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“As universidades estão numa luta entre a vida e a morte”, afirma Vladimir Safatle

Safatle fala sobre os protestos contra cortes na Educação de 15 e 30 de maio, além da mobilização bolsonarista do dia 26
Pedro Zambarda de Araujo
DCM
Brasília (DF)

Tradução:

O professor e filósofo Vladimir Safatle leciona no departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo e é colunista do jornal Folha de S.Paulo. É uma das poucas vozes na velha mídia a discutir o ensino público e o papel da esquerda nos ataques aos educadores e estudantes.

Numa entrevista ao DCM em 2016, Safatle disse que não “vivemos no mesmo Brasil” daquele que apoiaram o golpe em Dilma Rousseff. O professor agora fala em rota de colisão entre esse grupos.

O DCM entrevistou Safatle sobre os protestos contra cortes na Educação de 15 e 30 de maio, além da mobilização bolsonarista do dia 26.

Safatle fala sobre os protestos contra cortes na Educação de 15 e 30 de maio, além da mobilização bolsonarista do dia 26

DCM
DCM entrevista Vladimir Safatle sobre os protestos de maio

Confira a entrevista:

Diário do Centro do Mundo: O senhor falava em dois Brasis, com uma população que não conseguiria dialogar com outra. Hoje, em sua coluna na Folha de S.Paulo, fala em “colisão”. Os atos de maio, contra e a favor de Bolsonaro, são a expressão desse rompimento?

Vladimir Safatle: Sim, o Brasil está dividido e isso demonstra que há forças de mobilização. Há forças nessa extrema direita, que se assumiu de fato, embora seja menor do que na esquerda. Mesmo assim, esses extremistas não vão cair. O Brasil inaugura um novo momento desde 2013. Era nítido que chegaríamos nesse ponto. Era um pacto de conciliação que desaparece por completo. Esse pacto foi mais ou menos o horizonte da Nova República.

Esse processo de colisão vai chegar em algum lugar. Não será possível o país permanecer como está por muito tempo. Uma coisa é certa: não só a sociedade como o governo estão num horizonte de guerra civil. Em qualquer governo do mundo, quando você tem mais um milhão de pessoas na rua, o governo precisa dar uma resposta nem que seja só simbólica. O governo Bolsonaro não dá essa resposta e dobram a aposta na confrontação.

DCM: Eles reafirmam o que falavam em campanha, certo?

Vladimir Safatle: Eles reafirmam a confrontação e não é nada de um horizonte de um governo dependente de uma ideologia. Você pode ter um governo de direita, mas, quando ele vê grandes mobilizações populares, essa instituição faz um aceno nem que seja só pra criar uma comissão, uma discussão, algo formal. Isso não é horizonte desse governo de forma nenhuma. Ao contrário.

Educação é uma pauta que une a esquerda?

Ela é uma bela pauta, porque tem força aglutinadora. Mas é bom lembrar que essa força aglutinadora tem os seus limites. Esse pessoal que saiu para as ruas no dia 26, da extrema direita, é completamente insensível ao tema da educação. O gesto de manifestantes que vão para uma universidade tirar uma faixa em defesa da educação é significativo. Todos pela educação, um horizonte político que esteve presente tanto na direita quanto na esquerda, mesmo com as diferenças no campo das resoluções, some para essa extrema direita.

Esse grupo dos 30% de apoiadores do Bolsonaro não tem esse horizonte. Há o cultivo do anti-intelectualismo e, no embate com as universidades, eles não enxergam mudança. Há pelo menos três gerações de pessoas educadas no pensamento crítico com raízes nos anos 50 e as instituições de ensino não vão mudar do dia pra noite. Por isso, quando Bolsonaro decide colocar alguém no Ministério da Educação, ele coloca alguém que é contra isso. Tira um sujeito do sistema financeiro e um professor de filosofia totalmente obscuro. 

Faz isso porque não há nessa direita um ponto de vista mais concreto. O pensamento crítico no Brasil se deu por outro lado do espectro político. Eles percebem isso e enxergam que não há como desconstruir. Eles precisam sufocar e destruir. É um horizonte de desmonte que inclusive não é neoliberal.

O desmonte pela privatização, certo?

Isso. E essa extrema direita não faz isso. É o desmonte político e ideológico. É o fechamento puro e simples, sem outra alternativa. Que professores conservadores dessa visão existem? Não existe. Então não há o que botar no lugar. O perfil do professor brasileiro pode ser até mais de centro, mas raramente de direita. Eles estão numa batalha ideológica muito assumida.

Como o senhor avalia os protestos de 30 de maio em comparação aos do dia 26? E em comparação ao dia 15?

As manifestações demonstram fôlego, embora tenham uma infraestrutura muito precária. Quem chama as manifestações é a UNE. A UNE hoje já não tem mais nada. Não tem nenhum grande ator por trás disso. Isso acontece no mesmo momento que a manifestação do dia 26 foi chamada pelo próprio governo.

E que enfrentou oposição na própria direita, não é professor?

Sim. Há um núcleo duro do governo que vai se descolar do resto. Ele vai tentar colocar o resto da direita contra a parede. Eles querem assumir as pautas deles e a própria condução. Não é um governo comum e não estão dispostos a fazer a negociação de qualquer governo. Constituem o núcleo duro e jogam pra opinião pública que estão em luta contra o próprio governo. É uma estratégia fascista clássica. Jogam que a oligarquia está no Estado, mesmo que o mercado financeiro e instituições tradicionais tenham ajudado organicamente Bolsonaro.

