiroteio nos EUA, republicanos ignoram apelos e sugerem armar professores

Partidários e seus colegas repetem que, em incidentes como o de Uvalde, o problema não são as armas, mas sim a “saúde mental”
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

As manchas de sangue de crianças baleadas com armas de assalto tipo militar só provocam que os políticos e seus cúmplices expressem seus lamentos, façam discursos repetindo que esses atos são intoleráveis enquanto os gritos de dor e de ira de famílias de vítimas somam-se ao luto coletivo que acompanha a incessante matança cotidiana com armas de fogo nos Estados Unidos.  

O que aconteceu na terça-feira em Uvalde, Texas, onde um jovem de 18 anos matou 19 crianças e dois professores e feriu pelo menos outras 17 pessoas em uma escola primária, foi o pior tiroteio massivo em uma escola desde dezembro de 2012, quando um jovem matou 20 crianças e seis adultos em uma escola primária em Newtown, Connecticut.

Mas Uvalde não foi o primeiro incidente de um tiroteio em uma escola este ano, é só um dos 27 até agora. Tampouco foi tiroteio massivo extraordinário, mas sim um dos 213 que se registraram nas primeiras 20 semanas do ano, segundo o Gun Violence Archive. Ainda mais, na década entre Newtown e Uvalde, se registraram mais de 3.500 tiroteios massivos. Estas tragédias se tornaram algo ordinário. 

Partidários e seus colegas repetem que, em incidentes como o de Uvalde, o problema não são as armas, mas sim a “saúde mental”

Flickr
Republicanos acusam oposição de “politizar” tragédias

De fato, apenas há umas semanas, o Centro de Controle de Enfermidades (CDC) emitiu um informe no qual pela primeira vez se registra que as armas de fogo são a principal causa de morte entre crianças e adolescentes nos Estados Unidos. 

O jovem Salvador Ramos, pouco depois de cumprir 18 anos de idade, comprou legalmente dois rifles de assalto semiautomáticos tipo AR-15 e 375 munições em sua cidade no Texas, estado onde nessa idade não se pode comprar álcool, mas sim balas. Quase todas as armas usadas em tiroteios escolares foram obtidas legalmente pelo assassino ou por suas famílias; e as armas de preferência foram rifles de assalto semiautomáticos.  

Apesar das agora já rotineiras exclamações e lamentos dos políticos de ambos os partidos, tudo indica que, uma vez mais, não se fará nada para evitar outro tiroteio, outro massacre de crianças – e isso diante do fato de que uma grande maioria dos estadunidenses favorece leis para um maior controle de armas de fogo há anos, segundo sondagens.

É quase incrível registrar as declarações de alguns líderes republicanos os quais reiteraram que uma solução para tanta violência com armas de fogo em escolas e outros lugares públicos é… mais armas.  

O procurador geral do Texas, Ken Paxton, afirmou em uma entrevista a Fox News: “não podemos parar gente má de fazer coisas más. Podemos potencialmente armar e preparar professores e outros administradores a responder rapidamente”. O mesmo argumento de seu colega texano, o senador Ted Cruz.

Vale assinalar que Abbott promulgou várias leis para afrouxar restrições sobre armas, incluindo uma do ano passado na qual, segundo explicou, “texanos que legalmente são donos de uma arma agora terão licença para portá-la em público. Não se requer licença nem capacitação”.

Estes políticos republicanos e seus colegas repetem que, em incidentes como o de Uvalde, o problema não são as armas, mas sim a “saúde mental” (Texas é um dos estados que menos financia programas de saúde mental).

Mas o argumento favorito destes líderes republicanos é contra-atacar seus opositores ao acusá-los de “politizar” estas tragédias para usá-las a fim de promover medidas contra o suposto sagrado direito constitucional às armas. 

