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Até US$ 1 trilhão em contratos e corrupção: EUA vão chefiar corrida para reconstruir Ucrânia

"Quem controla o dinheiro? Quem paga o que? Quem determina quais são as prioridades?" são perguntas essenciais e precisam ser respondidas de antemão
Alejandro Marcó del Pont
Buenos Aires

Tradução:

A recuperação da pós guerra na Ucrânia pode ser o maior esforço de reconstrução na história moderna; de fato, é denominada “a maior reconstrução mundial”. Os Estados Unidos e a Europa começaram a planejá-la e embora durante os últimos 75 anos os Estados Unidos tenham se envolvido em múltiplos esforços de reconstrução, o Plano Marshall poderia ser considerado o exemplo mais notável destes esforços ou negócios. Extrair lições destes movimentos será importante para planejar a reforma e a reconstrução. Mas, no momento, optou-se por eliminar cirurgicamente da mídia ocidental as reconstruções realizadas no Iraque e no Afeganistão, por considerar que estes modelos não são um exemplo correto.

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Dentro do relato que se está preparando, a segurança é essencial; sem ela, como veremos, a reconstrução fracassará. A segurança duradoura dá às empresas e investidores a confiança para assumir riscos e compromissos a longo prazo. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) deu segurança para a reconstrução europeia depois da Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria e deslocou mais de 100 mil pacificadores para a Bósnia, Kosovo, Croácia e Macedônia, depois da destruição e desintegração da Iugoslávia. A segurança para a Ucrânia no pós guerra será igualmente essencial.

Na realidade, a segurança, a certeza ou a confiança é uma simples fachada do relato; a verdadeira pergunta é: quem controla o dinheiro? Quem paga o que? Quem determina quais são as prioridades? E, com base nestas perguntas, quais são as empresas que estão preparadas para suprir as necessidades destas preferências estratégicas? Quem as determina? Centenas de milhares de residências, escolas, hospitais e fábricas, instalações energéticas críticas e quilômetros de estradas, vias férreas e portos marítimos foram destruídos, razão pela qual decretamos aberta a corrida pela apropriação dos recursos.

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As primeiras estimativas de custos de reconstrução da infraestrutura física oscilam entre US$ 411 bilhões, segundo Avaliação Rápida de Danos e Necessidades da Ucrânia do Banco Mundial (RNDA2, em inglês), e um trilhão, segundo as estimativas ucranianas, ou seja, o poço em disputa é verdadeiramente sedutor. O primeiro ponto, a corrida pela apropriação dos recursos, já está ocorrendo, e por isso a organização da reconstrução deve ser decidida de antemão, saber quem recebe as cartas ou quem está dentro do orçamento. Há alguns princípios simples: a Ucrânia deve estabelecer prioridades, os Estados Unidos devem encabeçar a segurança e a UE deve conduzir a recuperação econômica. Ou seja, a Ucrânia privatizar e delegar, os Estados Unidos dirigir, programar e atribuir, e a Europa, comprar.

Ainda assim, há uma série de detalhes que deveriam ficar claros para os investidores participantes, qualquer que seja sua intervenção no desmantelamento ucraniano. O primeiro ponto que deveria ser explicado, é qual será a configuração e conformação da Ucrânia. Já se falou bastante sobre o tema, mas os cinco cenários mais estudados são: o cenário de Karabaj: ponto morto; o de Cachemira: a volta ao status quo anterior; o da Crimeia: conquista russa; o da Croácia; reconquista da Ucrânia, ou o Kosovo: compromisso. Todos estes cenários podem ser vistos no Instituto francês Montaigne.

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Destes cenários, cremos que o mais factível, ou pelo menos o que os americanos deveriam vender aos investidores, e de fato, já estão vendendo, segundo “Uma guerra impossível de ganhar”, do Foreing Affairs, é o cenário de Kosovo, algo assim como um Minsk 3. Donbass e Crimeia continuariam em mãos russas e se discute Odessa. O reconhecimento da soberania russa sobre o território se dá com a garantia de segurança outorgada à Ucrânia dentro de suas novas fronteiras; este é o preço da benção, a não modificação de fronteiras pela força; se a Rússia, ou qualquer país atacar a Ucrânia, quem garante são os EUA.

