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Assassinato de Adriano levanta suspeitas sobre federalização de milícias do Rio de Janeiro

A nacionalização da organização junto com a nacionalização do PCC altera a relação das polícias com o crime organizado e da segurança pública do país
Jordana Pereira
Fundação Perseu Abramo
São Paulo (SP)

Tradução:

Todo mundo já sabe: no último dia 9 de fevereiro, domingo, o ex-capitão do Bope (grupo de elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro), o miliciano Adriano Nóbrega, foi morto em Esplanada, cidade a 170 quilômetros de Salvador (BA).

A operação contou com a participação de dezenas de policiais fluminenses e baianos. A suspeita – a partir de análises prévias de balística – é que Adriano tenha sido executado. Queima de arquivo. Adriano era um dos líderes do Escritório do Crime, grupo miliciano de Rio das Pedras. Sua esposa e sua mãe foram assessoras de Flávio Bolsonaro. Suspeito de ter envolvimento com Queiroz e seu esquema de “rachadinha”. Foi homenageado por Flávio Bolsonaro duas vezes na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro pelos serviços prestados, sendo que, da última vez, já estava preso. Expulso da PM há seis anos por envolvimento com Jogo do Bicho. Este é Adriano.

A história é complicada e abriu espaço para que Jair Bolsonaro – que tem como modo operante do governo a guerra permanente contra a oposição, como se sempre estivesse em período eleitoral – declarasse: “Quem é responsável pela morte do capitão Adriano? PM da Bahia do PT. Precisa falar mais alguma coisa?”. O secretário de Segurança Pública Maurício Barbosa e o governador Rui Costa responderam. A troca de declarações não nos ajuda a construir um diagnóstico mais aprofundado do real problema que acomete o país no quesito segurança pública.

A nacionalização da organização junto com a nacionalização do PCC altera a relação das polícias com o crime organizado e da segurança pública do país

Canal Ciências Criminais / JusBrasil
A operação contou com a participação de dezenas de policiais fluminenses e baianos

Afinal, independentemente das circunstâncias da operação (que devem, sim, ser investigadas) o que, afinal, o caso pode nos revelar de mais permanente sobre a situação?

Elenco dois pontos. Primeiro: as polícias militares possuem, em seus respectivos estados, muita autonomia em relação aos comandos de seus governos. Organizados autoritariamente em batalhões, os praças tendem a obedecer seus oficiais. E só. Governadores e secretários de Segurança Pública dos estados têm pouco ou quase nenhuma governabilidade sobre a ação dos policiais nos territórios. Um nó feito inclusive anteriormente ao período da Ditadura Civil-Militar que não foi desfeito com a Constituição de 1988.

Segundo: a forte presença de policiais baianos na operação que culminou na morte de Adriano e a surpresa do governador Rui Costa quando soube da operação pode indicar, além desta ingerência comum a todos os estados, um possível processo de exportação das milícias fluminenses para outros estados.

Abro parênteses aqui. Importante, antes de mais nada, entender que “milícia” não se caracteriza apenas pelo fato de a polícia ser corrupta. A cultura da corrupção na instituição permeia sua história e se faz valer também pela sua formação precária, baixos salários e péssimas condições de trabalho a que a categoria é submetida. Porém, as milícias se caracterizam pelo fato de que se organizam para tomar os espaços do Estado. Vamos lá: o termo “milícia” foi cunhado pela jornalista do jornal O Globo Vera Araújo em 2005. Segundo ela, a palavra era mais curta que “paramilitares” – expressão usada na época – e assim soou melhor para estampar a manchete do jornal que trazia sua reportagem sobre este grupo de agentes de segurança que pedagiavam território e serviços públicos da cidade.

Foi no início dos anos 2000 que grupos de policiais e ex-policiais começaram a chamar a atenção da opinião pública. A origem das milícias, no entanto, é mais antiga, datando do final da década de 1970, quando na Favela de Rio das Pedras – zona oeste do Rio – comerciantes começaram a pagar policiais para garantir que o tráfico não dominasse o território recém ocupado. O grupo se fortaleceu e passou a oferecer e a cobrar, além de “segurança”, outros serviços como gás e transporte. Os pagamentos passaram a ser obrigatórios, sob pena de castigos violentos em caso de descumprimento. Com o tempo, assim como as facções do tráfico, os milicianos começaram a impor toques de recolher e regras rígidas às comunidades. Começaram também, eles próprios, a traficar. Passaram a se organizar para financiar campanhas, alocar seus agentes em assessorias parlamentares, organizar rachadinhas etc. Assim, mais do que a marca da corrupção – que é inerente às praticas milicianas – as milícias apresentam um método de atuação e organização. E é este modelo que pode estar sendo exportado para outros estados.

A nacionalização das milícias junto com a nacionalização do Primeiro Comando da Capital (PCC) – propulsionada pelo governo paulista nos anos 2000, à medida que transferia líderes da facção para cadeias de outros estados –, altera a relação das polícias com o crime organizado e, consequentemente, altera a própria dinâmica da segurança pública do país.

Importante mais do que nunca que o campo democrático progressista aprofunde seu diagnóstico sobre estas questões e pense em medidas para barrar o avanço da barbárie.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jordana Pereira

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