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As “novas classes médias” brasileiras, os erros de avaliação do PT e do PSDB

Benedito Tadeu Cesar

Tradução:

Benedito Tadeu Cesar*

Benedito Tadeu CésarSurpreendidos pelo avanço de Marina Silva na pesquisa de intenção de voto realizada pelo Ibope e divulgada na terça-feira (26), a imensa maioria dos analistas e, principalmente, dos militantes e simpatizantes petistas, ainda atônita, tenta entender a arrancada eleitoral de Marina, que não apenas confirmou a dianteira (já detectada pela pesquisa do Datafolha) sobre Aécio Neves (PSDB), abrindo agora dez pontos percentuais sobre ele, como também se colocou nove pontos à frente de Dilma Rousseff (PT), na simulação de segundo turno.

ec51 A sociedade brasileira mudou. Os 30 a 40 milhões de brasileiros que ascenderam às “classes médias” no Brasil durante os últimos governos.

A avaliação de muitos é de que Marina Silva, neste momento ainda impulsionada pela comoção causada pela morte trágica de Eduardo Campos e pela farta cobertura de mídia, provavelmente perderá o fôlego revelado na arrancada e começará a perder pontos, com o desenrolar da campanha, dos debates e, principalmente, com a revelação, tanto de seus “poucos e mal elaborados” planos de governo, quanto dos técnicos e apoiadores de sua candidatura. Sua aura de novidade, de renovação e de heterodoxia tenderá a se esvair rapidamente, dizem, e consequentemente os percentuais de intenção de voto que exibe hoje refluirão.

Sem que se avaliem aqui as pesquisas do Ibope e Datafolha e suas possíveis incongruências ou, ainda, as chances de Marina Silva vencer ou não as eleições presidenciais, vale tentar entender o que tornou possível, além do acaso sinistro da morte de Eduardo Campos, a disparada (curta ou longa ainda não se sabe) de Marina Silva.

Dizer, como vem sendo dito por muitos, que o eleitorado está cansado da polarização PT x PSDB e que está desiludido com a política e com os políticos tradicionais é dizer pouco mais do que todos já constataram no seu dia-a-dia, conversando com amigos e conhecidos. Afirmar que muito da insatisfação com a política e com os políticos foi semeada pela grande mídia, que vem tentando estancar o ciclo de governos petistas, ainda que contenha grande dose de verdade, não explica porque uma campanha desse tipo encontrou terreno fértil para vicejar. Pouco explica também afirmar que, no afã de inviabilizar a reeleição de Dilma Rousseff e considerando a incapacidade de Aécio Neves deslanchar, a grande mídia e até, talvez, grande parte das “elites” tenham se bandeado ou irão se bandear para as hostes marinistas.

Por que, de repente, Marina Silva tem tanto voto (ou intenção de voto)? A mídia, grande ou pequena, não vota, ainda que forme opinião e influencie na decisão do voto, e as “elites”, pelo próprio fato de serem minorias, são incapazes de ganhar uma eleição apenas com os seus votos, ainda que seus recursos financeiros sejam fundamentais nas campanhas eleitorais. Ganhar uma eleição majoritária, como são as de presidente da República e de governador de Estado, exige que se conquiste o voto da maioria dos eleitores, o que só ocorre quando se consegue entender como pensam, como agem, quais as necessidades e, principalmente, quais os anseios dessas maiorias eleitorais.

A sociedade brasileira mudou. Os 30 a 40 milhões de brasileiros que ascenderam às “classes médias” no Brasil durante os últimos governos
O padrão de bem estar alcançado hoje pelas “novas classes médias” brasileiras as remete para o futuro e as faz desejar muito mais do que já têm hoje

Tanto o PT quanto o PSDB, responsáveis pelas profundas transformações ocorridas na sociedade brasileira nos últimos 20 anos, não entenderam, ao que parece, o que fizeram e como as ações e políticas que adotaram em seus governos alteraram a maneira de viver e de agir, as necessidades e, consequentemente, a maneira de pensar e de desejar das maiorias sociais brasileiras. E, porque não entenderam, começam a perder os votos que antes detinham e que se tornam, ao que parece, cada vez mais difíceis de serem recuperados.

