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Amauri Chamorro*
As lições vindas da Argentina servem de alerta para um possível tsunami nas costas atlântica e pacífica da América Latina. A onda que poderia formar-se contra os governos progressistas no continente pode ser devastadora.
Devemos, urgentemente, ativar o alarme de que o que parece um pequeno terremoto transformou-se em um perigo iminente. A metodologia, os instrumentos, a experiência dos cientistas e estrategistas estão subdimensionando o que está por vir. Depois, quando o resultado se concretize, a terra arrasada poderá ser analisada em um documentário desses canais tipo Discovery Channel que mostram todos os indícios que ninguém quis considerar.
As pesquisas davam uma acachapante vitória no primeiro turno ao candidato presidencial kirchnerista Daniel Scioli, contra a ultra direita argentina. Vinte e quatro horas depois dos primeiros resultados, o progressismo argentino ainda não sabe o que aconteceu. A realidade é que matematicamente é quase impossível que o progressismo ganhe as eleições. Não duvido da existência de milagres, como o do filme O Impossível, que conta a história de uma família sobrevivente do tsunami na Tailândia. Milagres acontecem. Mas a realidade é terrível.
A lição antecipada que devemos aceitar, no caso de uma derrota do progressismo na Argentina, é que não se pode parametrizar a sobrevivência de um processo político, em uma conjuntura tão agressiva, simplesmente com pesquisas. A possível boa avaliação de um governo, de um dirigente, ou a compreensão da dimensão das conquistas obtidas não são suficientes para dar continuidade às revoluções em cada país. Os processos de comunicação são apenas componentes, ferramentas, um mecanismo do dia a dia. Não se pode solucionar problemas políticos com comunicação, e o progressismo latino-americano apoiou nela, em demasia, seu caminhar. Para os revolucionários de escritório, isto é mais fácil, imediato, indolor.
Não é necessário olhar no espelho e aceitar que há muito por fazer. A autocrítica política dos movimentos progressistas é cada vez mais deixada de lado, esquecendo-se que a autocrítica é indispensável para qualquer revolução. É preciso corrigir urgentemente.
O excesso de confiança nos líderes históricos de cada um dos processos excluiu, perigosamente, a necessidade indispensável de debater a política internamente, para depois retomar com o resto da sociedade o norte ideológico graças ao qual os mais carentes conseguiriam um espaço na sociedade. É necessário reconquistar cada esquina, diariamente. Mas o fato de ser um governo de êxito e duradouro acostumou-o a defender espaços na burocracia. Os movimentos decidiram defender o ser governo. Tal é o epicentro de um desastre destas proporções.
A maioria dos ministros e quadros médios dos governos progressistas e que se autoproclamam de esquerda, nasceram politicamente em uma mesa de escritório, com ar condicionado, escoltas, carro blindado e viagens de primeira classe. Perigosamente, são eles os responsáveis por um diálogo com a nova classe média, resultante de políticas progressistas de inclusão no mercado de consumo, sem que um processo educacional e de formação política tenha tocado o coração de nenhum. Tanto o burocrata como o cidadão não entendem seu papel nesta nova sociedade. Um acredita que o mundo dará continuidade aos processos revolucionários por meio da boa vontade de seus correios eletrônicos. Para o outro, não importa nem um pouco o processo graças ao qual saiu da pobreza.
Não basta fazer uma campanha, contratar consultores internacionais, fazer pesquisas e gerar tendências em redes. O exercício político se faz dentro e fora das esferas partidárias. A auto confiança gerada a partir dos Power Points com pesquisas de opinião não podem ser o norte da gestão pública.
O constante ataque das empresas de comunicação forçaram os governos progressistas a não mostrar brechas ou falhas. Apesar dessa tática da negação, a cidadania sente as falhas dos processos revolucionários no dia a dia, principalmente na má qualidade dos serviços públicos, criando uma assimetria entre o que o governo comunica e o que vive o cidadão. Não vamos cair nessa armadilha. É indispensável retomar as críticas a nossos próprios erros, sem medo de parecer frágeis. Não podemos negar um tsunami. O que podemos fazer é manter-nos em alerta, em constante avaliação para sobreviver a ele.
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Quito, Equador. Original de El Telégrafo – Tradução de Ana Corbisier