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Atentado contra Daria Dugina: mais uma linha vermelha fixada por Putin foi ultrapassada?

Setores mais radicais questionam qual será o posicionamento do presidente russo diante do assassinato, cuja autoria é associada à Ucrânia
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Embora investigar o assassinato de Daria Dugina – filha do filósofo Aleksandr Dugin, que proclama como meta a expansão do novo império russo frente ao atlantismo dos Estados Unidos pelo controle da Europa e da Ásia – corresponda por lei ao Comitê de Instrução da Rússia (CIR), o Serviço Federal de Segurança (FSB, por sua sigla em russo) se antecipou ao afirmar nesta segunda-feira (22), antes do meio dia, haver resolvido o caso, e culpou a Ucrânia.

“Um vil crime, cruel, pôs fim prematuro à vida de Daria Dugina, uma pessoa brilhante e talentosa, que tinha um coração verdadeiramente russo e serviu honestamente ao povo, à pátria, demonstrando com fatos o que significa ser patriota na Rússia”, escreveu o titular do Kremlin, Vladimir Putin, em sua mensagem de condolências à família, difundido por seu serviço de imprensa. 

Segundo um breve comunicado, que foi emitido de imediato por todas as agências noticiosas locais (TASS, Interfax, Ria Novosti, Sputnik, entre outras), o FSB considera que “os serviços secretos da Ucrânia”, sem precisar quais, “organizaram e executaram o crime”. 

O órgão atribui a autoria material à “cidadã ucraniana Natalia Vovk, nascida em 1979, que entrou na Rússia em 23 de julho, acompanhada de sua filha, Sofia Shaban, de 12 anos de idade, e alugou um apartamento no mesmo edifício onde vivia Daria Dugina”.

De acordo com a versão do FSB, Vovk e sua filha estiveram seguindo Dugina por vários dias em um automóvel Mini Cooper. Entraram na Rússia com placas da República Popular de Donetsk (E982XHDPR), em Moscou as trocaram por placas do Cazaquistão (172AJD02) e saíram deste país com placas da Ucrânia (AH7771P).

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No sábado passado, continua o FSB, a presumida assassina e sua filha assistiram ao Festival de música e literatura “Tradição” na fazenda de Zajárova, onde Dugina acompanhava seu pai, conferencista da noite em questão, como convidada de honra. Ao terminar o evento, o Mini Cooper se colocou atrás do Toyota Land Cruiser que manejava Dugina e, poucos minutos mais tarde, após acionar à distância a bomba, colocada embaixo do assento da condutora, se dirigiram à região de Pskov para cruzar a fronteira com a Estônia”. 

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O comunicado do FSB termina dizendo que entregou “todos estes dados ao Comitê de Instrução”.

Canais anônimos, mas afins a essa hipótese, se encarregaram de dar mais supostos detalhes no segmento local das redes sociais: um assegura que Vovk e sua filha “já estão em Kiev”; outro assevera que a suposta assassina material “havia sido membro do batalhão neonazista Azov” e publica uma credencial em ucraniano que parece de “agente secreto”; e outro mais publica uma foto que, em sua opinião, dá razão ao FSB, dado que “um tal Shaban (sobrenome do pai) colocou hoje à venda em Kiev, através de um portal de compra e venda de automóveis pela Internet, um Mini Cooper com placas AH7771P avaliado em 14.500 dólares”.

Quando a notícia já ocupava todos os noticiários, o próprio pai da vítima mortal, Aleksandr Dugin, tornou sua a versão do FSB e difundiu – através de um amigo, Konstantín Malofeyev, conhecido como o magnata ortodoxo com fortes interesses na região do Donbass – uma breve declaração:

“Como resultado de um atentado perpetrado pelo regime nazista da Ucrânia, em 20 de agosto, em frente aos meus olhos assassinaram do modo mais cruel com uma bomba a minha filha Daria Dugina. (…) Os inimigos da Rússia a mataram pelas costas”.

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Após elogiar as virtudes de sua filha, Dugin concluiu com estas palavras: “não nos podem dobrar, não podem submeter nosso povo com golpes tão insuportáveis. Queriam conter nossa vontade com um terror sangrento contra os melhores e mais vulneráveis de nós. Não poderão. Nossos corações não desejam só vingança e justiça. Isso não vai conosco, não vai com os russos. Só necessitamos de nossa Vitória. Minha filha pôs sua vida nesse altar. Assim, por favor, ganhem (a guerra)!”

Na véspera, a cientista política Tatiana Stanovaya comentou no Twitter: “O assassinato de Dugina cria condições que nutrem a demanda de uma liderança política mais radicalizada que a do próprio (presidente Vladimir) Putin. E o Kremlin se vê obrigado a satisfazer essa demanda”.

