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Foto: Jeanne Menjoulet / Flickr

Anos de ouro: o êxito vivido pela Cidade do México e por Frida Kahlo pós-crise de 1929

A crise dos EUA de 1929 permitiu que a capital do México fosse a principal cidade latino-americana, o que acompanhou a vida e a obra de Frida Kahlo
Carlos Russo Jr
Espaço Literário Marcel Proust
Florianóolis (SC)

Tradução:

A morte prematura da artista, em 1954, foi também o marco da decadência da principal cidade latino-americana da épocaa indomável, a intelectual e progressista Ciudad de Mexico, também denominada de “Paris Americana”!

A imortal artista Frida Kahlo nasceu em 1907, difíceis tempos de revoltas camponesas contra a fome e o latifúndio, que redundaram na Revolução Mexicana. Esta, uma vez derrotada, deu sequência a uma série de ditaduras sanguinárias.

Já a juventude e a maturidade da grande modernista coincidiram com a grande crise norte-americana de 1929o que permitiu o retorno do México à certa independência e à democracia, elementos formatadores dos anos de ouro da Cidade do México. Tempos de Cárdenas!

Lázaro Cárdenas e seu governo

Lázaro Cárdenas entrou na vida política durante a Revolução Mexicana, quando em 1913 aderiu ao Exército Revolucionário. Em 1928, Cárdenas tornou-se governador do Estado de Michoacán. Logo, presidente do Partido Revolucionário Institucional (PRI) pelo qual se candidatou à presidência da República e foi eleito em 1934.

O governo de Lázaro Cárdenas teve como principal objetivo a modernização da economia e da sociedade mexicana, antes totalmente atrelada aos interesses ianques.

Uma de suas grandes realizações foi a reforma agrária, que distribuiu terras aos camponeses. Em muitas localidades, as terras devolutas ou confiscadas foram organizadas em cooperativas comunais, estreitando os laços entre os camponeses. A produtividade do campo mais que triplicou em três anos!

Certa abundância de alimentos chegava pela primeira vez à mesa dos mexicanos.

Foram também distribuídas armas aos camponeses para que estes pudessem se defender das forças reacionárias, de suas milícias e dos grileiros. Acontece que armar os camponeses fortalecia as posições dos oficiais ligados a Cárdenas dentro do próprio Exército Mexicano.

O direito de realização de greves operárias também atendeu às demandas sociais. Cárdenas incentivou a criação de sindicatos e centrais sindicais. Foram ainda garantidos direitos trabalhistas e outros direitos sociais aos trabalhadores.

Cárdenas foi além! Nacionalizou as riquezas do subsolo do México, passando o Estado a controlar a exploração do Petróleo através da PEMEX (Petróleos Mexicanos).

No que se refere à política externa, o governo de Cárdenas foi caracterizado pela aceitação de diversos exilados políticos, notabilizando-se os casos dos combatentes espanhóis da Guerra Civil Espanhola e do líder bolchevique Leon Trotsky.

Outro ponto a se destacar no governo de Cárdenas foi o incentivo dado à educação gratuita e leiga da população trabalhadora e camponesa do México. E, sem dúvida, o apoio ao desenvolvimento das ciências, da cultura e das artes.

Em decorrência disto tudo, o México adquirira uma enorme popularidade entre os nacionalistas e anti-imperialistas de todo o mundo! E Washington, a contragosto, era obrigado a aceita-lo.

No início dos anos 1950, a Ciudad de Mexico ainda guardava a efervescência política e artística que atingira seu auge dos anos 1930/ 1940. O afluxo de milhares de exilados que fugiam do fascismo, do nazismo e do antissemitismo europeu trouxera-lhe uma sofisticação cosmopolita e deflagrara o renascimento cultural dos tempos de Cárdenas.

Tempo também de liberdade e descobertas, em que a criatividade e a fama de artistas como Diego Rivera, Frida KahloOroscoSiqueiros e Tina Modotti percorriam todo o mundo!

