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Toggle– “… que os recursos naturais do hemisfério estejam disponíveis para responder a NOSSAS PRIORIDADES NACIONAIS”!
– “Se estes países só produzissem rabanetes ou nabos, nada lhes aconteceria”
Laura Richardson, general e chefe do Comando Sul Militar dos EUA (USSOUTHCOM) apareceu há alguns dias formalizando a política de estado um rascunho republicano de vinte anos atrás para a política dos EUA para a América Latina e seus recursos naturais. O que os republicanos não se atreveram a dizer abertamente em 2001 agora se torna política de governo. Mas não dos democratas. Uma aplicação da Doutrina Monroe: ”América para os americanos”.
Doutrina Biden: quais as diretrizes da cúpula “pela democracia” convocada por Washington?
E a pergunta que hoje se faz a América Latina depois da insólita exibição cínica e descarada é o que tem a ver o Pentágono e a general Laura Richardson com os recursos naturais da América Latina? Quem diz que ela deve ter a “potestade” política e, consequentemente, militar sobre a América Latina? Porque é disso que se trata. “Nem China nem Rússia têm direito a mover-se em meu quintal”!
Vídeo: Fala de Laura Richardson
Santa Fé I-IV é uma série de documentos [1] que formaram a base da política exterior dos Estados Unidos para a América Latina. O primeiro documento foi publicado em 1980, escrito por assessores de política exterior de extrema direita de Ronald Reagan.
Santa Fe II chegou em 1989 e mostrou grande preocupação com os acontecimentos políticos e militares em El Salvador e na Colômbia, advertindo sobre a “crescente guerrilha comunista”.
Santa Fe IV, escrito originalmente em dezembro de 2000, mas publicado primeiro em agosto de 2001, depois da duvidosa vitória eleitoral de George Bush na Flórida, aborda brevemente as seguintes cinco tarefas estratégicas (citações diretas do documento):
1. Controle dos estreitos atlânticos.
2. Uso do Canal do Panamá.
3. Uma rota ao sul segura em torno do Cabo Horn.
4. Todos estes estão dentro do cenário estratégico naval.
5. Segurança de que os países do hemisfério não são hostis a nossas preocupações de segurança nacional. E ainda, que os recursos naturais do hemisfério estejam disponíveis para responder a nossas prioridades nacionais. Uma “doutrina Monroe”, se quiserem.
Ou para falar como o então Secretário de Estado dos Estados Unidos, o general Colin Powell, no Wall Street Journal (16 de outubro de 2001): “Nosso objetivo com a ALCA é garantir para as empresas norte-americanas o controle de um território que vai do Polo Ártico até a Antártida, livre de acesso, sem nenhum obstáculo ou dificuldade, para NOSSOS produtos, serviços, tecnologia e capital em todo o Hemisfério” [2].
Fernando Bossi, escritor e autor intelectual de esquerda argentino, resumiu os pontos anteriores da seguinte maneira:
“Reafirmando os princípios da doutrina Monroe, este documento (Santa Fe IV) significa clara e simplesmente um plano de anexação da América Latina e do Caribe. De acordo com este plano de anexação são traçadas as estratégias e definidos os inimigos”.
O propósito da aplicação da Doutrina Monroe pelos EUA na América Latina
E quem são os “inimigos” da general Laura Richardson?
“Falo de meu oponente número 2 na região, a Rússia (a China é o número 1, nota ed.), que tem relações com Cuba, Venezuela e Nicarágua. Por que é importante esta região?”, perguntou-se a chefe do Comando Sul dos Estados Unidos durante uma conversa com o centro de estudos Atlantic Council, organização fundada em 1961, com vínculos estreitos com a OTAN e com chamativas fontes de financiamento, como políticos republicanos e democratas, militares da reserva e ex funcionários da CIA.
“Com todos os seus ricos recursos e elementos de terras raras, tem o triângulo do lítio, que hoje em dia é necessário para a tecnologia. 60% do lítio do mundo está no triângulo do lítio: Argentina, Bolívia, Chile”, (o México também tem enormes recursos e aprovou uma lei criando uma empresa PÚBLICA para a extração, o que provocou protestos dos EUA e da direita política no México, nota do editor).