De acordo com sua leitura dos fatos, o assassinato “radicaliza e aumenta o descontentamento para com as autoridades por parte dos setores mais conservadores, que consideram que o Kremlin adota uma posição débil quando se traspassam as linhas vermelhas que ele mesmo fixa”.

O diário Nezavisimaya Gazeta, que aspira manter certa neutralidade com relação ao Kremlin sem assumir-se como oposição, titula a nota sobre o atentado assim: “o assassinato da filha de Dugin pode converter os conservadores em radicais”, e põe este balaço: “A tragédia pode aumentar o descontentamento dos partidários da OME (operação militar especial) a respeito das ‘ações indecisas’ da Rússia na Ucrânia”. 


Setores mais radicais questionam qual será o posicionamento do presidente russo diante do assassinato, cuja autoria é associada à Ucrânia

Kremlin
Segundo sustenta o sociólogo Roman Yuneman, “a guerra já está às portas de Moscou”




Entenda o caso

Um atentado com bomba, que presumivelmente tinha como objetivo o filósofo Aleksandr Dugin, considerado o inspirador da operação russa na Ucrânia por sua influência sobre o presidente Vladimir Putin, tirou a vida de sua filha, Daria. Ela atuava como assistente e até chofer do líder do Movimento Euroasiático.

Daria Dugina, cientista política de 29 anos de idade e colaboradora de vários meios sob o pseudônimo de Daria Platonova, morreu no ato, em torno das 21 horas do sábado (20), ao ser explodido um artefato com 400 gramas de TNT colocado debaixo do Toyota Land Cruiser de seu pai, de acordo com a hipótese do Comitê de Instrução da Rússia (CIR), que deu a conhecer a notícia na primeira hora do domingo. 

Ela se encontrava ao volante do veículo, segundo testemunhas como Andrei Krasnov, líder do movimento Russky Gorizont (Horizonte Russo), que após a explosão ficou envolvido em chamas em questão de segundos. “O carro, que ia a grande velocidade, saltou pelos ares e caiu do outro lado da estrada”, declarou Krasnov.

Os fatos ocorreram à altura do povoado Bolshoye Viasemy, distrito de Odintsovo, a aproximadamente 25 quilômetros da capital russa, quando Dugina regressava sozinha a Moscou depois de assistir ao festival “Tradição”, celebrado na fazenda de Zajárova, onde seu pai ditou uma conferência. Esse fato foi contado pelo violinista Piotr Lunstrem, que agregou em sua conta do Telegram: “Dugin devia regressar nesse veículo, mas o fez em outro”. 

Por azar do destino, o autor da concepção Neoeurosianismo, que advoga por converter a Rússia em superpotência que domine seus vizinhos e estenda sua influência além do espaço pós-soviético, preferiu subir a outro automóvel para conversar pelo caminho com o condutor. Isso lhe salvou a vida, mas em troca teve que presenciar a morte de sua filha. 

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O CIR informou que, após realizar várias provas forenses na cena do crime e examinar os restos do explosivo, segue “várias linhas de investigação”, sem que até o momento ninguém tenha reivindicado o atentado. 

A notícia comoveu os seguidores do chamado Russkiy Mir (Mundo Russo), soma de valores políticos, religiosos e culturais que, de acordo com o Kremlin, deve ter uma comunidade russa além das atuais fronteiras deste país, os quais coincidiram em lamentar a perda de Dugina e variam em assinalar possíveis responsáveis. 

Para Denis Pushilin, líder da autoproclamada República Popular de Donetsk, é claro que “os terroristas do regime da Ucrânia, em uma tentativa de assassinar Dugin, acabaram com a vida de sua filha”.

Segundo sustenta o sociólogo Roman Yuneman, se for confirmada a opinião de Pushilin, isso quer dizer que “a guerra já está às portas de Moscou”.

Mykhailo Podolyak, assessor do escritório da presidência ucraniana, rechaçou a acusação ao responder nas redes sociais: “a Ucrânia nada tem que ver com isso, porque não somos um Estado criminoso como a Federação Russa, nem somos um Estado terrorista”. Podolyak atribuiu o atentado à “luta pelo poder dos distintos grupos políticos em Moscou” e sugeriu que investiguem quem pode ter posto a bomba em um estacionamento fortemente vigiado pela polícia. 

O presidente de assuntos internacionais da Duma, Leonid Slutsky, qualificou o “assassinato bárbaro” de Dugina como ataque terrorista contra a ideologia e os valores do Mundo Russo”, enquanto o senador Andrei Klishas falou de um “ataque inimigo” contra o “elemento espiritual de nossa luta”. 

Em compensação, o diretor do instituto de estudos políticos, Sergei Markov, assíduo comentarista da televisão pública russa, considera que o atentado poderia ser obra “dos inimigos da Turquia e Azerbaijão”.

Juan Pablo Duch | Correspondente do La Jornada em Moscou.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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