Escritores, artistas plásticos, intelectuais e figuras políticas encontravam-se nas noites dos bares, restaurantes e cabarés, onde as grandes estrelas do bolero mexicanos se apresentavam.

Ao mesmo tempo, uma pungente indústria cinematográfica criava figuras que se tornaram legendárias, tais quais Cantinflas, Dolores del Rio e Maria Félix.

Tal como Lawrence nos anos 30 o fizera, agora escritores de vanguarda como Breton e ArtaudKerouac e Burroughs atravessavam oceanos para inspirarem-se no inigualável ambiente criativo mexicano.

Ao mesmo tempo, aquele era um ambiente altamente politizado e cheio de intrigas, onde pululavam os espiões, tanto os americanos quanto os russos, tempos agora de guerra fria! As embaixadas dos U.S.A. e da U.R.S.S. estavam dentre as maiores do mundo. Afinal, dois assassinatos haviam sido perpetrados na década anterior. A CIA assassinara o líder comunista cubano Júlio Mella (1929) e a KGB, Trotsky (1940).

De tal maneira que os mundos políticos e artísticos se interpenetravam. Afinal, Modotti fora amante de Mella e Frida Kahlo, de Trotsky. O pintor Siqueiros participara de um ataque com metralhadoras contra a casa de Trotsky (que falhou), antes que o agente de Stalin, o espanhol Ramón Mercader o assassinasse com uma picareta.

A magnífica Ciudad de Mexico nos anos 1950 estava muito longe de ser a megalópole poluída, cercada por gangues envolvidas com o narcotráfico, mergulhada na pobreza e na violência dos dias de hoje. Afora sua área histórica central cheia de labirintos da velha cidade colonial construída sobre as ruínas astecas, era uma cidade serena, hospitaleira, com seus bulevares arborizados. Nem era incomum encontrar homens vestidos de “charros”, vaqueiros elegantes, passeando a cavalo pelo “Paseo de la Reforma” aos domingos.

O eclipse da “Paris Americana”

Talvez não exista um único momento isolado que defina o “eclipse” da “era de ouro” do cidade do México. Porém talvez poucos sejam tão emblemáticos do mesmo quando da última aparição em público daquela Frida Kahlo, extremamente abatida pela pneumonia contraída e que a levaria à morte dez dias após.

Era o dia 2 de junho de 1954, dia frio e úmido. Frida em uma cadeira de rodas empurrada pelo marido, Diego Rivera, fizera questão absoluta de participar da enorme manifestação organizada no México contra a derrubada do presidente eleito democraticamente da Guatemala, Arbenz, e o papel do imperialismo norte-americano na degradação da sociedade guatemalteca.

O golpe de estado que abalara a Guatemala foi uma operação denominada “PBSUCESS”, organizada pela CIA para derrubar o presidente Jacobo Arbenz Guzmán. Seu governo introduzira uma série de reformas econômicas, que a inteligência americana considerou como comunistas, por exemplo a reforma agrária. Também entrou em choque com o monopólio de empresas dos Estados Unidos nas terras da Guatemala, sobretudo com a United Fruit Company.

Acontece que a Guatemala constituiu apenas o primeiro golpe de estado promovido pela CIA na América Latina em tempos de guerra fria, que seria seguido por longa série!

Mas voltemos ao México. Diego Rivera empurrou a cadeira com Frida até o frontal do Palácio de Belas Artes, o panteão da cultura mexicana, centro da colossal manifestação. Ali, durante quatro horas, Kahlo juntou-se aos gritos da multidão “fuera gringos asesinos!”, erguendo as mãos com anéis faiscantes. Na esquerda, um cartaz com uma pomba da paz, na direita o punho erguido.

Depois disso, seu estado piorou e ela faleceu aos 47 anos.

Era o dia 13 de julho.

Exatamente dois meses após, um médico argentino, especialista em doenças alérgicas e que era voluntário na Guatemala democrática, cruzava fugitivo com sua companheira a fronteira mexicana. Seu nome: Ernesto Guevara. Mas esta já é outra história.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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