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Aumenta crise na Argentina neoliberal: pessoas já fazem qualquer coisa por prato de comida

Rafael Castillo, na zona rural da província de Buenos Aires, possui casos extremos, com famílias vivendo em condições de precariedade difíceis de imaginar
Victor Farinelli
Carta Maior
São Paulo (SP)

Tradução:

A pobreza tomou conta de toda a Argentina. O desastre econômico provocado pelo neoliberalismo é visível em todo o país. Nos bairros pobres da Grande Buenos Aires, os “caldeirões populares” – mutirões realizados por organizações sociais para levar comida a quem não tem, às vezes de graça ou por um preço irrisório –, provocam filas imensas, de famílias inteiras que precisam dessa ajuda porque a miséria provocada pelo neoliberalismo os destruiu.

Em muitos casos, são pessoas que até 2013 ou 2014 eram consideradas de classe média. Hoje muitas delas estão desempregadas, mas também há muita gente que tem emprego, porém precarizado, e seu salário não é suficiente para sustentar as contas de serviços básicos (água, luz e gás) que aumentaram mais de 2000% cada uma desde a chegada de Maurício Macri ao poder, e tampouco para comprar os alimentos e produtos necessários para ter uma vida minimamente digna.

Mas longe de Buenos Aires, no interior do país, a situação em que vivem as pessoas é muito mais trágica. Nas províncias longe da capital a situação é dramática, e mesmo na Província de Buenos Aires, na zona rural da região que cerca a maior cidade da Argentina, as pessoas vivem na extrema pobreza.

Um desses lugares onde a miséria ganhou a batalha é o pequeno povoado de Rafael Castillo, na cidade de La Matanza, no norte da Província de Buenos Aires. Se trata de uma região rural que vem sofrendo com o fechamento de muitas pequenas e médias empresas do setor agroindustrial, como resultado da falta de investimento no setor produtivo por parte da política econômica macrista.

O desemprego e falta de recursos que se tornou realidade para muitas famílias que sobrevivem em Rafael Castillo levou a uma situação limite, que é a de ter que caçar seu próprio alimento para sobreviver. Sim, caçar!

Rafael Castillo, na zona rural da província de Buenos Aires, possui casos extremos, com famílias vivendo em condições de precariedade difíceis de imaginar

Carta Maior / Reprodução
Algumas chegam a caçar animais selvagens que vivem nos arredores, para poder ter o que comer

Estilingues, boleadeiras e armadilhas improvisadas

Estamos falando de famílias cuja renda não é suficiente para alimentar todos os seus integrantes, e estes acabam se vendo obrigados a sair em grupos, armados com estilingues, boleadeiras e outras armadilhas improvisadas, tentando capturar preás, pequenos lagartos ou roedores, rãs, patos, até mesmo pombas, ou com sorte, algum animal selvagem de porte médio.

Esse drama não é coisa tão recente, tanto que virou matéria jornalística do canal Telefé, em outubro de 2018, quando a crise econômica já era indisfarçável – o governo de Macri havia pedido, semanas antes, uma ampliação do programa de ajuda recebido pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).

Entre os elementos terríveis mostrados pela matéria está o fato de que nem todas as famílias que se passaram a caçar alimento são compostas somente por desempregados. Algumas sim tem um pai ou uma mãe como única fonte de renda, a qual não é suficiente para cobrir todos os gastos do mês, obrigando os filhos maiores a buscar essas fontes alternativas de alimentação.

Uma das mães desses jovens que saem todos os dias a caçar é Rosa, que foi entrevistada pela equipe de televisão do canal argentino. Ela diz que é consciente que a situação na que vive sua família é de necessidade extrema, e lamenta que seus filhos passem por essa situação – quando confessa que eles sofrem de desnutrição, ela se emociona.

Rosa também conta que quando precisa se desafogar pela dor causada por essa impotência diante da sua atual condição econômica, prefere se trancar em um quartinho da casa, para chorar sem que seus filhos a vejam – mas eles a escutam de qualquer forma.

Ela conta que também busca comida no lixão, e muitas vezes traz produtos vencidos. Na matéria, chegou a mostrar um tablete de manteiga que encontrou com a data de validade passada em quase um ano. “Essa comida diz que está vencida, mas está boa. Comemos essas coisas muitas vezes, e nunca tivemos nenhum problema”.

Quando os filhos voltam com algum animal capturado, a mãe respira aliviada, dizendo que “é a garantia de que teremos algo melhor para comer no jantar, ou no almoço do dia seguinte”.

Entre as crianças e adolescentes que participam dessas verdadeiras expedições diárias, a aventura parece até ser divertida, mas não disfarça a situação comovente pela que passam. O garoto que conversa com os repórteres, espécie de líder do grupo, mostra como são suas técnicas. Ao final do dia, após capturarem dois preás e uma pomba, ele afirma que “isso vai ser suficiente para esta noite, com um pouco de arroz ou macarrão, podemos fazer um guisado (…) sei que não é muito nutritivo, mas pelo menos não fica aquela sensação de barriga vazia, que é o que não te deixa dormir”.

No final da matéria, o repórter responsável esclarece que se tratam de sete famílias, que se dedicam a essa atividade, e que elas pedem a instalação e um restaurante comunitário (dos que são construídos e sustentados pelo Estado para levar comida grátis ou mais barata às regiões mais pobres), ou a ajuda de organizações sociais que possam trazer os chamados “caldeirões populares”.

Vale lembrar, também, que está tramitando atualmente, no Congresso da Argentina, uma lei para declarar o país em situação de “emergência alimentar”, o que obrigaria o governo a aumentar o gasto em programas sociais específicos para enfrentar a crise. O projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados – apesar da resistência do macrismo, que o considera como uma “projeto eleitoreiro” –, e deverá ser avaliado pelo Senado nesta semana.

*Com informações do El Destape e da Telefé 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Victor Farinelli

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