Nos últimos dias, e na medida em que foram conhecidas as preferências da cidadania, registradas pelas pesquisas de opinião, foi crescendo no Peru o manejo de certas teorias golpistas. Pareceria que desta vez a direita mais reacionária está francamente assustada diante da eventualidade de um governo de esquerda liderado pelo professor Pedro Castillo. Se no começo o ignorou, agora o leva à sério, e não pode ocultar o pavor que lhe causa.
Para enfrentar seus medos, primeiro tentou unir suas forças, embelezando o cadáver insepulto que os representa. Fracassou em sua tentativa, dado que o passado remoto e o imediato da senhora K é tão pesado que muita gente, inclusive desse signo, resiste em unir esforços por ela em 6 de junho.
Em um segundo momento levantou o esfregão do anticomunismo mais desenfreado e comparou o docente com Hugo Chávez, Nicolás Maduro e até com Fidel Castro. E assegurou a todos que sua eleição constituía uma opção que não nos livraria jamais de uma imaginária e perpétua “peste vermelha”.
Tampouco esse argumento desprezível lhe permitiu remontar a adversidade. As pesquisas de opinião demonstraram que quase 70% dos peruanos não se sentem anticomunistas e que a propaganda em torno ao tema simplesmente não lhe chega. E confirmaram, além disso, que a proposta principal do candidato – a troca da Constituição do Estado – se aproxima de 64% de adesão da cidadania. Em lugar de persuadir as maiorias nacionais, a folclórica ofensiva não fez senão reafirmar a teimosa vontade dos peruanos de optar por um caminho novo, que parece interessante, sugestivo e, sobretudo, limpo.
Agora, então, derrotada em toda a linha, recorre a um manejo certamente perigoso: o tema das armas. Ela, que condenou em todos os momentos a denominada “luta armada”, que demonizou as organizações “levantadas em armas” considerando-as “golpistas, “terroristas” e outras bobagens, parece haver terminado batendo na porta dos quartéis e pedindo aos fardados que tomem suas ferramentas de trabalho para “salvar a democracia”.
Claro que tomou cuidado ao expor o tema e não tem querido admitir que o que busca não é precisamente democracia, mas proteção aos seus privilégios e seus interesses de classe. Os dela e os das grande corporações.
Reprodução Twitter
O professor Pedro Castillo em campanha para o segundo turno das eleições para a presidência do Peru.
Primeiro foi uma Declaração da Associação de Oficiais, Generais e Almirantes retirados das Forças Armadas e da Polícia Nacional. Depois, um apelo de militares, aviadores e marinheiros também retirados que com seu próprio nome subscreveram uma belicosa proclama declarando guerra ao Partido Peru Livre e exigindo que Pedro Castillo seja julgado de imediato por “apologia do terrorismo”. Isso, como se sabe, equivale simplesmente a demandar que seja encarcerado e condenado a prisão perpétua, porque isso é o que dispõe a lei para um delito dessa magnitude.
E é curioso, quem encabeça essa lista “em defesa da democracia” é o general Francisco Morales Bermúdez, condenado à Prisão Perpétua pela Corte de Justiça da Itália, por sua participação na “Operação Condor”. Salvo da extradição por sua idade e saúde, o militar criminoso, pede “sanção exemplar contra o professor e seu partido.
Como isso não podia ficar na tentativa, chegou ao extremo do forjar um suposto documento atribuído ao Comando Conjunto das Forças Armadas tomando partido na contenda eleitoral de 6 de junho contra o que majoritariamente opina a cidadania.
O que busca obstinadamente é que os peruanos acudam nessa data aos postos de votação, mansos como um rebanho domesticado e submisso, e votem pela senhora Fujimori para assegurar a impunidade de todos os delitos consumados contra o Peru nos últimos 30 anos. E querem também que se restaure o regime neonazista de dominação que se apoderou do Peru na “década dantesca” consagrando a repressão mais desenfreada contra todo o povo.
Alguns avanços, embora desprezíveis, conseguiram com sua pregação. De fato, Mario Vargas Llosa aderiu gozoso a esta cantiga, falando de um “golpe militar de direita” para conter Pedro Castillo. E um já desautorizado porta-voz do consórcio comercial de Gamarra – o senhor Diógenes Alva- se somou à mesma gritaria sediciosa. Incapaz de ganhar pelos votos, a ultradireita peruana está disposta a recorrer às balas. E por isso pensa simplesmente nas armas.
As voltas que a vida dá são incríveis. Em março de 1895, Federico Engels, prologando a obra de Marx “As lutas sociais na França” se burlava da classe dominante da época, dizendo: “a ironia da história universal põe tudo de pernas pro ar. Nós, os “revolucionários”, os elementos “subversivos”, prosperamos muito mais com os meios legais que com os ilegais e a subversão. Os “partidos da ordem” como eles se chamam, vão a pique com a legalidade criada por eles mesmos. E exclamam desesperados “a legalidade nos mata”, enquanto nós criamos, com essa legalidade, músculos vigorosos e bochechas coradas, e parece que nos alcançou o sopro da eterna juventude. E se somos tão loucos que nos deixemos arrastar ao combate nas ruas, para dar gosto a eles, posteriormente não terão mais caminho que romper, eles mesmo, esta legalidade tão fatal para eles”.
Mas o tema de fundo hoje no Peru, reveste gravidade, sem dúvida. A reação está jogando com o Golpe de Estado e o uso de armas contra o povo. Se como consequência de uma ação desse tipo se desatar no país uma orgia de violência, a responsabilidade cairá, inexoravelmente, naqueles que, para preservar privilégios mal obtidos, buscaram fuzis em lugar de votos.
*Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru.
** Tradução Beatriz Cannabrava
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