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Argentina: mais do que possível e legal, liberdade a Milagro Sala é urgente

Há um ódio muito grande na perseguição a à lidera social indígena, o ódio dos setores que defendem o privilégio
Laura Vales
Página 12
Buenos Aires

Tradução:

Cumprem-se sete anos da detenção arbitrária e política da dirigente social de Jujuy, Milagro Sala, que disse a Página12 que espera que o presidente Alberto Fernández “tenha a coragem de decidir por sua liberdade”.

Além disso, na reunião que organismos tiveram na última semana de dezembro com o Presidente na Casa Rosada, Fernández pediu aos advogados do grupo que lhe apresentem ideias sobre como ele poderia intervir no assunto, por mais que se trate de uma questão provincial — AF diz que não pode indultá-la por esse motivo. 

Segundo disseram a este diário alguns participantes da reunião, durante todos estes dias uma equipe jurídica de alto nível trabalhou no tema e reuniu informações para oferecer a Fernández algumas opções possíveis para que, deste modo, o mandatário possa indultá-la. Além dos argumentos, a definição de indultá-la ou não “será uma decisão política que só está em suas mãos”, esclarecem. 

Os organismos de direitos humanos têm uma posição definida: “Sempre vamos demonstrar abertamente à sociedade nossa indignação com a prisão de Milagro. Se o Presidente pode indultá-la — ele diz que não pode, eu não sou advogada, não sei —, mas se há alguma saída pedimos a ele que a adote, desde que esta mulher, esta querida amiga, esta patriota, recupere a liberdade”, disse Estela Carlotto ao Página/12. 

“Como não vamos exigir, não pedir, exigir o indulto e a liberdade de Milagro”, disse Taty Almeida das Mães da Praça de Maio Linha Fundadora. Outros personalidades puseram no centro da argumentação a obrigação do Estado nacional de proteger os cidadãos de perseguições armadas, diante das quais os acusados ficam sem garantias de uma defesa justa, já que seu objetivo real não é fazer justiça e sim aplicar um castigo exemplar.

Há um ódio muito grande na perseguição a à lidera social indígena, o ódio dos setores que defendem o privilégio

Imagen: Angel Lozano
Milagro Sala: "Alberto tem que decidir. A decisão passa antes de tudo por ele. Que tenha a suficiente coragem"




Os argumentos jurídicos para indultar Milagro Sala

O grupo de advogados que trabalhou na proposta argumentarão a Fernández, entre outras coisas, que o sistema internacional de direitos humanos e particularmente o Tratado de São José da Costa Rica, que é a Convenção Interamericana de DDHH, estabelece que as vulnerabilidades e violações cometidas em um estado obrigam o estado nacional a tomar as medidas reparadoras correspondentes. Isto é, eles explicam que tanto as Nações Unidas como a OEA interpelam o Estado Nacional e não os estados provinciais. Por isso mesmo consideraram que é o Estado Nacional um dos corresponsáveis pelo que ocorreu e ocorre na província de Jujuy.

“Os tratados têm nível constitucional”, esclarecem, ressaltando ainda que se trata de “um problema humanitário gravíssimo” que necessita da intervenção política do Presidente porque a saúde de Milagro Sala complicou-se ultimamente. “É preciso fazer uma interpretação em favor do menos favorecido e da pessoa que está sofrendo”, afirmou uma integrante dos organismos de direitos humanos.

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O que os advogados apresentarão a Fernández é “uma proposta de decreto”. No entanto, especificam que não querem adiantar detalhes até encontrar-se com o Presidente e poder transmiti-los a ele. “Quisemos colaborar para alcançar, mais cedo que tarde, a liberdade de Milagro, o modo depois o Presidente verá”, explicaram advogados que estiveram trabalhando no tema.

Em uma carta apresentada pelo Comitê pela Liberdade de Milagro na semana passada, explicaram que “o que estamos pedindo neste momento é que a autoridade presidencial defenda sua sociedade da discriminação, da injustiça e do abuso de poder”.

Argumentaram que “desde o início do atual governo da província de Jujuy, seu Poder Judiciário foi um apêndice do Poder Executivo; que desde a detenção de Milagro a perseguição concentrou-se em armar causas ou exumar as prescritas; que foram ignoradas as provas oferecidas pela defesa e submeteram-se os processados a citações no tribunal sem conhecimento de seus advogados defensores; que não foi garantido nos locais de detenção a segurança e a atenção à saúde dos dirigentes perseguidos e reiteradamente não foram cumpridas as disposições da Corte Interamericana de Direitos Humanos”.


