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Angolanas com a maçã…e a dignidade na cabeça

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Osvaldo Cardosa * 

angolanas1Qual atletas de longo alentó, centenas de milhares de mulheres angolanas, sem importar a idade, percorrem sob a chuva ou o sol abrasador as ruas de Luanda, com pesados volumes em suas cabeças.

Junto a essas cargas, também levam às vezes o filho (a) nas costas, mas sempre com dignidade, buscando o sustento familiar.

“Desde menina transporto vasilhas, bandejas, cestas na cabeça. Creio que com os anos o corpo se adaptou e às vezes me pede isso”, assegura Domingas, uma rechonchuda jovem de 30 anos que foge das fotos e sugere: “você pode me fotografar quando eu for embora… de costas”.

Explica que carregar objetos desta maneira permite carregar pesos maiores do que com os braços, percorrer distâncias mais longas e fazer as coisas com as mãos livres.

Mas… é uma tradição ou uma necessidade? perguntamos. E ela responde: “Combinam-se as duas. Desde pequena vi minha família carregar lenha, baldes de água e percorrer quilômetros. Não havia transporte e procurou-se a melhor forma de buscar e trazer o sustento para casa”.

Conta que todos os dias, exceto aos domingos, viaja muito cedo desde o distrito de Rangel, em Luanda, até o centro para tentar vender produtos agrícolas (maçãs, bananas, abacaxis, uvas) a preços mais altos do que em praças e mercados das periferias.

Um único abacate na Rua da Missão, central, vale 200 kwanzas (dois dólares). Luanda é considerada a capital mais cara do mundo.

Sobre possíveis problemas causados por levantar objetos pesados dessa maneira peculiar, Domingas não se lembra de ter sentido nenhuma dor muscular ou ferimento no pescoço; mas às vezes sente cansaço.

A literatura médica indica que essa assombrosa faina ocasiona dificuldades nas costas e na espinha dorsal (coluna vertebral). Além disso em mulheres jovens os ossos pélvicos podem desenvolver-se mal e causar mais tarde problemas perigosos.

“Às vezes pensa-se que todo o esforço é com a cabeça. No entanto, as pernas são as alavancas que permitem aguentar o peso e o translado”, revela a sorridente jovem.

Estudos indicam que quando se leva uma carga desta maneira o corpo adota um mecanismo mais eficiente ao andar. Tal condição se adquire com os anos.

Baseadas na física, essas pesquisas indicam que algumas destas mulheres levam cargas equivalentes a 70% de seu peso, com mais eficácia do que militares com treinamento para carregar pesadas mochilas.

Venda ambulante na rua

Zungueira 3“Quando o marido te abandona com três filhos tens que sair, sair e sair para a rua, buscar a economia da família. Não temos opção”, insiste a jovem, que não acredita em sexo forte e sexo fraco.

Não entendo muito do assunto, argumenta, mas em todo caso seríamos nós as fortes “porque cuidamos sempre das crianças, dos doentes, dos avós e mantemos a casa”, argumenta.

Mas, e os homens? Responde: “Não todos são iguais, mas a maioria se tende a ter numerosas saias e a Cuca (marca da cerveja nacional)”.

Colegas angolanos explicam que apesar de progressos palpáveis na sociedade e na igualdade de gênero, na África ainda muitos homens, com apoio de damas ignorantes, estão convencidos que ter diferentes famílias supõe prestígio social e superioridade econômica.

Entende-se, argumentam, que se você tem diversos amores é porque tem um bolso poderoso para manter várias casas.

A isso se soma que muitas mulheres garantem que não encontram outra saída para sobreviver e aceitam as condições que impõe o Casanova.

Nesse cenário complicado, as zungueiras (nome dados às vendedoras de rua) transformam-se na coluna vertebral da família.

“Investigue e verá que a maioria dos homens angolanos tem mais de cinco filhos e diferentes casas”, comenta Domingas, que também reconhece que quase a totalidade das comerciantes de rua não paga imposto.

Comércio da discórdia

zungueiras©malocha_951-1024x698Torrente de imagens: qual formigas espalhadas, as vendedoras inundam as ruas do bairro São Paulo, em Luanda, onde tudo se vende ou se compra.

Ao grito de A Polícia!, todas recolhem da calçada seus panos ou cestas com mercadorias e, correndo, procuram entrar em qualquer porta ou beco que proteja seus produtos.

“Não pagamos impostos”, admite agitada Aline, que procura vender-nos uma jarra de plástico e utensílios de cozinha. Mal nos olha – parece preocupá-la a caminhonete policial que se deteve a uns 70 metros.

É comum o passeio dos agentes da ordem e cada uma tem sua história. Mas todas estamos obrigadas a vender, replica.

Para Aline, as mulheres desempregadas encontraram no comércio informal uma solução decorosa com vistas ao sustento da família.

E as contribuições pelas vendas?, interrogamos. “Não temos esse costume ou disciplina. Somos uma sociedade jovem que ainda se organiza”, afirma com um meneio de cabeça.

Tal fenômeno não é exclusivo de Angola. Estatísticas revelam que em quase todos os países a crescente força de trabalho informal opera nas ruas e não paga impostos.

Pelo visto, as vendedoras ambulantes dividem a sociedade angolana. Alguns não compartilham seu labor, enquanto outros justificam seu sacrifício “para alimentar a família”.

A esse respeito, a socióloga Helena Guerra solicita analisar o contexto histórico e sociológico desse “trabalho marginal”, pois o país enfrentou uma longa guerra e se perderam muitos homens, e assim a mulher teve que assumir os dois papéis.

Guerra compara essa atividade com a que assumiram mulheres no passado colonial – vender peixe e frutas em ruas e praças.

“Têm exatamente o mesmo papel social. São mães e donas de casa. Como na época colonial: vender para apoiar a família e ser capaz de pagar a educação de seus filhos”, precisa.

No momento, a Organização de Mulheres Angolanas (OMA) respeita estas vendedoras e as qualifica de heroínas do dia a dia. Em várias ocasiões condenou a violência contra elas por parte da polícia e dos organismos fiscais.

“É nosso dever ajudar essas mulheres nas ruas e proporcionar-lhes um lugar tranquilo para que possam desenvolver suas atividades comerciais”, afirmou Luzia Inglês, secretária geral da OMA.

*Prensa Latina de Luanda, Angola para Diálogos do Sul – Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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