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Ataque de candidato do PSL a Marielle não é política, é delírio; política é fazer “gente brilhar”

Só vamos evoluir enquanto sociedade quando resolvermos dentro de nós mesmos que precisamos conviver com o que é diferente
Verônica Lima

Tradução:

Marielle Franco não foi apenas uma personagem da política do Rio de Janeiro. Marielle é (no sentido de que continua sendo) uma experiência. Ser Marielle é um sentir, um sentir literalmente na pele os mecanismos que uma sociedade (que nasceu pautada pelo genocídio e pela escravização de pessoas) cria para subjugar seres humanos em nome de uma ilusão. A ilusão de que manter certos privilégios e estruturas vai fazer com que um grupo de seres humanos seja superior a outros. 

Portanto, ser Marielle não é apenas ter a consciência de que existe muita potência, dignidade, humanidade e sabedoria nos mais diversos grupos que compõem nossa humanidade, mas é viver a experiência de um processo de resistência desses diversos grupos diante de uma negação sistemática de suas existências. E essa negação não se instala apenas nas estruturas visíveis do nosso dia a dia, mas principalmente no espírito das pessoas que, iludidas, acreditam que só é possível pensar um projeto de sociedade de modo vertical, com a subjugação, e a submissão de uns pelos outros.

Nesse sentido, a imagem que se viu nessa quarta-feira (3), de candidatos do PSL ridicularizando e vandalizando uma homenagem a Marielle Franco, é um retrato dessa ilusão desmedida, que ignora a dimensão mais básica da experiência humana, que é a convivência. Violar a memória de Marielle é a tentativa desesperada e infantil de negar que a sociedade é plural, e que não há saída se não estar em relação: temos um espaço a ser compartilhado, que começa em nossas cidades, estados, em nosso país, e se completa como nosso planeta. 

Só vamos evoluir enquanto sociedade quando resolvermos dentro de nós mesmos que precisamos conviver com o que é diferente

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Foto postada pelo candidato a deputado estadual no RJ pelo partido de Jair Bolsonaro (PSL) Rodrigo Amorim

Mesmo que a gênese da sociedade como conhecemos hoje tenha sido um processo de cisão e subjugação, temos uma experiência a ser compartilhada, e a história mostra que nenhuma tentativa de apagamento obteve êxito completo. Por mais que se disseminem crenças, as (re)existências deixam marcas de afeto e presença física, porque simplesmente são parte integrante desse planeta — não há um espaço “fora” de um lugar que nos constitui. Esse conhecimento é ancestral, tal como nos ensina o ubuntuafricano e o buen vivir dos povos andinos e amazônicos.

A atitude dos candidatos do PSL torna-se, sob essa perspectiva, insana e pouco inteligente: o ódio por algo inevitável, que constitui nossa realidade tanto quanto nós mesmos, é no mínimo um erro estratégico de sobrevivência. Beira à loucura, porque torna-se a negação de nós mesmos. Aliás, o ódio, que está movendo tanta gente nessa eleição, tem origem no latim odium, que significa aversão ou raiva. Se aprofundarmos mais, veremos que raiva deriva de rabia/rabies, “loucura, fúria ou delírio”. 


A vereadora Marielle Franco foi assassinada em condições até hoje não esclarecidas pela polícia. Movimentos sociais de todo o país e do mundo se questionam: quem matou Marielle | Foto: Bernardo G./ Flickr

O simbólico ato de atacar Marielle nessas eleições, que atualiza o próprio ato de assassinato/execução, além de apologia ao crime (e, portanto, uma infração do Direito Penal, disposto em Lei) é um delírio da existência humana que insiste em não conviver. É a loucura da negação do ato de estar em relação e, sendo assim, é a rejeição de qualquer definição de política. Desrespeitar a memória de Marielle é o desvario de querer fazer política negando a própria política.

Só vamos evoluir enquanto sociedade quando resolvermos dentro de nós mesmos que precisamos conviver com o que é diferente. A verdadeira reforma política começa dentro de nós mesmos: a transformação virá quando entendermos que, fazendo parte de uma mesma existência, precisamos criar condições para que todos se desenvolvam. Por isso, a política é uma questão de humanidade, de superar qualquer forma de preconceito, de desigualdade, de subjugação. Já temos casos no mundo (em países europeus, por exemplo), que mostram que a redução de desigualdades e preconceitosnos leva sociedades mais prósperas material e afetivamente. 

“Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”, disse Caetano. Só vamos construir uma sociedade melhor quando de fato sentirmos essa frase. Isso é política, não o ódio, não o medo, não a raiva. Que nossos votos reflitam esse sentido da política: o de conviver e de fazer toda a gente brilhar, com respeito e dignidade. 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Verônica Lima

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