"Quem controla o dinheiro? Quem paga o que? Quem determina quais são as prioridades?" são perguntas essenciais e precisam ser respondidas de antemão

Casa Branca
Biden caminha com Zelenskyy em 20 de fevereiro de 2023, durante uma viagem não anunciada a Kiev, Ucrânia

Inspetor-geral forte

Segundo os Estados Unidos, a reconstrução da Ucrânia necessitará de um inspetor geral forte e confiável para salvaguardar a integridade da assistência derivada do fiador da paz, especialmente dado o histórico de corrupção de Kiev desde que obteve a independência, em 1991. Os doadores internacionais devem, em paralelo, instituir um monitoramento efetivo e estar prontos para deter o financiamento se surgir corrupção, pelo que seria aconselhável que um enviado estadunidense ou um fundo de investimentos dirija o trânsito do fluxo de recursos fora do estado ucraniano.

Aqui há uma peculiaridade interessante. Como a segurança será garantida pelos EUA, eles definirão quem administrará os fundos; pelo que se sabe, Zelensky fechou um acordo no final do ano passado com Laurence D. Fink, CEO da BlackRock, para “coordenar os esforços de investimentos para reconstruir a nação devastada pela guerra”, que se levará a cabo de forma gratuita. Caso queira participar, não no creme do negócio, cada país deverá oferecer garantias estatais às empresas que realizarem trabalhos futuros na Ucrânia. Bruno Le Maire, o ministro de Finanças da França, disse que tinham conseguido contratos num valor total de US$107 milhões para três empresas francesas para projetos na Ucrânia: Matière construirá 30 pontes flutuantes, e Mas Seeds e Lidea proporcionarão sementes aos agricultores.

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Como se vê, o jogo é simples, o croupier – que é os EUA por ser o responsável pela segurança – determina os participantes, sendo o condutor e o ordenador de prioridades, de estabelecer empresas e atribuir recursos. A maioria das terras ucranianas já estão em mãos estrangeiras e a produção delas irá parar na Europa, como ficou claro na Conferência de Recuperação da Ucrânia, de julho de 2022, em Lugano, Suiça. O informe estratégico foi elaborado pela empresa Economist Impact, uma firma de consultoria corporativa que faz parte do The Economist Group (50% de propriedade de The Financial Times, e a maior parte das ações restantes está em mãos de acionistas individuais, como os Rothschild, Schroder, Agnelli).

Este terceiro documento, dos três apresentados na reunião, é o mais profundo. Intitulado “Ukraine Reform Tracker: Economic Reforms”, foi financiado pelo governo suiço. Dentro de um rosário de políticas ortodoxas, solicitou-se uma maior “liberalização da agricultura” para atrair investimentos estrangeiros e fomentar o espírito empresarial. Continuar com a privatização de empresas estatais grandes, o que “permitirá que mais empresários ingressem no mercado e prosperem ali no contexto do pós guerra”,  e na medida em que avança o enfrentamento, o governo está vendendo ativos estatais em uma grande onda de privatizações. Ou seja, grãos, gás e petróleo terão destino europeu.

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As corporações estadunidenses de combustíveis fósseis, como ExxonMobil, Chevron e Halliburton, estão participando de discussões para encarregarem-se da indústria de petróleo e gás da nação da Europa do Leste. Isto ocorre pouco depois de o líder da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, apoiado pelo Ocidente, enviar uma mensagem de vídeo amigável a um grupo de lobby corporativo dos EUA, agradecendo a companhias como BlackRock, JP Morgan, Goldman Sachs e Starlink, e prometendo “grandes negócios”.

O Financial Times informou que Olesik Chernyshov, o CEO da empresa estatal ucraniana Naftogaz, reuniu-se com representantes de ExxonMobil e Halliburton, depois de uma reunião similar com Chevron em janeiro. As negociações com os grandes atores dos combustíveis fósseis dos EUA são parte de um movimento estratégico para aumentar a produção de gás natural que, segundo os funcionários ucranianos, poderia ajudar a substituir o fornecimento russo para a Europa nos próximos anos.

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Halliburton é notório por sua participação em esquemas de corrupção, que implicam grandes contratos governamentais. Em 2017, a Comissão da Bolsa de Valores dos EUA lhe impôs uma multa de 29,2 milhões de dólares por violar a Lei de Práticas Corruptas no Estrangeiro com contratos de serviços petroleiros altamente rentáveis em Angola. O economista Yanis Varoufakis, que anteriormente foi ministro de Finanças da Grécia, escreveu tuitou: “E aí o tem. EXXON, HALLIBURTON & CHEVRON, depois do Iraque, agora estão se apoderando dos campos de petróleo e gás da Ucrânia. Planejamento para introduzir fracking em grande escala: uma ameaça clara e presente para envenenar a agricultura da UE.”