A sociedade brasileira mudou. Os 30 a 40 milhões de brasileiros que ascenderam às “classes médias” no Brasil durante os últimos governos, consolidando um movimento que se iniciou com FHC, se intensificou com Lula e se consolidou com Dilma, vivem hoje diferentemente do que viviam antes. Como classes médias que são, pensam e agem agora como classes médias. São preocupados consigo mesmos e prospectivos, mirando o futuro em cada ação que realizam. A sociedade brasileira mudou. Os 30 a 40 milhões de brasileiros que ascenderam às “classes médias” no Brasil durante os últimos governos

As “novas classes médias” brasileiras atribuem sua ascensão social e a melhoria de suas vidas ao seu “esforço próprio” (“Eu ralei muito: trabalhei de dia e estudei de noite, paguei minha universidade”), mesmo que tenham sido beneficiadas pelo Prouni e/ou pelo FIES, pelo Universidade sem Fronteiras, pelas Cotas Raciais e de Egressos da Escola Pública, pelo Minha Casa Minha Vida e até pelo Bolsa Família. O que receberam foi por merecimento, não dádiva governamental, entendem. E têm razão em assim pensar.

O padrão de bem estar alcançado hoje pelas “novas classes médias” brasileiras as remete para o futuro e as faz desejar muito mais do que já têm hoje. Pagando as prestações da primeira casa, do primeiro carro e das primeiras viagens de avião, querem agora melhores vias e melhor transporte público, melhores escolas e creches, melhor atendimento médico (seja pelo SUS ou seja pelos planos privados de saúde), mais vagas nas universidades, mais segurança etc. O padrão de exigência frente aos serviços públicos e privados aumentou, sem que tenha aumentado também a capacidade de oferecer melhores serviços, principalmente no que se refere ao setor público.

Isto explica, em parte, a eclosão das manifestações de julho de 2013, convocadas por meio das redes sociais, e explica também porque elas se espalharam por todo o país, quando passaram a ser estimuladas pela grande mídia. Nem o PT e nem o PSDB entenderam o que ocorreu. FHC esboçou uma análise. Dilma Rousseff fez promessas. Nem FHC e o PSDB, nem Dilma e o PT avançaram na compreensão e nas respostas às ansiedades “das ruas”. Eles “criaram” as “novas classes médias” brasileiras e, depois, não conseguiram entende-las.

O PT fez pior. Inicialmente, tentou criminalizar as manifestações de 2013. Mesmo que tenha voltado atrás, quando percebeu o erro cometido, jamais conseguiu responder aos anseios que afloraram naquele momento e que se mantêm ainda hoje. Não por acaso, foram os jovens das “novas classes médias” brasileiras os que foram às ruas e que hoje fogem da candidatura de Dilma Rousseff, conforme revelam as pesquisas de intenção de voto. Os “coxinhas”, que foram incompreendidos e xingados em 2013, “vingam-se”, finalmente, tendendo a votar, em 2014, em Marina Silva que, acreditam, é aquela que melhor os compreendeu e melhor os representará.

Mais ainda do que o PSDB, o PT cometeu o erro clássico das esquerdas tradicionais: esqueceu que existem as “classes médias”, que elas são importantes nas sociedades contemporâneas e que nenhum governo socialdemocrata, seja ele petistas ou peessedebista, se manterá por longo tempo (elegendo sucessores), sem o apoio das “classes médias”. “Classes médias” que, aliás, emergiram e se multiplicaram em todos os países do mundo contemporâneo por obra dos socialdemocratas que os governaram por longo tempo durante todo o século XX.

* Cientista polítco e colaborador da Diálogos do Sul

Original publicado no Sul21


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Benedito Tadeu Cesar

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