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Assembleia Constituinte: o dilema de Michelle Bachelet

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Roberto Pizarro*

michele bachelet victor TeixeiraA rua serviu. Foi insuficiente alguns terem levantado a consigna da Assembleia Constituinte em 2009, com a campanha presidencial de Jorge Arrate. O forno neste momento não estava para bolos. Não obstante, com as mobilizações de 2011 cresceu a fome pela transformação do país. O centro foi a educação, mas havia que financiá-la e emergiu a necessidade de uma reforma tributária e inclusive a recuperação do cobre para a nação chilena. A cidadania se deu conta de que essas mudanças, para que se tornassem efetivos, requeriam de um regime político sem restrições, fundado em uma nova Constituição. O duopólio político não poderia mudar o país.

Durante seus 20 anos de governo, a Concertación não teve vontade de fazer transformações. Acomodou-se à institucionalidade imposta por Pinochet. Beneficiou-se dela. Muitos de seus dirigentes ingressaram nos negócios dos grupos econômicos; outros fizeram do Parlamento e dos cargos públicos sua vida privada. Com tudo isso, manteve-se a Constituição de 1980. Lagos introduziu algumas modificações cosméticas, inclusive sua própria assinatura, e com isso reforçou seu reconhecimento.

Hoje não são só os críticos do modelo econômico e do regime político que demandam por uma nova Constituição. Pareceram figuras de destaque da Concertación qu também se pronunciam a seu favor, e alguns a querem com Assembleia Constituinte. A hegemonia cultural imposta durante longos anos no país está sendo questionada. A aceitação da ordem imposta por Pinochet-Guzmán, essa hegemonia cultural que disciplinava a sociedade chilena, convertida em custodio superestrutrural dos interesses da classe dominante se encontra em crise.

Os protestos estudantis começaram com a educação, mas se estenderam a muitos outros âmbitos da sociedade chilena. Talvez o mais discutido no último tempo é o regime eleitoral binominal, que discrimina manifestamente a favor das duas primeiras maiorias políticas, impedindo os cidadãos de exercerem sua representação através de novas alternativas, frescas, mais jovens.

Estas realidades inevitáveis são as que desembocaram propostas a favor de uma Constituição. Os defensores do status quo, os conservadores, depositam no Parlamento as eventuais reformas, inclusive uma mudança completa da Constituição de 1980. Porém estão crescendo as novas vozes, os transformadores, agora também dentro dos partidos da Concenrtación, que demandam por uma Assembleia Constituinte.

Michelle Bachelet, aa presidenta eleita, colocou-se ao lado da institucionalidade atual, a instalada por Pinochet com a Constituição de 1980 e que em seguido foi apoiada por Ricardo Lagos. Em seu próprio programa assinala: “A conquista de uma Nova Constituição exigirá de todas as autoridades instituídas uma disposição a escutar e interpretar a vontade do povo. A Presidência da República e o Congresso Nacional deverão acordar critérios que permitam encaminhar constitucional e legal o processo de mudança”.

A candidata da Nueva Mayoría (antes Concertación) não deveria esquecer que o Poder Constituinte radica no povo. E sua vontade soberana pode outorgar-se a organização jurídica e política que melhor lhe convenha. O povo elege diretamente uma Assembleia Constituinte e esta é a que deve decidir, livre e soberanamente, o novo pacto de direitos e obrigações cidadãs.

A Assembleia Constituinte esta por cima da atual institucionalidade. Este mecanismos não pertence aos partidos políticos, nem ao Parlamento ou a algum outro poder do Estado, mas só aos cidadãos. Estas razões se tornam ainda mais poderosas em nosso país com a existência do regime que dualizou as decisões políticas.

Resulta inexplicável que hoje em dia, com o retrocesso cultural da direita e a emergência potente da cidadania em todos os frentes, se tente novamente validar uma institucionalidade que se encontra completamente periclitada.

Os tempos mudaram. Os militares estão subordinados ao poder civil; a direita funda sua força exclusivamente no regime eleitoral binominal, que a sobre-representa indevidamente e, a sociedade civil recuperou seu poder.

Em consequência, Michelle Bachelet, a presidenta eleita, não deveria duvidar em se apoiar nas organizações  sociais para construir  uma nova Constituição. A busca de entendimentos entre a direita e a Nueva Mayoria no Parlamento para reformar a Constituição será rechaçada pela cidadania. Do contrário, marchará contra a história que está sendo escrita pelos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, validará uma institucionalidade que foi rechaçada pela povo. A crise de hegemonia deve começar a ser resolvida com uma Assembleia Constituinte.

*Economista da Unidade de Chile, com estudos de pós graduação na Universidade de Sussex (Reino Unido). Pesquisador do Grupo Nueva Economia, foi decano da Faculdade de Economia da Universidade de Chile, ministro de Planejamento e reitor da Universidade Academia de Humanismo Cristão (Chile). Artigo publicado orginalmente em América-Economia, dezembro de 2013


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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