Nome familiar

Halliburton era um nome familiar nos Estados Unidos na década de 2000, praticamente sinônimo de corrupção. O vice-presidente Dick Cheney, que serviu no governo do ex-presidente George W. Bush, trabalhara durante anos como presidente e diretor executivo da Halliburton. Cheney, um neoconservador de linha dura, foi um arquiteto chave da invasão ilegal dos EUA no Iraque em 2003. Naquele mesmo ano, Halliburton recebeu  um “tratamento ‘suave’ no Iraque”. Uma década mais tarde, o International Business Times informou que a subsidiária da Halliburton, KBR, recebera mais contratos relacionados com o Iraque do que qualquer outra empresa privada nos 10 anos da guerra.

À companhia Kellogg, Brown & Root foram outorgados US$ 39,5 bilhões em contratos relacionados com o Iraque, e muitos dos acordos foram feitos sem nenhuma licitação, como uma renovação de contrato de US$ 568 milhões em 2010 para proporcionar casa, alimentos, água e serviços de banheiro para os soldados, um trato que levou a uma demanda do Departamento de Justiça por supostos subornos.

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O CEO da Naftogaz, durante sua viagem a Washington, reuniu-se com altos funcionários do governo, como o ex-embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt. Ele representou Washington em Kiev durante um violento golpe apoiado pelos Estados Unidos em 2014, que derrubou o governo democraticamente eleito. Uma notória chamada telefônica vazada, da alta funcionária do Departamento de Estado, Victoria Nuland, mostrou os funcionários estadunidenses decidindo quem dirigiria o governo ucraniano depois do golpe. Quem conversava com Nuland na chamada não era outro senão Pyatt. Hoje, Pyatt é subsecretário de Estado dos EUA para recursos energéticos e também coordena a cooperação entre o G7 e a Ucrânia.

O mais estranho da viagem, e onde se fecha o círculo, é quando o diretor executivo da Naftogaz reuniu-se com representantes do Fundo Monetário Internacional (FMI), a instituição financeira dominada pelos Estados Unidos, famosa por impor políticas econômicas neoliberais às nações endividadas. Em março, o FMI tomou a decisão sem precedentes de aprovar um empréstimo de US$ 15,600 milhões para a Ucrânia. O FMI nunca antes tinha dado financiamento a um país que está em guerra. “A cooperação com o FMI é crucial para a estabilidade de nosso país em tempos de guerra. O fato de que tenhamos um programa é um sinal para o mundo civilizado de que o país está na direção correta. A Ucrânia escolheu a civilização. Naftogaz cumpriu sua parte das condições para que nosso país receba o programa do FMI. Isto demonstra que somos um sócio confiável. Naftogaz não defraudará o país”.

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A declaração de Naftogaz não esclareceu quais eram estas “condições”, mas um comunicado de imprensa do FMI de fevereiro deixou claro que inclui reformas neoliberais, das quais já falamos. FMI informou que suas discussões com as autoridades ucranianas “cobriram o marco macroeconômico de médio prazo, a política fiscal, a combinação de financiamento, as políticas para o setor financeiro e a governança”.

Reconstruir o Iraque durante a presidência de George W. Bush foi um negócio para muito poucos. Naquele momento os analistas falavam em 600 bilhões de dólares para o negócio de revitalizar o Iraque depois da guerra. A reconstrução desse país do Golfo favoreceu as empresas fundamentalmente estadunidenses. A repartição, decidida de Washington pelo Pentágono e a Agência Internacional para o Desenvolvimento, esteve envolvido desde o princípio em uma nuvem de favoritismo para Halliburton, a corporação dirigida pelo vice-presidente do governo dos EUA, Dick Cheney, antes de chegar ao poder, que obteve as obras de infraestrutura petroleira para sua subsidiária Kellogg Brown & Root (KBR) sem passar por uma licitação.

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O filme é o mesmo; talvez existam alguns problemas adicionais. A União Europeia terá que devolver à Rússia as reservas congeladas quando acabar o conflito na Ucrânia, segundo o diário alemão Die Welt, que cita um documento da Comissão Europeia que inclui esta conclusão “educativa”. O Secretário de Estado para Assuntos Exteriores do Reino Unido, James Cleverly, reconheceu que há obstáculos que dificultam a possibilidade de confiscar os ativos russos. “O fato é que antes houve conflitos em todo o mundo e houve perpetradores, mas nunca se registrou uma incautação de ativos”. Isto é só um pequeno contratempo; quanto ao resto, marcha conforme o planejado.

Alejandro Marcó del Pont | Rebelión
Blog do autor: https://eltabanoeconomista.wordpress.com/
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
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No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora


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