Por sua parte, os democratas, começando pelo presidente Joe Biden, insistiram que fazer algo para controlar as armas de fogo é impostergável, e culparam os republicanos de obstaculizar todas as tentativas para impor maiores controles à venda e ao uso de armas de fogo, sobretudo as de estilo militar. Que o presidente implore que se faça algo enquanto seu partido controla a Casa Branca e ambas as câmaras do Congresso parece um pouco incongruente, mas as regras antiquadas do Senado permitem que uma minoria freie iniciativas como uma reforma sobre as armas. “Já basta… ninguém nos Estados Unidos necessita de um AR-15. Quantas mais crianças, mães, pais necessitam ser assassinados a sangue frio antes de que o Senado tenha coragem para proibir as armas de assalto e enfrentar-se à Associação Nacional do Rifle (NRA)?”, declarou o senador Bernie Sanders. Seu colega de Connecticut, onde ocorreu o pior tiroteio escolar há quase uma década, o democrata Chris Murphy, perguntou aos legisladores no plenário do Senado: “o que estamos fazendo aqui?… enquanto nossas crianças correm por suas vidas”, e até se ajoelhou para rogar que seus colegas tomem alguma ação. “Isto só sucede neste país… em nenhum lugar os pequenos vão à escola pensando que poderiam ser baleados nesse dia”. 

A deputada federal democrata Alexandria Ocasio Cortez tuitou aos republicanos: “não há tal coisa como ser ‘pró vida’ enquanto apoiam leis que permitem que crianças sejam baleadas em suas escolas, maiores de idade em supermercados, fieis em suas igrejas… isso é idolatria da violência”. 

Diante das recomendações de responder com mais armas por Cruz e outros republicanos, o deputado federal do Arizona, Rubén Gallego, respondeu via tweet: “Vá à merda Ted Cruz, te importa um feto, mas permite que nossas crianças sejam massacradas…”

Com toda a paixão real ou representada da cúpula política estadunidense, as condolências, os momentos de silêncio, as “orações” e enquanto os especialistas em trauma vão a outro lugar para atender as crianças e seus pais, por ora não se vislumbra alguma mudança para controlar o país mais armado do mundo (com aproximadamente 400 milhões de armas de fogo em mãos privadas). 

De fato, está programada a convenção anual da NRA em Houston no fim dessa semana, e até agora estão programados como oradores o governador, os dois senadores do Texas e o ex-presidente Donald Trump.

Talvez as vozes mais potentes neste debate, e as que mais dão esperança de provocar uma mudança, são as vítimas que se tornaram ativistas contra a violência das armas de fogo. O movimento que surgiu dos estudantes que sobreviveram ao tiroteio em uma preparatória em Parkland, Florida em 2018, March for our Lives, difundiram uma mensagem simples: “demandamos e merecemos uma nação livre da violência das armas”. Ao mesmo tempo, uma das vozes públicas mais ferozes esta semana é a de Steve Kerr, o grande treinador da equipe de basquete Golden State Warriors, o qual, em entrevista coletiva antes de uma partida da série final do campeonato declarou na terça-feira: “não quero falar de basquete esta noite (dia do massacre de Uvalde) – isso não importa”. Tremendo com fúria, recordou que nos últimos dias houve um tiroteio no estado de Nova York contra afro-estadunidenses, outro contra asiático-americanos na California e agora “temos crianças assassinadas em uma escola”, e exclamou: “estou tão cansado de me apresentar para oferecer condolências… estou cansado dos momentos de guardar silêncio. Basta já!”  

Golpeando a mesa, perguntou aos gritos: “Quando vamos fazer algo?”. Acusou ainda que 50 senadores recusam ações em resposta ao desejo da maioria da população por maior controle das armas, e completou: “Nos mantêm como reféns. Eu lhes pergunto: vão colocar seus desejos de poder sobre a vida de nossos filhos?”.

David Brooks é correspondente do La Jornada em Nova York.
Tradução de Beatriz Cannabrava.



As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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