E começou a enumerar as riquezas da AL:
• A maior reserva de petróleo fora da Guiana foi descoberta aqui há mais de um ano.
• Os recursos de ouro e cobre da Venezuela encontram-se aqui.
• Temos os pulmões da Amazônia no mundo e 31% das reservas de água doce do mundo nesta região.
– O que quero dizer é que NÓS temos muito que fazer. Esta região tem muito a ver com a SEGURANÇA NACIONAL e NÓS devemos incrementar NOSSA participação”.
O Comando Sul dos EUA também espiona
Até aí a general Richardson.
E compare a citação de 2001 e Santa Fé IV: “Que os recursos naturais do hemisfério estejam disponíveis para satisfazer NOSSAS necessidades nacionais”, complementado com as palavras do Secretário de Estado, Colin Powell: “Nosso objetivo é garantir às empresas estadunidenses o controle de uma área que se estende…”
Defesa Aérea & Naval
EUA não ocultam o fato de que se consideram com uma espécie de direito supranacional sobre os recursos naturais estratégicos do planeta
Hoje este controle está fortemente em questão, e os Estados Unidos não puderam frear, sobretudo a entrada da China no continente latino-americano. Portanto, a general Richardson move-se como uma bobina entre os países e alternativamente promete e ameaça (chicote e cenoura) aos governos. Só na pequena nação centro-americana Honduras aterrissou três vezes no ano mais recente.
Porque hoje existe em parte um novo mapa político que se formou nas eleições dos últimos anos. Entre os antigos regimes de direita, totalmente subordinados aos EUA, em princípio só restam Uruguai, Equador, Paraguai e agora também o Peru, depois do golpe de Estado contra o presidente Pedro Castillo.
Analisamos o seguinte:
• O golpe de Estado no Peru tem algum pano de fundo geoestratégico?
• Tem a tentativa de golpe em Brasília alguma conexão com as preocupações de Richardson com os recursos naturais da América do Sul?
• A ofensiva lançada pela direita política contra o presidente da Colômbia ou o levantamento no bastião do fascismo de Santa Cruz, na Bolívia, têm algo em comum com os países mencionados, entre os quais é preciso incluir a Venezuela, que certamente minimizou e neutralizou efetivamente a contrarrevolução?
Sim, são países que juntos formam a Amazônia.
A Amazônia é um mercado gigante para as forças transnacionais industriais e os especuladores. O Amazonas contém a maior quantidade de oxigênio e agua doce do planeta. A Amazônia consta de sete milhões de quilômetros quadrados e constitui um terço da superfície da América do Sul. A maior parte da Amazônia está no Brasil. Os outros países são Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
”O Rei”, como o chamou o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é o Rio Amazonas. É um dos rios mais longos do mundo e o maior em volume de áua. Nesta gigantesca zona há ferro, petróleo, pedras preciosas, madeira. 20 milhões de pessoas vivem na zona, dos quais 300.000 são indígenas [1].
Segundo o pesquisador equatoriano Guillermo Navarro Jiménez, a Amazônia constitui a maior reserva do mundo de floresta tropical, com 56%. Possui uma grande variedade de ecossistemas biológicos, espécies e recursos genéticos. Há aproximadamente 1,5 milhões de espécies conhecidas, mas se calcula que pode haver até dez milhões de espécies. A esta somam-se 50.000 mamíferos, 20.000 espécies diferentes de répteis, anfíbios e aves, 21.000 espécies de peixes, 140.000 invertebrados, 90.000 invertebrados artrópodes, 90.000 plantas subterrâneas e 270.000 plantas superficiais além de 55.000 micro-organismos. No rio Amazonas e seus 7.000 afluentes, 6.000 trilhões de metros cúbicos de água por segundo. Este oasis mundial está em perigo.
Percebem agora o que está por trás dos documentos de Santa Fe I-IV e do desespero da general Richardson, da guerra em todas as frentes contra a Venezuela e as intentonas golpistas contra Brasil e Bolívia, o apoio ao golpe de estado da direita peruana, a guerra política contra o presidente Rafael Correa e seu movimento político no Equador e a permanente guerra psicológica e manipulação da direita fascista colombiana? Jamais é por sua cínica campanha de direitos humanos com os quais os gringos nunca se preocuparam e sim pelas riquezas naturais que a Amazônia possui.
