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Ataques contra Marília Arraes e Manuela D’Ávila expuseram violência política contra mulheres

Arraes sofreu com acusações de uma Marília “anticristã”, feitas também pelo próprio adversário. D’Ávila também enfrentou uma campanha de difamação nas redes sociais
Sanny Bertoldo
Gênero e número
São Paulo (SP)

Tradução:

Arraes não é só meu sobrenome, e o PT não é só meu partido. São símbolos de um projeto de transformação social”. Essa era a fala de abertura do vídeo de Marília Arraes destacado nas suas redes sociais durante toda a campanha, onde o ex-presidente Lula também marcava presença, apostando na vitória da neta de Miguel Arraes (1916-2005). A candidata, que poderia mesmo representar mudanças no cenário político que jamais foi liderado por uma mulher no executivo municipal, foi derrotada neste domingo pelo primo de segundo grau, João Campos (PSB), que comemorou uma vitória confortável, ficando com 447.913 dos votos válidos (52,27%). Marília somou 348.126 (43,73%).

Apontada como “arrogante” pelo adversário, por sempre evidenciar sua maior experiência na política, Marília afirmou, em coletiva de imprensa, após a derrota, que é este o tom necessário para abrir espaço num meio adverso à presença feminina. “Quero que, nas próximas eleições, mais mulheres estejam nesses espaços. Quero que essa minha postura mais firme, mais forte, que por vezes foi chamada pelo meu adversário de arrogância, inspire outras mulheres. Não se tem o costume de que mulheres tenham posições mais fortes, firmes. E que isso inspire as mulheres que estão no dia a dia sofrendo diversas violências”, disse, ontem, em um hotel no centro do Recife. 

Marília Arraes e João Campos fizeram uma campanha que refletiu a força das oligarquias pernambucanas. Mas enquanto Marília precisou brigar para assumir o posto de candidata, sendo desacreditada por lideranças locais do PT em Pernambuco, como o senador Humberto Costa, no PSB, o filho de Eduardo Campos (1965-2014) e bisneto de Miguel Arraes, era o candidato natural.

Arraes sofreu com acusações de uma Marília “anticristã”, feitas também pelo próprio adversário.  D’Ávila também enfrentou uma campanha de difamação nas redes sociais

Arquivo pessoal
Marília Arraes tentava ser a primeira mulher prefeita de Recife.

Não apenas não houve dissenso como existiu um investimento diferenciado em João Campos, que recebeu o maior valor da Direção Nacional do PSB entre todas as candidaturas às capitais da legenda. Segundo dados declarados ao Tribunal Superior Eleitoral, Campos contou com R$ 8,9 milhões do partido, o que representa quase 90% de todo o valor recebido e declarado até este domingo (29) para a sua campanha. O total declarado até a vitória foi R$ 9,906 milhões, que representam 38% a mais do que os R$ 6,113 milhões declarados pela campanha da petista ao TSE. Para Marília, a Direção Nacional do PT repassou R$ 5,722 milhões.

Se Marília Arraes, aos 36 anos, chegou à disputa acumulando mais experiência na vida política, tendo assumido três vezes o cargo de vereadora e sido eleita em 2018 deputada federal, João Campos, aos 27, também deputado federal na atual legislatura, tinha a máquina a seu favor. Seu voto nesta manhã refletia isso. Chegou à zona eleitoral acompanhado do atual prefeito da cidade, Geraldo Júlio, e do governador, Paulo Câmara, ambos do PSB.

A legenda comanda a capital há oito anos e o estado há 14.  Mesmo com as pesquisas de intenção de voto no início do segundo turno indicando Marília na frente e as da véspera do pleito mostrando os candidatos tecnicamente empatados, nas urnas os recifenses optaram pela manutenção do cenário em vez da “transformação” proposta por Marília. Se o antipetismo não foi um sentimento decisivo no primeiro turno, nesta reta final da campanha se fez presente, inclusive acompanhado de declarações de pastores, como Silas Malafaia, que tentaram – e indicam os dados que conseguiram – influenciar os votos evangélicos.

Acusações de uma Marília “anticristã” foram feitas também pelo próprio João Campos. Além disso, panfletos apócrifos foram distribuídos com a foto da petista e os dizeres: “Cristão de verdade não vota em Marília Arraes. Veja tudo que Marília defende: legalização das drogas, aborto, ideologia de gênero, tirou a Bíblia da Câmara do Recife, pertence ao PT que persegue os cristãos em todo o Brasil, votou contra o perdão das igrejas”. A narrativa antipetista, aliás, pode ter sido decisiva, já avaliam cientistas políticos, para a margem conquistada pelo psedebista, o prefeito mais novo da história da cidade.

Oposição do presidente da República

Aos 36 anos, Manuela D’Ávila concorreu em Porto Alegre não só contra Sebastião Melo (MDB). Em sua terceira tentativa de se tornar prefeita da cidade, ela enfrentou também uma campanha de difamação nas redes sociais, algo recorrente na sua vida política e que virou tema do livro “E se fosse você? Sobrevivendo as redes de ódio e fake news”, que ela lançou em agosto.

Filiada ao PCdoB, sentiu o peso da estigmatização de seu partido e recebeu a oposição declarada do presidente Jair Bolsonaro, que em uma de suas lives disse: “É um apelo que eu faço pra Porto Alegre. Não vou indicar ninguém, mas votar numa candidata do PCdoB eu acho o fim da picada”. 

A Justiça Eleitoral chegou a determinar a retirada de pelo menos meio milhão de compartilhamentos de conteúdos falsos contra ela no facebook, instagram, twitter e youtube.

Embora tanto ela quanto Melo tenham começado o segundo turno dispostos a apresentar e discutir soluções para os principais problemas da capital gaúcha, sem ataques pessoais, o que se viu, à medida em que a decisão se aproximava, foi um acirramento dos ânimos. 

Manuela D’Àvila em campanha| Foto: Arquivo
De acordo com Manuela, seus principais detratores, como chama quem se engaja em divulgar notícias falsas, foram os perfis que apoiam seu adversário. Na última quarta-feira (25), a disputa foi parar na polícia. Melo registrou um boletim de ocorrência contra ela, que teria insinuado que ele é racista. Como resposta, Manuela afirmou, nas redes sociais, que iria ingressar com uma ação de dano moral por injúria e difamação e também com denunciação caluniosa.

“Enfrentamos muita baixaria e notícias falsas. Mas a democracia é soberana. Desejo sorte ao Sebastião Melo e seguiremos na luta, ao lado de quem quer uma cidade mais justa”, escreveu ela nas redes sociais.

Apesar de ter chegado na véspera da eleição à frente na disputa, segundo pesquisa eleitoral (com 51% contra 49%), Manuela acabou derrotada com 45,37% dos votos. Eleito prefeito, Sebastião Melo recebeu 54,63% dos votos.

* Giulliana Bianconi é diretora-executiva e Sanny Bertoldo é editora da Gênero e Número


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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