Na segunda-feira passada, 29 de julho, um adolescente de 17 anos irrompeu em uma espécie de baile em Southport, Inglaterra, Reino Unido, assassinou três meninas, apunhalou outros oito menores – cinco dos quais sofreram lesões graves – e feriu dois adultos que tentavam detê-lo. Depois que o jovem foi preso, espalhou-se em redes sociais o boato de que era um imigrante recém-chegado ao Reino Unido em uma embarcação como as que milhares de pessoas usam para cruzar o Canal da Mancha em busca de asilo.
Ainda que o embuste fosse desmentido pelas autoridades e inclusive a identidade do agressor fosse revelada, apesar de ser menor de idade, milhares de simpatizantes da ultradireita tomaram isso como pretexto para sair às ruas, realizando violentos distúrbios em que atacaram policiais, vandalizaram lojas e incendiaram veículos. As consignas destas hordas giram em torno da xenofobia, do racismo e da islamofobia, e já houve pelo menos uma tentativa de assaltar uma mesquita.
Rishi Sunak e as promessas anti-imigrantes para o Reino Unido
Ninguém pode se surpreender com a irrupção fascista: trata-se do resultado previsível, e talvez inevitável, de décadas de intoxicação ideológica e midiática contra a imigração irregular. É muito revelador, por exemplo, que um dos gritos mais repetidos pelos grupos racistas seja Stop the boats! (Detenham os botes [ou barcos]!), um dos lemas do governo conservador que terminou este ano, assim como bandeira central na falida campanha do ex-primeiro-ministro Rishi Sunak para manter-se no poder.
Em várias ocasiões, Sunak prometeu a seu eleitorado fazer tudo o que fosse necessário para deter as embarcações, e apenas em janeiro deste ano o Departamento do Interior publicou o comunicado Ações do Governo Britânico para deter as embarcações em 2023, no qual se jacta de operações tão ruins como recrutar as multinacionais Uber Eats, Deliveroo e Just Eat para deter indocumentados que ganhavam a vida fazendo entregas em domicílio.
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O mesmo Sunak, assim como seu antecessor Boris Johnson, transferiram buscadores de refúgio para prisões flutuantes em barcos adaptados como centros de detenção, uma política que pretenderam generalizar, mas se viram obrigados a recuar porque ocorreu o que lhes tinham advertido defensores de direitos humanos: o confinamento e o ambiente insalubre causaram uma rápida propagação de enfermidades infecciosas. Ambos foram também os impulsionadores do infame plano para enviar os imigrantes irregulares para Ruanda, sem importar sua origem nem o fato de que esta nação africana carece de qualquer capacidade para alojá-los, em clara violação aos tratados internacionais em matéria de asilo e refúgio.
Os ex-mandatários e os legisladores do Partido Conservador não podem ignorar esta irrupção fascista, por mais que tentem apresentar-se como moderados alheios ao extremismo que tomou as ruas. Foram eles que se alinharam aos setores abertamente xenófobos para aprovar a saída da União Europeia (Brexit), uma de cujas principais motivações residia no tão falacioso quanto racista argumento de que as leis comunitárias eram as causadoras da chegada de imigrantes. Que a explosão se produza quando o conservadorismo já foi desalojado de Downing Street é uma amostra de como o ódio semeado pelas direitas continua danificando o tecido social muito depois que estas deixam formalmente o poder, e impõe à administração trabalhista o desafio de recompor a tolerância e a pluralidade sem as quais não pode existir uma democracia.
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