Na obra “Operação global geoestratégica estadunidense para anexar a América Latina” [3], o sociólogo e médico colombiano Alberto Pinzón afirma que a região amazônica constitui “uma gigantesca fonte comum de petróleo” para os cinco países, Colômbia, Equador, Peru, Brasil e Venezuela. Destes países, só dois extraem petróleo de forma limitada na zona, Colômbia e Equador.
Aí está a verdadeira explicação das guerras dos EUA no Afeganistão e no Iraque. Ou, como disse sem rodeios um general estadunidense: “Se estes países só produzissem rabanetes ou nabos, não lhes aconteceria nada”.
O petróleo e as reservas
Segundo um informe que foi publicado na revista Soberanía.info (2004), Venezuela, Iraque, Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Nigéria, Rússia e alguns países da Ásia Central serão os únicos produtores sobreviventes da era do petróleo.
Todos os demais, como Noruega, Grã Bretanha ou outros membros da OPEP, dentro de alguns anos estarão sem uma gota de petróleo para bombear.
Aproximação dos EUA à Venezuela prova que petróleo foi razão de ofensiva contra Maduro
Os Estados Unidos precisam fortalecer muito seus recursos energéticos durante os próximos 40 anos. O panorama da política energética no mundo respira pessimismo: os EUA produzem atualmente 73% do total de energia que o país consome. Mas, ao mesmo tempo, os EUA (2004) consomem:
• 33% de todas as substâncias fósseis no mundo como petróleo, carvão e gás.
• Cada quarto barril de petróleo no mundo.
• 40 de cada 100 litros de gasolina no mundo.
• 1 de 3 derivados fósseis.
O déficit de 25% do consumo energético estadunidense corresponde a doze milhões de barris diários de petróleo e gás que devem ser importados, principalmente, da América Latina. “Os doze milhões de barris se transformaram em 25-30 milhões de barris em 2020 e são a razão principal das intervenções armadas dos EUA em todo o planeta”, escreve o jornalista e especialista em energia Manuel Freytas, da agência de notícias IAR-Noticias.
Os Estados Unidos também não ocultam o fato de que se consideram com uma espécie de direito supranacional sobre os recursos naturais estratégicos do planeta, como o petróleo e o gás, como ilustra e confirma o Documento Santa Fé IV, que constituiu um manual tácito da política exterior da administração Bush para a América Latina, e que agora tornou-se política de Estado, depois da declaração da general Laura Richardson na semana pasada; uma ”Doutrina Monroe” por assim dizer.
A situação em 2004:
• Estados Unidos, Japão e UE consomem 67 de cada 100 litros de gasolina.
• 56 de cada 100 litros de derivados.
• 41 de cada 100 litros de combustível (azeite sujo, combustível)
• 60 de cada 100 litros de outras substâncias destiladas.
• 44,5 litros de gás do mundo.
• 50% do petróleo do mundo.
• Comercializam 65% do petróleo do mundo.
Segundo o cálculo de 2004, “estas superpotências teriam um déficit de 40 milhões de barris diários de substâncias fósseis, que em 2020 teria aumentado para 100 milhões de barris. Calcula-se que nenhum destes países tem reservas de petróleo que durem mais de 15 anos. Se não houver mudanças revolucionárias no campo da política energética, as indústrias e infraestruturas destes países enfrentarão uma situação dramática. Portanto, hoje existe uma aliança tácita entre a UE e os EUA contra os países que detêm as reservas de petróleo”, escreveu naquele ano de 2004.
Claro que a situação mudou a partir de 24 de fevereiro de 2022, em função da guerra da OTAN contra a Rússia na Ucrânia e da brusca mudança das diretrizes de vendedores e compradores de petróleo e gás russos. O que podemos constatar é que a descrita união EUA-UE já não é uma união e sim uma subordinação total da UE aos Estados Unidos.