Os pedidos por Milagro

“Instamos o presidente, porque com ele temos muita liberdade, falamos muito com ele, que se for possível o faça, assim que puder, para que Milagro goze de liberdade. Eu não sou advogada, não sei que impecilho pode existir para que um Presidente a indulte, mas creio que é preciso encontrar um jeito. Um jeito sadio, um jeito digno, honesto, mas um jeito para acabar com esta perseguição violenta, este martírio que Milagro está sofrendo por ter ajudado seu povo”, disse Estela Carlotto a este diário.

A presidenta das Avós da Praça de Maio lembrou que conheceram Milagro “pelas grandes tarefas que estava realizando; ela ia a Buenos Aires assiduamente e a apoiamos sobremaneira, porque era uma pessoa muito simples, muito humilde, que não tinha recursos mas que os conseguia. Sabíamos que estava trabalhando com a população mais pobre para dar-lhes bem estar e para que merecidamente vivessem em casas e não em choças, enfim: tudo o que a história contou e se sabe e é verdade. Evidentemente o governador (Gerardo Morales) não considerou isso cômodo para seu projeto e começou a persegui-la até ‘encontrar’, entre aspas, delitos inexistentes”. 

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Sobre o apoio dos organismos, Estela de Carlotto agregou que “claro que todos os organismos  puseram-se a favor de Milagro. Eu fui vê-la quando pude e estive com ela dentro e fora da prisão. Realmente estava inteira, confiante, porque considerava que não havia cometido nenhum delito. Mas nada pudemos, porque o poder desse governador e de sua justiça fez com que continuasse prisioneira, e agora querem julgá-la e condená-la para jogá-la em uma prisão comum por delitos que não existiram”. 

Por último, ressaltou que “os organismos sempre vão demonstrar abertamente à sociedade nossa indignação, e se o Presidente pode indultá-la — ele diz que não pode pela vigência que tem o poder do governador em sua província, não sou advogada, não sei —, mas se há alguma saída pedimos que a adote, de modo que esta mulher, esta querida amiga, esta patriota, saia desta situação”.

“Vamos estar na conferência de imprensa como Mães Linha Fundadora”, disse Taty Almeida a Página12. “Queremos a liberdade, o indulto e seja o que for para Milagro Sala porque chega a ser uma infâmia o que está cometendo Gerardo Morales. Não faz mais que demonstrar o ódio que tem de Milagro. Todas as Mães estamos pedindo a liberdade, seja por indulto ou como for. Entendemos que o indulto não é fácil dado que se trata de justiça provincial, mas pode-se buscar um jeito.

Nisso estamos, vendo de que maneira legal pode-se fazer. Mas a intenção é essa: exigir a liberdade de Milagro”. 

Para a ministra das Mulheres da província de Buenos Aires, Estela Díaz, “a proposta de processo político para a Corte e a proposta de indulto para Milagro vão no sentido de fazer algo que deveria ter sido feito muito antes, que é começar a sanar institucionalmente nossa democracia, que foi profundamente atingida pelo macrismo. Perdeu-se muito tempo: quando chegamos ao governo já se sabia que o mecanismo de avanço da direita e debilitamento institucional seria com o uso do poder judiciário, e o exemplo extremo é a província de Jujuy”.

Díaz fez parte da construção do Comitê pela Liberdade de Milagro, como pessoa de referência da CTA dos Argentinos. “Desde o começo vimos que era um exemplo para a militância social e que em Milagro confluíam a perseguição por ser mulher, por ser líder social, por ser colla, por ter conseguido obter direitos de uma perspectiva comunitária. Há um ódio muito grande na perseguição a Milagro, que é o ódio dos setores que defendem o privilégio. Na América Latina esse mesmo ódio se viu depois, em ataque a outros líderes e na Argentina o vemos no encarniçamento contra Cristina: contra as líderes mulheres. 2022 foi o ano em que tentaram assassinar a vicepresidenta da Nação, então é ‘presa ou morta’ para as líderes que transformam a sociedade”, disse.