As universidades têm condições de resistir aos cortes de Bolsonaro diante da influência nefasta de Olavo de Carvalho? Por quê?

A luta para as universidades é de vida ou morte. Não é uma luta qualquer. Não é uma brincadeira. Não é uma luta contra um contingenciamento, contra uma irresponsabilidade. Não é contra um corte. É contra mais um gesto dentro de uma política geral de desmonte da Educação nacional, em que estão inclusos revisionismos históricos, desconstituição completa do sistema de pesquisa, do sistema de financiamento, da produção, afetando gerações de pesquisadores e bloqueando bolsas.

Além disso, há uma política do medo. As pessoas ficam amedrontadas de entrar numa carreira universitária porque não sabe se terá alguma coisa em um ano ou dois anos. Isso de fato é uma luta de vida ou morte das universidades que é atacada em todos os seus níveis: no orçamento, na autonomia, na pesquisa. A universidade percebe que só pode contar com ela própria.

A universidade conta com ela mesma como elemento mobilizador e busca outras forças para sustentar, mas ela precisa se defender a partir do que ela tem.

Além dessa briga, o novo governo tem uma luta fundamental contra a juventude brasileira. Desde 2011, essa juventude cresce na rua. Estava nos Occupy, esteve nas manifestações de 2013 e chegou nas ocupações das escolas em 2016. Em 2017, tivemos movimentos de defesa dos grupos mais vulneráveis da sociedade, incluindo os LGBTQ, os negros e as feministas. Essas pessoas viram nas universidades os seus pólos centrais. O governo luta contra essa juventude que está em processo de radicalização.

Fazem de tudo para que ela não tenha espaço de discussão. Isso significa quebrar a universidade também.

Esse processo não é só brasileiro. Todos os governos extremistas, como a Turquia e a Hungria, enfrentam processos similares.

Esse grupo internacional do Steve Bannon, que ajudou Bolsonaro, tem isso como objetivo, certo?

Claro. É uma Internacional Conservadora que tem práticas equalizadas. Na Turquia, eles botaram sete mil professores pra fora. Na Hungria, o departamento de estudos sobre gênero foi simplesmente fechado. Não é uma coisa só daqui, é um programa geral. É das universidades que saem os tópicos que eles querem combater, incluindo a política para lidar com diferenças e minorias. E eles não podem conciliar com isso.

Conforme educadores e estudantes turbinem protestos, há um risco de endurecimento claro do governo?

Claro. Só estamos vendo o primeiro capítulo dessa história. É só o começo. Pode ver: o governo de fato nunca anda pra trás. Ele só radicaliza suas posições. E acusa o outro lado de mentir. O novo governo pode ir até o suicídio, mas não anda pra trás. O suicídio do governo Bolsonaro ainda é uma vitória desse grupo de extrema direita. Vão dizer que tentaram mudar as coisas, mas foram impedidos. Eles perdem a guerra, mas não seu exército de seguidores. Para tentar uma segunda vez.

Não haverá nenhum recuo. Nenhuma aceitação dessas pautas.

Você diz que as “narrativas tradicionais não dão mais conta de nada”. De quem é a culpa: Do povo que não foi politizado ou da mídia tradicional que conduziu esse processo?

Tem atores tradicionais que, de fato, jogaram no limite da irresponsabilidade. Isso é meio “business as usual”, era o esperado. O que eu acho mais problemático é isso vir de outros setores. A esquerda brasileira, num geral, foi incapaz de reconhecer ou de assumir que estava num horizonte de guerra. Tentou ser gestora dos pactos nacionais.

Até hoje a esquerda se coloca como a ordem nesse debate. “Como assim não negociar com o Congresso, pelos direitos conquistados?”. Isso demonstra como ela está completamente fora do horizonte. Enquanto o Bolsonaro faz uma espécie de revolução, a esquerda está nisso e o resultado é esse. A esquerda perdeu sua função e precisa se reconstruir.

Mas não se reconstruir pra criar uma frente, mas mudar suas posições. A classe intelectual também precisa de uma autocrítica. Ela tem uma função muito clara, embora não assuma isso. Cada um organizou suas carreira individualmente. É uma colocação muito desonesta.

A classe intelectual ficou adaptada somente às funções de governo. A situação de hoje exige uma radicalização que poucos estão dispostos a fazer.

Os protestos que aconteceram não são coisas normais, mas estamos sem ator político que emerge disso. Os discursos ainda estão num gerencialismo que considero medonho. Como diria o filósofo Jean Baudrillard, é melhor morrer pelos extremos do que pelas extremidades.

Vivemos um dos piores momentos da direita brasileira. Um governador de um estado subiu em um helicóptero para atirar na sua população. Em uma das escolas que poderiam ser atingidas, colocaram um cartaz de “não atire”.

Sabe qual outra região tinha avisos semelhantes ao que vimos em Angra dos Reis no Brasil? A Faixa de Gaza, uma das regiões de maior conflito no mundo. Isso é um sinal. 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Pedro Zambarda de Araujo

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