Como estou certo de que muitos se lembram, o 6° presidente dos Estados Unidos, John Quincy Adams, foi também Secretário de Estado de seu antecessor, o mais infame e desprezado na América Latina, James Monroe. Adams cunhou a frase:
“Os Estados Unidos não têm amigos permanentes, só interesses”
Que tinha frequentado a escola de Monroe, é óbvio. Monroe manteve-se atrás da frase clássica que foi a política estatal desde então: “América para os americanos”, como se os Estados Unidos fossem a América e não apenas uma parte dela.
Com a general Laura Richardson, os dois stophiles ganharam um sucessor vivo de que a América Latina deve cuidar-se. Mas a uniformizada deveria cuidar-se também. Ou, como me disse um amigo hondurenho despois da declaração usurpadora da mulher com quatro estrelas em seu uniforme:
“Não se engane, senhora, está em nossa mira política”!
América Latina repudia a monroísta Richardson:
Cuba. O presidente Miguel Díaz-Canel, que participou da VII cúpula da CELAC, afirmou que “temos que aprender (…) onde está a verdadeira natureza e o verdadeiro interesse do Império, e continuar defendendo os postulados martianos (… ) Martí nos convocou a manter unidas nossas nações, neste conceito que é tão universal quanto Nossa América”, informou o site de Cuba Debate.
O expresidente da Bolívia, Evo Morales (2006-2019), escreveu em sua conta no Twitter:
“Lembramos à chefe do Comando Sul dos EUA que a América Latina não é seu quintal nem sua fazenda para explorar recursos naturais. Ante a nova ameaça intervencionista ianque, reiteramos que os povos livres da Pátria Grande defenderão sua soberania”.
O presidente da Bolívia, Luiz Arce disse em entrevista à agência de notícias Télam:
“Não vamos aceitar que ninguém se atribua nossas riquezas naturais como se fossem suas”, e acrescentou: “não é a primeira vez que os EUA falam de nossas riquezas naturais. Não vamos aceitar nenhuma imposição de ninguém nem que ninguém se atribua nossas riquezas naturais como se fossem suas”.
O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, assegurou que “a América Latina já não é um pedaço de terra para saquear”, advertindo que “aqui se constrói um bloco geopolítico emergente que será chave na construção de uma Nova Ordem Mundial Multipolar”
O deputado irlandês Mick Wallace brincou sobre “a preocupação dos EUA com a democracia e os direitos humanos” na América Latina, quando a realidade mostra que “estão muito preocupados é com a riqueza mineral que gostariam de extrair dela”.
Os autores por trás dos documentos Santa Fé
Os documentos Santa Fé foram editados por James P. Lucier, diretor de Staff do Comitê de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos no final do ano 2000. Lucier assinala que “os diplomatas e especialistas que criaram a imagem da política de Reagan para a América Latina em 1980 elaboraram os temas que a política estadunidense seguramente vai encarar nos próximos quatro anos”.
“O principal redator-assessor desde o primeiro documento em 1980 foi Roger W. Fontaine -estreitamente ligado a Richard Allen, assessor chefe de Reagan para a América Latina -, a quem se somam o ultraconservador Lewis Arthur Tambs (ex embaixador dos EUA na Costa Rica na década de 80´ que inventou a frase “narcoguerrilha”, mas era o aranha no Irã Contragate, onde o coronel Oliver North (US) introduziu nos EUA coca colombiana para comprar armas para os contras nicaraguenses) – de grande influência sobre Bush pai e editor de ”Santa Fe I”-, Gordon Sumner, David C.Jordan, Francis Bouchez, assim como o general John K.Singlaub – excomandante das tropas estadunidenses na Coreia do Sul e definidamente neonazista – e a viril Jeanne KirkPatrick, delegada do governo de Reagan na ONU.”
NOTAS:
Santa Fe IV:
[ 1 ] https://www.oocities.org/proyectoemancipacion/documentossantafe/documentos_santa_fe.htm
[2] Colin Powell: https://rojoynegro.info/articulo/los-verdaderos-objetivos-del-alca/
[3] “Operação global geoestratégica estadunidense para anexar América Latina”
Dick Emanuelsson | Telesur
Tradução: Ana Corbisier
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