Entre os argumentos para reclamar do Presidente o indulto, a ministra bonaerense afirmou que “hoje não há poder judiciário independente na Argentina. Esse laboratório de ensaio repressivo que é Jujuy continua ameaçando o tempo todo nossa democracia. O indulto é o caminho para cumprir com a perspectiva dos tratados de direitos humanos vigentes na Argentina: é preciso entender que estão sendo vulnerabilizados direitos protegidos por esses tratados e é o Estado nacional que deve velar por eles, independentemente de que o poder que condenou Milagro seja o poder judiciário de uma província. Um poder judiciário cooptado pelo poder político”.

Eduardo Tavani, copresidente da APDH, afirma que “são sete anos da detenção de Milagro e queremos testemunhar a arbitrariedade de sua detenção e reclamar sua liberdade como vimos fazendo desde o primeiro dia”.

“Cremos que é imperioso que o Presidente instrumentalize as medidas legais necessárias para dispor a ampliação do número de integrantes da Corte Suprema e formalize o pedido de processo político de seus membros. Por isso, também conscientes de que a condenação de Milagro é ilegal, o Poder Executivo está obrigado a intervir e pôr fim a essa injustiça. Cremos que é imperioso que sejam arbitradas todas as medidas para dar o indulto a Milagro Sala”, acrescentou Graciela Lois, dos Familiares.


Por que o Governo não indulta Milagro Sala?

A Casa Rosada abriu a chance de uma alternativa quando abriu o jogo com os organismos de direitos humanos, e o Presidente lhes pediu argumentos. Ainda assim, consultando-se o seu entorno, toda opção parece afastada: “(O Presidente) sempre disse que o indulto era impossível porque se trata de um assunto provincial”, insistem. 

E nessa linha insiste um dos advogados constitucionalistas que foi consultado pelo mandatário: a competência de um Presidente para indultar ou comutar penas rege para aquelas que foram aplicadas no âmbito da justiça federal, não no âmbito da justiça provincial. Diz que esta competência é dos governadores: “Como a condenação de Sala proveio da justiça provincial quem poderia fazê-lo é Gerardo Morales”, afirma. E opina: “Para a opção do indulto teria que haver uma ordem emanada de um informe particular da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ou uma sentença da Corte IDH”. A CIDH já manifestou-se sobre o tema mas a respeito da forma da detenção de Milagro; como também recorda o especialista, ainda “não o fez com relação à condenação”.

Sobre os argumentos do sistema internacional de proteção aos direitos humanos que poderiam abrir a possibilidade de rever esta posição, a Casa Rosada considera que “está certo”. Mas, “para isso teria que existir um informe que verifique que foram violados os direitos de Milagro e que ordene a reparação urgente do Estado nação”. Nesse sentido, cogitam como alternativa que, tendo esgotado as instâncias de jurisdição interna — com a sentença que a Corte emitiu em dezembro —, há seis meses para apelar à CIDH e iniciar um processo contra o Estado argentino para que a condenação seja anulada”.

Um modo de prolongar os prazos, tirar a bola da quadra, e, como diria Milagro Sala, não pegar a caneta. Parte da disputa que começa.

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O pedido de Milagro

Na entrevista recentemente publicada pelo Página12, Milagro Sala fez o pedido na primeira pessoa: “Se me perguntassem há dois anos sobre o indulto, teria dito que não. Não ao indulto porque tinha uma pequena esperança de que a Corte Suprema revise o processo dos pés à cabeça”, mas ”não se deram ao trabalho de revê-lo e a resolução que tomaram é uma confirmação política, é um acordo político com Morales”.

Por isso, disse agora: “Hoje, sim, eu gostaria de um indulto. Tenho o sonho de sentar-me na Corte Interamericana e prestar contas. Quero prestar contas de todo o trabalho que fizemos, de todas as construções, de que nunca roubamos nada”. E a Alberto Fernández pediu que tenha a coragem de assiná-lo. “Cristina lhe pediu que use a caneta. Isso é Alberto que tem que decidir. A decisão passa antes de tudo por ele. Que tenha a suficiente coragem de fazê-lo e deixe de ter medo da mídia nacional opositora, porque por aí se tem medo de um tapa de diário ou de uma rede de TV”.

Laura Vales e Melisa Molina | Página 12
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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