Pesquisar
Pesquisar

Apoiada em decisão do STF, Damares anula anistias concedidas a cabos da aeronáutica

A permissão de anulação de atos jurídicos perfeitos mesmo após o prazo prescricional, sem comprovação de má-fé, é conduta contrária à Constituição
Victor Neiva
Diálogos do Sul Global
Brasília (DF)

Tradução:

Em declaração de firmeza incomum, o ministro presidente do STF, Dias Toffoli afirmou que “não é mais possível atitudes dúbias” da parte do chefe do executivo. No mesmo dia, a Ministra Damares anulou 295 anistias políticas de cabos da aeronáutica. 

A decisão de cancelamento por parte do Ministério dos Direitos Humanos apoiou-se em decisão do mesmo STF que revolveu matéria fática para entender que a Portaria 1104 do então Ministério da Aeronáutica não teria motivação política a legitimar anistia, sendo necessária a prova de adicional de perseguição política pessoal. Como se não bastasse, ignorou a existência de prazo prescricional para o exercício do poder revisional por parte da administração. 

APOIE A DIÁLOGOS

A concessão de anistia com fundamento na referida portaria passou a ocorrer com grande frequência a partir de extensa dilação probatória que levou a Comissão de Anistia a sumular o entendimento de que a vedação ao reengajamento de cabos da aeronáutica tinha motivação exclusivamente política, direcionada a dissipar um possível foco de resistência ao Golpe Militar. 

A permissão de anulação de atos jurídicos perfeitos mesmo após o prazo prescricional, sem comprovação de má-fé, é conduta contrária à Constituição

Foto: Willian Meira/MMFDH
Ministra anunciou força-tarefa durante audiência na Câmara.

Reversão baseada em ilegalidade

A reversão das anistias de cabos da aeronáutica sempre foi uma questão de honra para os militares. Iniciou-se, de fato, a partir de expedientes absolutamente estranhos da Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa, que, atropelando decisão do Ministro da Justiça, deu pareceres de que a concessão de anistia era manifestamente ilegal.

RECEBA NOSSO BOLETIM

Em que pese a AGU ter dito após isso que a consultoria não teria competência para praticar aquele ato, legitimou a conduta de insubordinação do órgão afirmando que seria de sua prerrogativa a manifestação quando entendesse haver alguma ilegalidade. 

A recusa a cumprir um ato manifestamente ilegal por um servidor do Estado, mais que um Direito, é uma garantia para o império da lei e para o próprio Estado de Direito.

O que se espanta é que esta mesma garantia que foi assegurada à consultoria jurídica do Ministério da Defesa e ao final desembocou em uma decisão no mínimo heterodoxa de nossa corte suprema, ao ser negada de forma putativa aos cabos da aeronáutica em um Golpe de Estado, se considere natural e sem motivação política. 

“Manda quem pode…”

Esta vacilação, em que o reconhecimento do direito depende de quem o exerce e não da norma que o assegura, finda por esvaziar a função de fortalecimento do respeito à lei como um valor civilizatório, promovendo em seu lugar a mensagem “manda quem pode, obedece quem tem juízo” tão nociva a um ambiente democrático.

Se a mensagem passada para a sociedade já é indesejável, quando dirigida à caserna, torna-se ameaçadora. A mensagem é clara: “não questione qualquer que seja a ordem superior, independentemente de ser ilegal ou não. Te pegamos na saída”. E, com esse valor organizacional sedimentado nas forças armadas, se garante além do “o cabo e o soldado” para arruinar a democracia, que não se oponha resistência útil contra o arbítrio. 

Vê-se então que a permissão de desfazimento de atos jurídicos perfeitos mesmo após o prazo prescricional, sem qualquer comprovação de má-fé, legitimando arbitrariedades da Ditadura é uma conduta contrária à Constituição que se devia defender.

Quando somada à decisão ainda mais grave de legitimar a anistia de torturadores do regime militar, tece-se a conjuntura em que manifestações de firmeza em defesa de valores democráticos, além de se mostrarem necessárias, tem eficiência duvidosa para a defesa do Estado Constitucional.

Lá e cá….

Se olharmos para fora, buscando inspiração, uma longa tradição de respeito à lei e à Constituição independentemente da parte que requer o Direito, leva o Secretário de Defesa estadunidense a imediatamente contrariar o Presidente da República quando sugere usar o exército contra o seu povo, uma vez que lá o sentimento é o de que a legalidade vale mais que a autoridade. E, enquanto esse imbróglio já se resolve no âmbito do executivo, os ministros da corte suprema, todos eles, se ocupam em julgar conforme a lei.

Já aqui…

Victor Neiva é advogado e colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Veja também


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Victor Neiva Advogado, Bacharel em Direito graduado pela Universidade de Brasília em 1999 e pós graduado, em Direito Ambiental, pela mesma instituição em 2006. Compôs a banca de advogados atuante na Associação Brasileira de Anistiados Políticos, matéria que tem atuação marcante e reconhecida.

LEIA tAMBÉM

Com defesa de imigrantes, Petro age em prol de toda Humanidade, aponta líder colombiano
Com defesa de imigrantes, Petro age em prol de toda Humanidade, aponta líder colombiano
Acordo de Bolsonaro permite humilhação a brasileiros deportados dos EUA; cabe a Lula anular
Acordo de Bolsonaro permite humilhação a brasileiros deportados dos EUA; cabe a Lula anular
Fim do aplicativo CBP One Trump joga no escuro imigrantes em busca de asilo nos EUA
Fim do aplicativo CBP One: Trump joga no escuro imigrantes em busca de asilo nos EUA
Realidade do povo Mapuche piorou sob Boric, afirma Héctor Llaitul mais confronto e violência
Mais confronto e violência: Governo Boric piorou luta do povo Mapuche, afirma líder Llaitul